quinta-feira, 31 de março de 2011

CORRESPONDÊNCIA URBANA

“Santa Terezinha é a pureza e o amor a Jesus na sua forma mais límpida, cristalina e verdadeira. Que ela possa interceder por nós junto a Ele.”
Helga Terzi
(Recado que Helga deixou no livro de assinaturas da Paróquia de  Santa Terezinha, em Belo Horizonte .)

Há uma pessoa que nunca vi pessoalmente mas tenho por ela profunda admiração por sua coerência  e integridade além do sorriso sempre pronto a nos contagiar : Helga Terzi.
E com ela me correspondi, com imenso prazer. Vamos à nossa correspondência urbana.



                                                                     Helga Terzi

Helga, querida

Você não imagina a saudade que sinto de você. Não posso ainda usar o micro, mas furei a guarda de mim mesma. Preciso saber se você nos daria uma entrevista.
Seriam perguntas simples, coisas do cotidiano, de sua vida, trabalho, lembranças, emoções.
A primeira seria indiscreta: nome todo, onde mora, profissão, idade.
A segunda seria sobre a cidade onde você mora, como a vê, a percebe, a sente.

Sabe que, interrompendo a série de perguntas , depois deste problema na coluna, logicamente devido a excessos meus, começo a sentir o peso dos 69 anos, quase setenta. Peso no sentido de saber que a máquina humana se gasta, mesmo que seja bem cuidada, o que geralmente não o fazemos, porque acreditamos na eterna juventude. A mente é que não consegue se adaptar ao corpo. Interessante, não, Helga? A mente não envelhece tão rápido quanto o corpo e ainda me disponho a montar cavalos e a correr ao lado deles.
Você saberia explicar a razão desta não sincronia? Não sei como dizer a mim mesma, vá com calma Esther, apesar de me repetir atualmente isto quase como um mantra. Não deveríamos nos gastar com o passar do tempo, não é mesmo Helga? Precisamos de muitas vidas para entender o significado de uma só.
Aliás, reparo que esta conversa é uma forma de continuar esta entrevista meio estranha, epistolar mesmo. Fale-nos do mundo Helga , por favor. conte-nos sobre a maravilha que é ter o seu caráter e o privilégio de sua amizade
beijo
Esther

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Estherzinha, meu amor, você não imagina a emoção que me tomou ao ler este seu email!
Eu te quero tanto, tanto bem!
Olha, para mim você ainda é uma menininha, nem completou 70 anos ainda. Minha mãezinha faz 83 este ano e eu digo a ela: você tem que ser igual dona Canô, que já está com 103, então se cuide!
Você também, Esther amada, tem que ser igual dona Canô, pode se preparar.
Quanto à entrevista, eu sou uma pessoa tão comum, tão sem nada especial que me envergonho até com a idéia de ter sido convidada a dá-la.
Você me enviaria perguntas por email para que eu as respondesse ou eu falo sobre os assuntos que você colocou abaixo?
Faço o que você quiser, você é muito, muito amada para que eu recuse qualquer coisa, mas você tem que me prometer uma coisa: se você achar que o resultado ficou abaixo da qualidade ímpar dos textos publicados no Primeira Fonte, você não vai publicar o que eu escrever, combinado?  Porque o Primeira Fonte é um dos sites mais bacanas que tem hoje na rede, não vamos baixar a qualidade do que está lá de jeito nenhum, e eu juro pra você que não vou ficar nem um pingo chateada.
Beijos e abraços muito, muito carinhosos a você e a Ana Laura, duas queridas tão queridas;
Amor,
Helga

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Esther  to Helga, to Ana
Helga, querida,

Será feito como você quiser, mas eu tenho certeza que tudo dará certo... até porque, Helga, o cotidiano e a simplicidade é que constituem a maravilha do mundo.
Peço para que escreva pautada nos assuntos que coloquei abaixo mesmo, e eu prometo não deixa-la passar por qualquer suposta situação desagradável.
Coloco a Ana como cópia e peço para que envie pra ela, já que ainda não posso vir ao computador.
 amamos voc, mais que demais,
beijos,

