Helga Terzi
(Recado que Helga deixou no livro de assinaturas da Paróquia de Santa Terezinha, em Belo Horizonte .)
Há uma pessoa que nunca vi pessoalmente mas tenho por ela profunda admiração por sua coerência e integridade além do sorriso sempre pronto a nos contagiar : Helga Terzi.
E com ela me correspondi, com imenso prazer. Vamos à nossa correspondência urbana.
Helga Terzi
Helga, querida
Você não imagina a saudade que sinto de você. Não posso ainda usar o micro, mas furei a guarda de mim mesma. Preciso saber se você nos daria uma entrevista.
Seriam perguntas simples, coisas do cotidiano, de sua vida, trabalho, lembranças, emoções.
A primeira seria indiscreta: nome todo, onde mora, profissão, idade.
A segunda seria sobre a cidade onde você mora, como a vê, a percebe, a sente.
Sabe que, interrompendo a série de perguntas , depois deste problema na coluna, logicamente devido a excessos meus, começo a sentir o peso dos 69 anos, quase setenta. Peso no sentido de saber que a máquina humana se gasta, mesmo que seja bem cuidada, o que geralmente não o fazemos, porque acreditamos na eterna juventude. A mente é que não consegue se adaptar ao corpo. Interessante, não, Helga? A mente não envelhece tão rápido quanto o corpo e ainda me disponho a montar cavalos e a correr ao lado deles.
Você saberia explicar a razão desta não sincronia? Não sei como dizer a mim mesma, vá com calma Esther, apesar de me repetir atualmente isto quase como um mantra. Não deveríamos nos gastar com o passar do tempo, não é mesmo Helga? Precisamos de muitas vidas para entender o significado de uma só.
Aliás, reparo que esta conversa é uma forma de continuar esta entrevista meio estranha, epistolar mesmo. Fale-nos do mundo Helga , por favor. conte-nos sobre a maravilha que é ter o seu caráter e o privilégio de sua amizade
beijo
Esther
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Estherzinha, meu amor, você não imagina a emoção que me tomou ao ler este seu email!
Eu te quero tanto, tanto bem!
Olha, para mim você ainda é uma menininha, nem completou 70 anos ainda. Minha mãezinha faz 83 este ano e eu digo a ela: você tem que ser igual dona Canô, que já está com 103, então se cuide!
Você também, Esther amada, tem que ser igual dona Canô, pode se preparar.
Quanto à entrevista, eu sou uma pessoa tão comum, tão sem nada especial que me envergonho até com a idéia de ter sido convidada a dá-la.
Você me enviaria perguntas por email para que eu as respondesse ou eu falo sobre os assuntos que você colocou abaixo?
Faço o que você quiser, você é muito, muito amada para que eu recuse qualquer coisa, mas você tem que me prometer uma coisa: se você achar que o resultado ficou abaixo da qualidade ímpar dos textos publicados no Primeira Fonte, você não vai publicar o que eu escrever, combinado? Porque o Primeira Fonte é um dos sites mais bacanas que tem hoje na rede, não vamos baixar a qualidade do que está lá de jeito nenhum, e eu juro pra você que não vou ficar nem um pingo chateada.
Beijos e abraços muito, muito carinhosos a você e a Ana Laura, duas queridas tão queridas;
Amor,
Helga
Helga
Esther to Helga, to Ana
Helga, querida,
Será feito como você quiser, mas eu tenho certeza que tudo dará certo... até porque, Helga, o cotidiano e a simplicidade é que constituem a maravilha do mundo.
beijos,
Esther
DEPOIMENTO CORAJOSO DE UMA VIDA
Por Helga Terzi
Queridos leitores do Primeira Fonte, fui convidada pela amada Esther a falar um pouco de mim, da minha vida, e apesar de não atinar com o motivo de tamanha honra, nada posso negar a esta criatura maravilhosa, de modos que aqui estou.
Meu nome é Helga Maria Terzi, tenho 48 anos, sou divorciada e Gerente Comercial de uma construtora há 19 anos .
Eu nasci, cresci e vivoem São Paulo , filha mulher mais velha de 04 irmãos. Tenho um irmão mais velho que eu.
