Telinha Cavalcanti
Eu pensei muito sobre como começar esta postagem sobre o Dia da Mulher. E resolvi contar uma história que aconteceu com a amiga da minha irmã.
A amiga da minha irmã fez faculdade com ela, se formou, passou num concurso e ganhava bem. Era independente financeiramente e comprou um apartamento, isso no começo dos anos 80, quando era raro as moças saírem de casa para morar sozinhas. A amiga da minha irmã também mandava dinheiro para a mãe todo mês. E aí a amiga da minha irmã engravidou.
Século passado em Pernambuco, né? Pensem no que essa moça, independente e bonita, passou a ouvir, mesmo sendo dona do nariz. Mesmo mandando dinheiro para a mãe. Mãe essa que virou-lhe a cara, mas não virou a bolsa pro outro lado, não.
Ao saber da atitude da mãe da amiga e do pai do bebê, que deu no pé, minha irmã chegou em casa, eu ainda lembro, transtornada. Xingava os deuses e o mundo. Minha mãe suspirou "Se já é difícil criar um filho com o pai, imagina sem..." e deu o assunto por encerrado.
Meses se passaram, o neném nasceu, lindo e saudável. A amiga passou uns dias conosco e eu só lembro de brincar muito com ele, que era gordinho e sabido. Não me metia em conversas de adultos, eles também não conversavam na minha frente. Não sabia o que era ser mãe solteira naquele Pernambuco ainda com ranço medieval: a amiga da minha irmã teve um bebê lindo e eu brincava com ele como quem brinca com uma bonequinha viva.
Passaram-se muitos anos. A amiga da minha irmã continuava morando sozinha, ganhando bem, criando o filho e dando dinheiro para a mãe, que continuava sem falar com ela. Daí a amiga da minha irmã casou e teve uma filha. E o marido, ao registrar a menina, "deu nome" ao filho dela.
Deu nome. Como se o sobrenome da mãe não fosse nome. E, com esse gesto, não sei se generoso ou calculado, deu-se o início da segunda parte da história.
Passou mais tempo. O marido da amiga da minha irmã deu de beber. Deu de ser despedido também. Deu de ficar em casa o tempo todo, tomando cerveja e atormentando a vida da família.
Ouvi um resto de conversa, onde minha irmã perguntava para a amiga porque ela não separava do marido. Afinal, ela ganhava bem (tinha sido promovida), terminou de pagar o apartamento, tinha o apoio da mãe (que voltou a falar com a filha ao ver uma aliança no anelar da mão esquerda). A amiga suspirou e deu dois motivos: o primeiro é que ela tinha uma dívida de gratidão com o homem que dera um nome ao filho. E a segunda é que não ia dar a ninguém o gosto de vê-la separada.
A história não termina aqui, mas eu termino de contar. Porque não se pode falar em independência feminina enquanto ela for só no contracheque. A independência tem que ser tecida em nossa criação, em nossa essência. E é assim que devemos criar nossas meninas, e é assim que devemos nos re-criar. Neste 8 de março, Independência e Vida para todas nós.