Esther

DEPOIMENTO CORAJOSO DE UMA VIDA

Por Helga Terzi


Queridos leitores do Primeira Fonte, fui convidada pela amada Esther a falar um pouco de mim, da minha vida, e apesar de não atinar com o motivo de tamanha honra, nada posso negar a esta criatura maravilhosa, de modos que aqui estou.
Meu nome é Helga Maria Terzi, tenho 48 anos, sou divorciada e Gerente Comercial de uma construtora há 19 anos .
Eu nasci, cresci e vivo em São Paulo, filha mulher mais velha de 04 irmãos. Tenho um irmão mais velho que eu.
Família pobre, pai alcoólatra e uma mãe funcionária pública, dedicadíssima a criar os filhos sozinha. Nada fácil.
Passamos necessidades das mais básicas, com ocasiões em que tínhamos apenas feijão no prato do jantar, ou apenas um ovo, que minha mãe fazia uma gemada, sentava os quatro numa cama e ia dando com uma colherinha na boca de cada um até acabar. Meu irmão caçula sempre ganhava a última colherada porque era o menorzinho. Ele é o bebê da Dona Lourdes até hoje, com 44 anos.
No inverno faltavam cobertores, então minha mãe usava casacos que ela ganhava das amigas do trabalho como cobertores para tentar amenizar o frio.
Meu pai aparecia uma vez a cada três, quatro meses, passava o maior tempo possível na casa da minha avó, em Santo André. Quando vinha, estava bêbado e bebida significava no caso dele, violência.
Mas tudo passa nesta vida, e graças a Deus minha mãe conseguiu nos educar, levando à faculdade três filhos. Eu fiquei de fora porque fui trabalhar para ajudar a sustentar o bando com 16 anos, entrei no mercado imobiliário aos 18 e progredi tanto, que a faculdade não me fez falta.
Fui a primeira mulher Diretora de Vendas de uma imobiliária grande em SP.
Casei, tive dois filhotes maravilhosos, hoje com 22 e 23 anos, separei e criei os filhos sozinha, como minha mãe e fiz o melhor trabalho que pude com eles. Acho que não me saí nada mal, viu, eles são excelentes pessoas, filhos e netos maravilhosos e irmãos que se amam muito.
Já pensei várias vezes em me mudar de São Paulo para uma cidade pequena, tranqüila, para morar em um sítio com muitas árvores, muitos bichos, muito sossego (oi, Esther, tem um lugarzinho pra mim aí em Caxambu?).
Mas eu tenho com São Paulo um relacionamento muito interessante, de amor e ódio.
Acho que a maioria dos paulistanos vive assim, entre tapas e beijos com sua cidade.
A violência desenfreada, o trânsito caótico, a falta de tempo, o transporte coletivo decadente, são só alguns dos motivos que fazem os paulistanos sofrerem.
Por outro lado, é aqui que as coisas acontecem: temos museus, teatros, restaurantes, cinemas, parques, muita coisa boa para curtir e ser feliz. Feriados prolongados em que a cidade fica deserta, a sensação de que ela é “sua” é deliciosa. Não é pra qualquer um ser dono de uma metrópole inteirinha. Eu me esbaldo.
Temos hospitais de primeira linha, com os melhores especialistas do mundo, embora a gente sempre reze para não ter que precisar deles.
Aos 49 anos, tenho a sensação de já ter vivido muito, ter passados por tantas coisas boas e outras nem tanto, há momentos de extremo cansaço, viver não é fácil, mas ninguém nunca disse que seria, então procuro não reclamar.
Me norteio pelo bem, que traz paz de espírito. Caminho pensando no próximo, se não posso ajudar procuro não atrapalhar, não magoar, não machucar.
E às vezes, basta um sorriso, um beijo, um abraço bem apertado para mudar o dia de alguém, este é um exercício que eu procuro fazer diariamente.
Do dia de amanhã, só quem sabe é Deus, e eu confio plenamente que Ele não há de me faltar.