Eu nasci, cresci e vivo
Família pobre, pai alcoólatra e uma mãe funcionária pública, dedicadíssima a criar os filhos sozinha. Nada fácil.
Passamos necessidades das mais básicas, com ocasiões em que tínhamos apenas feijão no prato do jantar, ou apenas um ovo, que minha mãe fazia uma gemada, sentava os quatro numa cama e ia dando com uma colherinha na boca de cada um até acabar. Meu irmão caçula sempre ganhava a última colherada porque era o menorzinho. Ele é o bebê da Dona Lourdes até hoje, com 44 anos.
No inverno faltavam cobertores, então minha mãe usava casacos que ela ganhava das amigas do trabalho como cobertores para tentar amenizar o frio.
Meu pai aparecia uma vez a cada três, quatro meses, passava o maior tempo possível na casa da minha avó,em Santo André. Quando vinha, estava bêbado e bebida significava no caso dele, violência.
Meu pai aparecia uma vez a cada três, quatro meses, passava o maior tempo possível na casa da minha avó,
Mas tudo passa nesta vida, e graças a Deus minha mãe conseguiu nos educar, levando à faculdade três filhos. Eu fiquei de fora porque fui trabalhar para ajudar a sustentar o bando com 16 anos, entrei no mercado imobiliário aos 18 e progredi tanto, que a faculdade não me fez falta.
Fui a primeira mulher Diretora de Vendas de uma imobiliária grande em SP.
Casei, tive dois filhotes maravilhosos, hoje com 22 e 23 anos, separei e criei os filhos sozinha, como minha mãe e fiz o melhor trabalho que pude com eles. Acho que não me saí nada mal, viu, eles são excelentes pessoas, filhos e netos maravilhosos e irmãos que se amam muito.
Já pensei várias vezes em me mudar de São Paulo para uma cidade pequena, tranqüila, para morar em um sítio com muitas árvores, muitos bichos, muito sossego (oi, Esther, tem um lugarzinho pra mim aí em Caxambu?).
Mas eu tenho com São Paulo um relacionamento muito interessante, de amor e ódio.
Acho que a maioria dos paulistanos vive assim, entre tapas e beijos com sua cidade.
A violência desenfreada, o trânsito caótico, a falta de tempo, o transporte coletivo decadente, são só alguns dos motivos que fazem os paulistanos sofrerem.
Por outro lado, é aqui que as coisas acontecem: temos museus, teatros, restaurantes, cinemas, parques, muita coisa boa para curtir e ser feliz. Feriados prolongados em que a cidade fica deserta, a sensação de que ela é “sua” é deliciosa. Não é pra qualquer um ser dono de uma metrópole inteirinha. Eu me esbaldo.
Temos hospitais de primeira linha, com os melhores especialistas do mundo, embora a gente sempre reze para não ter que precisar deles.
Aos 49 anos, tenho a sensação de já ter vivido muito, ter passados por tantas coisas boas e outras nem tanto, há momentos de extremo cansaço, viver não é fácil, mas ninguém nunca disse que seria, então procuro não reclamar.
Me norteio pelo bem, que traz paz de espírito. Caminho pensando no próximo, se não posso ajudar procuro não atrapalhar, não magoar, não machucar.
E às vezes, basta um sorriso, um beijo, um abraço bem apertado para mudar o dia de alguém, este é um exercício que eu procuro fazer diariamente.
Do dia de amanhã, só quem sabe é Deus, e eu confio plenamente que Ele não há de me faltar.
Bookman Old Style
Só conheço três pessoas a escrever seus textos em Bookman Old Style , Helga, a poeta norte americana Elizabeth Bishop que morou durante muitos anos no Brasil e queria que seus poemas fossem publicados neste tipo de fonte- seu editor, logicamente recusou, pois não considerava o estilo comercial, e eu.
Em homenagem a Helga e a Elizabeth Bishop fugimos ao padrão Verdana do Primeira Fonte para usar a fonte que elas elegeram como a mais agradável. E tem mais; quando Helga disse que é uma pessoa comum, tão sem nada de especial, lembrei de uma música do ABBA, cantada pela Agnetha, Thank you for the music, em que ela diz algo semelhante e exibe uma voz e um sorriso que desmentem o conteúdo da mensagem. Assim, o mesmo ocorreu com Helga. O que acham?