Bookman Old Style
Só conheço três pessoas a escrever seus textos em Bookman Old Style, Helga, a poeta norte americana Elizabeth Bishop que morou durante muitos anos no Brasil e queria que seus poemas fossem publicados neste tipo de fonte- seu  editor, logicamente recusou, pois não considerava o estilo comercial, e  eu.
Em homenagem a Helga e a Elizabeth Bishop fugimos ao padrão Verdana do Primeira Fonte para usar a fonte que elas elegeram como a mais agradável. E tem mais; quando Helga disse que é uma pessoa comum, tão sem nada de especial, lembrei de uma música do ABBA, cantada pela Agnetha, Thank you for the music, em que ela diz algo semelhante e exibe uma voz e um sorriso que desmentem o conteúdo da mensagem. Assim, o mesmo ocorreu com Helga. O que acham?





quarta-feira, 30 de março de 2011

Audioteca Sal e Luz



Por Cristiana Blume

Divulgo o trabalho maravilhoso que é realizado na Audioteca Sal e Luz e que corre o risco de acabar.A Audioteca Sal e Luz é uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, que produz e empresta livros falados (audiolivros).
Mas o que é isto? São livros que alcançam cegos e deficientes visuais (inclusive os com dificuldade de visão pela idade avançada), de forma totalmente gratuita. Seu acervo conta com mais de 2.700 títulos que vão desde literatura em geral, passando por textos religiosos até textos e provas corrigidas voltadas para concursos públicos em geral. São emprestados sob a forma de fita K7, CD ou MP3.
Como ajudar? ... Divulgando!!!!!
Se você conhece algum cego ou deficiente visual, fale do nosso trabalho, divulgue!!!
Para ter acesso ao nosso acervo, basta se associar na nossa sede, que fica situada à Rua Primeiro de Março, 125 - Centro. RJ. Não precisa ser morador do Rio de Janeiro.A outra opção foi uma alternativa que se criou, face à dificuldade de locomoção dos deficientes na nossa cidade.
Eles podem solicitar o livro pelo telefone, escolhendo o título pelo site, e enviaremos gratuitamente pelos Correios.
A nossa maior preocupação reside no fato que, apesar do governo estar ajudando imensamente, é preciso apresentar resultados. Precisamos atingir um número significativo de associados, que realmente contemplem o trabalho, senão ele irá se extinguir e os deficientes não poderão desfrutar da magia da leitura.
Só quem tem o prazer na leitura, sabe dizer que é impossível imaginar o mundo sem os livros...


Audioteca Sal e Luz. Rua Primeiro de Março, 125- 7º
Andar. Centro - RJ. CEP 20010-000
Fone: (21) 2233-8007
Horário de atendimento: 08:00 às 16:00 horas
http://audioteca.org.br/noticias.html
http://www.audioteca.com.br/old_site/

terça-feira, 29 de março de 2011

QUITANDA DA VIDA XX

Por Telinha Cavalcanti

Eu gosto muito desse bolo... e lembro de comê-lo ao ir visitar minha avó em Alagoas.

Minha tia me levava para passear no centro da cidade, ou, como ela diz "no comércio". A gente sempre parava na Danúbio, uma doceria antiga, com bolos e tortas deliciosos.



 Bolo de Abacaxi de D. Helena, em suas próprias palavras

1 abacaxi maduro, cortado em rodelas não muito finas, sem o centro.
Açúcar para fazer um mel escuro.
Pôr as rodelas de abacaxi em um pirex. No centro que foi retirado, colocar uma ameixa sem o caroço.
Quando o mel estiver pronto, ainda fervendo, jogá-lo sobre as rodelas do abacaxi.


Fazer um pão-de-ló com 4 ovos. Bater bem as claras e juntar as gemas, uma de cada vez. Bater bem até que fique bem claro. Pôr, então, 4 colheres de açúcar refinado e continuar batendo. Por último, colocar 4 colheres de sopa de farinha de trigo peneirada. Juntar delicadamente, não bater mais.
Quando estiver bem homogêneo, despejar sobre as rodelas de abacaxi, que devem estar bem douradas pelo efeito do mel. 
Levar ao fôrno pré-aquecido. Quando estiver pronto, retirar, deixar esfriar e virar sobre um prato de bolo, fica uma bonita apresentação.


É muito fácil! Bom apetite!


Mamãe

segunda-feira, 28 de março de 2011

O coração resgatado


Janaína Amado (org.). Jacinta Passos, coração militante. (2010) Salvador: EDUFBA e Editora Corrupio.


Fico imaginando o que significou para a historiadora Janaína Amado a pesquisa, organização e preparação da história de sua própria mãe, cuja obra ameaçava se perder. Num volume de 574 páginas, Janaína registrou o que ela escreveu em vida – seus quatro livros publicados, obras esparsas, textos de vários gêneros, manuscritos em cadernos (dos quais muitos não foi possivel recuperar) e os textos jornalísticos.
Além da obra escrita, o livro traz a biografia detalhada da militante Jacinta, cujo texto, uma narrativa preparada com carinho e seriedade, foi enriquecido por inúmeros depoimentos de parentes, amigos, correligionários e tanta gente que teve contato com ela. Descreve ainda as dificuldades e o sofrimento da poeta e jornalista, de quem ela diz, na apresentação da obra:
“Pagou um preço altíssimo por derrubar tantas barreiras, na contramão da vida, na construção do caminho duro de seus ideais. Afirmou-se como mulher e intelectual, mas sua existência foi muito difícil, marcada por rupturas, fortes desilusões, crises psicológicas. Foi excluída, perseguida, presa, internada em sanatórios.”
Tais dificuldades, que terminaram por afastá-la da mãe ainda bem cedo, na infância, não impediram que sua filha preservasse, com cuidado e carinho, a memória e o trabalho dessa mulher singular, que literalmente deu a vida por uma causa. 
Janaína coligiu ainda a importante fortuna crítica referente ao trabalho de Jacinta, textos assinados por intelectuais de importância em sua época, como Antônio Cândido, José Paulo Paes, Sérgio Milliet e muitos outros, assim como textos mais recentes, preparados especialmente para figurar no livro.
Quero agradecer a Janaína a dádiva de conhecer esse livro, uma edição bem cuidada, perfeita e belíssima, não só pelo magnífico conteúdo e pelo trabalho gráfico de alta qualidade, como pelo carinho com que foi preparado. Um livro que testemunha o que podem o amor e a dedicação, e agora brilha aqui em minha estante. Obrigada mesmo, Janaína, também pela delicadeza do presente e pela alegria que me deu.



domingo, 27 de março de 2011

SENHORA DO TEMPO. ZYU 4 - RÁDIO CULTURA DE SETE LAGOAS

Por Vera Guimarães

Foi a amiga Esther quem deu o mote: “Vera, você escutava rádio na infância?”

Eu sou da era do rádio. Na minha casa sempre teve um aparelho ligado o dia inteirinho.  Na beira do fogão, na sala, na máquina de costura da irmã mais velha. De manhã, à tarde, de tardinha, à noite. E quase sempre sintonizado na rádio local, a muy valorosa ZYU 4 - RÁDIO CULTURA DE SETE LAGOAS, ou na RADIO NACIONAL.

Foto: Google Images
Eu era fascinada pela nossa emissora. Quando a Rádio Cultura funcionava nos altos da Chevrolet, não sei o que que eu ia fazer lá, mas eu ia. Ver os locutores, os equipamentos, a discoteca, não sei, mas eu ia. Talvez desfazer o mistério que eram as vozes chegando ao radinho. Talvez dar asas ao meu encantamento com letras e músicas, ver capas de discos.

Depois que a rádio se mudou para o prédio próprio na Avenida, continuei indo lá. Além de ir por ir, eu ia aos programas de auditório. Ao Programa Infantil, para ver e ouvir Iza Marília e Manoelita Maria, cantoras de vozes potentes, meninas cheias de graça e charme. Iza Marília, coquete e animada, não sugeriria jamais que se tornaria a jovem concentrada e aluna brilhante e hoje adulta zen, professora de ioga. Manoelita Maria se tornou a atriz, jornalista e escritora Manoelita Lustosa, e concretiza, no 2º. tempo, sua vocação para o palco.

Havia outros programas de auditório. Eu me lembro vivamente do grupo musical que ali executava temas instrumentais, ou acompanhava os cantores. Era o nosso “regional”, de corda, sopro e percussão. Do lado esquerdo do palco, muito bem arrumados e sérios, ficavam os músicos. Não sei se eu lhes dava o devido valor, mas sei que hoje teria o maior apreço por eles, principalmente se pudesse ouvi-los novamente a tocar nossos choros.

Quando passava férias nas fazendas dos tios, percebia que, de madrugada, eles sintonizavam em algum programa de música sertaneja e de recados. (“Ô, Tiana, lá do Brejo, sua irmã mandou avisar que o Joacir saiu do hospital hoje!”). Atualmente, quando vou a Sete Lagoas, escuto o Guará no seu programa de utilidade pública e música, já completando 40 anos no ar.

Ao longo do dia vinham programas variados, com músicas de algum lugar do mundo: Festa Portenha, Boleros y otros Ritmos Caribeños, Canções Napolitanas, Valsas Vienenses, Jazz, Fados e mais Fados, Itália Querida, ocasiões em que sonhávamos com lugares distantes e cantávamos junto aquelas canções, no nosso inglês embromation, italiano macarrônico, portuñol lerrítimo, alemão das aftas arden.  

Na hora do almoço tinha a crônica do dia e as notícias, e, depois do almoço, as músicas oferecidas aos aniversariantes ("A seguir, La Golondrina, que Márcio Coelho oferece a sua mãe pelo aniversário. Parabéns, dona Vivi!"). Havia uma família que, em dia de aniversário de alguém do clã, comprava a tarde inteirinha.

Aí passávamos para a RADIO NACIONAL, onde ouvíamos consternadas os episódios do PRESÍDIO DE MULHERES, algo meio proibido pra minha idade, mas, já que minha mãe gostava de ouvir, eu pegava carona. Em algum dia da semana tinha o INCRÍVEL, FANTÁSTICO, EXTRAORDINÁRIO, com a dramatização de algum fato bizarro, sobrenatural, fantasmagórico ou fora do comum. Morríamos de medo já na abertura: “E abrem-se as cortinas negras do teatro do outro mundo!”

 À noite, novelas, principalmente O DIREITO DE NASCER, cuja trama eu não compreendia muito bem, aqueles lances de um filho do pecado, a mãe que vai pro convento, mas também não se podia perguntar muito.

Meus irmãos tinham especial predileção pelos programas humorísticos e enchiam a casa com sonoras gargalhadas durante o PRK-30 e um outro bem paulistano, acho que com os Demônios da Garoa e Adoniram Barbosa, “despois que nóis vai, despois que nóis vorta”.
PRK-30

Humorístico também era o BALANÇA, MAS NÃO CAI, de quadros que satirizavam aspectos da política, do dinheiro, classes sociais e comportamento, com piadas de duplo sentido e bordões que nos acompanhavam por décadas. Os herdeiros desses programas ainda hoje põem o dedo na ferida nacional dos políticos corruptos, da hipocrisia e da injustiça, mas também cometem crueldade com minorias e diferenças.

Nossa curiosidade com os astros do rádio era alimentada por publicações, como REVISTA DO RÁDIO e CINELÂNDIA, que traziam fofocas, a agenda e a intimidade deles. Nada muito diferente de hoje.

Foto: Google Images
Nas minhas andanças durante a vida universitária, levei para todos aqueles endereços meu radinho de cabeceira. Até hoje, em casa e no carro, gosto de passear pelas rádios. Gosto do acaso e do imprevisível, gosto da variedade, gosto de ficar por dentro do que tocam até as emissoras que não são exatamente da minha preferência.

Aquele rádio da minha infância, permanentemente ligado em vários cômodos da casa, aguçou meu interesse pela música e pelo mundo ao meu redor. E, principalmente, me trouxe o gosto por cantarolar, cantar, o que, apesar da voz pobrinha, faço até hoje, em qualquer lugar, meio sem noção e sem censura...

sábado, 26 de março de 2011

84, CHARING CROSS. CARTA PARA NORAH

UM POVO QUE NÃO SABE FAZER FESTA…

Por Alline Storni
Passagem de ano em Milão
Foto: milanoweb.com

Pipoca!

Talvez você nem seja tão festeira quanto a tua mãe aqui… Mas eu te aviso porque quem avisa amigo é, como diria a tua bisa Jeruza.

Festa de verdade você só verá no Brasil! O que temos aqui em Milão são celebrações, digamos assim. É que aqui, Pipoquinha, o povo só pensa em comer. Então tudo é organizado/pensado com a finalidade de comer.

Veja bem, eu também gosto de comer. E as comidas aqui são realmente deliciosas. Mas poxa, um pouco de música e dança, um pouco de diversão não vai fazer mal a ninguém, não é mesmo?

A minha festa preferida é Ano Novo. Eu adoro Ano Novo. Mas aqui é uma tristeza de dar dó. Tua mãe aqui sofre… Teu pai não entende, porque para ele a festa deles aqui é bem legal.

Queima de fogos em Copacabana
Foto: Google Images
Te explico: lá no Rio de Janeiro, onde eu nasci e cresci, o Ano Novo é no verão. E a tradição é todo mundo vestido de branco… e tem uma super festa na praia de Copacabana! Esta festa na praia é linda, linda, linda. Milhões de pessoas reunidas com um só propósito: desejar felicidade para o ano que se inicia. Alguns levam champagne, uvas, pulam onda, cada um tem o seu ritual. Tem música, tem dança, tem alegria. Uma festa e tanto!

Oferendas para Iemanjá
Foto: rio-curioso.blogspot.com
Aqui em Milão é inverno. Eu sei, fica dificil fazer festa no inverno… mas pelo menos nas festas que eu participei aqui era assim: casa de um amigo, milhões de coisas para comer, meia-noite: feliz ano novo!, olhar os fogos da varanda e acabou-se! Tua mãe sofre, Pipoca. E acho que se você conhecer o Ano Novo de Copacabana vai sofrer também!

E carnaval? Não vou nem te contar agora como é… só vendo, Pipoquinha, só vendo. Teu pai tem medo que depois que você conhecer estas festas no Rio você queira ir todo ano!

Eu vou logo avisando… Se você for eu vou junto!

Carnaval 2001 / Mangueira / Rio de Janeiro
Foto: Carlos Moraes / Agência O Dia

sexta-feira, 25 de março de 2011

VOCÊ CONHECE ESSE CARA? JÁ CURTIU ESSE SOM?

Por Ana Laura Diniz

Foto: Google Images
Zapatista dionisíaco, ex-punk, neto de velho militante antifranquista espanhol, filho de um conhecido escritor espanhol, parisiense atípico - sem muito orgulho, deixou o local porque não se acostumava ao tratamento dispensado aos clandestinos africanos na capital francesa. Divertido, gozador e sério ao mesmo tempo, precisava de um lugar mais calmo para morar. Escolheu Barcelona porque acredita ser o Rio de Janeiro da Europa. Magro, ágil e bom de caminhada, quando no Brasil, faz passeios incansáveis pelas praças e ruelas da Lapa, no Rio de Janeiro, onde já viveu um mês no burburinho de Santa Tereza. Dono de um molejo sedutor, fã ardoroso de capoeira e de repentes nordestinos, bebe cachaça misturado com café amargo a qualquer hora do dia. Foi assim que o conheci num boteco carioca - com calça de algodão, regata e de “as legítimas” no pé. Também gosta de tomar tequila na Bastilha e aguardente de uva na Galícia.

Foto: Google Images
Falando assim, talvez pareça ser este, um retrato meio esquizofrênico de um jovem. Mas ele é tudo, menos esquizofrênico. Aos 50 anos, sabe exatamente o que quer e aonde deseja chegar. Sua produção babélica mistura francês, espanhol, português, inglês e narrações de jogos de futebol. Com versos soltos e espontâneos, ainda que cuidadosamente trabalhados, rompeu fronteiras na Europa, Estados Unidos e América do Sul. É capaz de numa só frase rimar calefación (calefação, em espanhol) com satisfaction (satisfação, em inglês). 

No entanto, seu anarquismo não esconde uma enorme consistência política. Convencido de que as ditaduras foram substituídas no poder dos Estados pelo crime organizado, acredita que a xenofobia cria uma bomba de efeito retardado - uma vez que as periferias das grandes cidades estão ocupadas por imigrantes, que vivem em condições subumanas. Mas tenta separar seu engajamento da música. Sabe que é complicado. E por isso, sempre pensa seriamente em deixar de cantar. Tem medo de se tornar um “fantoche” governamental.

Foto: Cluas.com
Desprendido e batalhador, ganhava dinheiro em apresentações em bares, ruas e estações de metrô. Ex-líder dos grupos Mano Negra e Radio Bemba, há mais de onze anos segue uma brilhante carreira solo. Dos álbuns, os meus favoritos são os dois primeiros, Clandestino e Próxima Estación: Esperanza, feitos sob a mesma base: sonoridades simples e infantis, que são facilmente memorizadas. 

Foto: Blog Doomar

Tendo o contrato dele expirado com o selo Virgin, em 2003, Radio Bemba virou o nome de sua própria produtora. E com ela, lançou em setembro de 2004, um CD single com seis canções, acompanhado de um livro de poemas ilustrado pelo desenhista Wozniak. Vendidos em bancas de jornal francesas, o kit precedeu a edição da versão completa do seu CD, Sibérie m‘était contée, de 23 músicas, lançado junto de um livro mais volumoso que, infelizmente, não chegou a ser vendido no Brasil. 

Em 2005, gravou a música Soledad Cidadão, numa participação especial para a banda brasileira Os Paralamas do Sucesso. E no embalo, gravou o tema do filme "Princesas", Me Llaman Calle. O ano de 2007 foi embalado por mais dois CDs, o La radiolina e o Rainin in Paradize EP... fazendo "parada" em 2008 no Estación Mexico.

A base musical é a mesma: sensacional, e seus refrões, repetidos incessantemente, mesclados a excelentes arranjos, sempre tocam o ponto certo. E se você ainda não sabe de quem se trata, corra. Seu primeiro DVD, Babylonia em Guagua, lançado em 2003, é praticamente ainda uma novidade. E justamente no momento em que os valores culturais do País andam invertidos - e todos trabalham numa espécie de sobrevida -, é bom saber que Manu Chao firma presença para temperar ainda mais a salada musical brasileira. 

discografia completa
  • Manu Chao - Clandestino (1998)
  • Manu Chao & Tonino Carotone - Radio Popolare (1999)
  • Manu Chao - Próxima Estación: Esperanza (2001)
  • Manu Chao - Radio Bemba Sound System (Live Àlbum) (2002)
  • Manu Chao – Acústico (2003)
  • Manu Chao - Siberie M'etait Contéee (2004)
  • Manu Chao - La Radiolina (2007)
  • Manu Chao - Rainin in Paradize EP (2007)
  • Manu Chao - Estación Mexico (2008)

Manu Chao: "Clandestino", música que leva o nome do álbum, foi gravada no Brasil pela cantora Adriana Calcanhotto, no CD "Público".


"Clandestino", com Adriana Calcanhotto