domingo, 10 de abril de 2011

SENHORA DO TEMPO

Por Esther Lucio Bittencourt

Quando morávamos no 806 da Mário Viana, em Santa Rosa, Niterói – 806 já era bem no Viradouro, lugar que recebeu este nome porque era onde os bondes faziam a volta. Deixa explicar: bonde não faz volta. O motorneiro retira as peças que guiam o bonde e as levam para encaixar em outras partes. Se está vindo é na frente. Se está indo, é atrás. Portanto, bonde, nunca tem frente ou trás definidos, depende de sua direção. O cobrador vira todos os bancos, um de cada vez, para a posição que será a frente, fazendo um barulho estrondoso.

Fomos morar no Viradouro em nosso retorno de Belo Horizonte. Era um bairro da burguesia tradicional com casas amplas, bem construídas em terrenos imensos e mágicos. Era, porque quando mais tarde o visitei, havia se tornado horrível como a mais feia das periferia.

Nossa casa ficava quase na entrada da garganta que era o único caminho para se chegar à Pendotiba e às praias de Itaipu, Itacoatiara e Piratininga. Mas ainda se podia frequentar, naquela época praias da Baía da Guanabara, como Saco de São Francisco, que posteriomente perdeu o saco e a da Charitas, onde as areias eram grossas e a criançada jogava em si mesmo a areia e dizia, "areia da grossa, areia da fina, areia me faça ficar pequenina". Em Icaraí o banho era proibido: ondas fortes!

Morávamos em frente à casa da família Cruz Nunes, proprietária de Pendotiba inteira, diziam. Letícia, a filha mais nova, e Maria José, que a antecedia, eram nossas companheiras para ir ao cinema, que ficava logo ali na esquina, antes da Garganta. E lá, os episódios em série de Flash Gordon, que percorria o espaço em sua nave em forma de pião; de Superman, Capitão Marvel, Roy Rogers, Bronco Bill, Hopalong Cassidy, Durango Kid, o Fastasma Voador- saudades de seu companheiro Capeta, o cão, e Guram, o pigmeu- e Tom Mix nos remetiam a um novo mundo. Estas séries eram as únicas que o cinema projetava. Cinema bem tipo C, com filmes B. Mas, para nós, era o luxo descido à terra do Viradouro no início da Garganta onde, em baixo, havia um colégio de padres que coroava Nossa Senhora em todo maio e nós, ali perdidas neste mundo fascinante de pecado dos filmes, éramos os anjinhos da coroação.

Caso os papais e mamães deixassem, o carro da família nos levaria até o cinema Mandaro, no Largo do Marrom: era o “chumbinho”, um crysler antiqüíssimo apelidado assim. E isto era sempre certo na quaresma quando passavam "Os Dez Mandamentos" com Charlton Heston ou a "Vida e Paixão de Jesus Cristo".

Este foi o meu cinema Paradiso. O cinema do Viradouro, que nem nome tinha, onde cavalgávamos pelo velho oeste com Roy Rogers e Tom Mix, e pelo infinito na carrepeta de Flash Gordon. O Flash Gordon que foi musicado pelo Queen, não possuía a magia daqueles seriados intermináveis a que assistíamos aos fins de semana. E o único filme que papai não nos deixou ver, apesar de todas as lágrimas do mundo, foi Limelight, do Charles Chaplin, por questões de supertições, já que julgava ser o filme de mau agouro. Dois amigos seus que o assistiram, perderam alguém da família imediatamente.

Mais tarde inauguraram o Cinema Imperator, no Meyer, no Rio, e minha tia Débora me levou para ver o “Príncipe e o Mendigo” em Cinemascope. Este sim foi o primeiro filme de verdade. Sinal de que eu já estava uma mocinha.

Creio que todos nós podemos contar sobre os nossos Cinemas Paradisos (Cinema Paradiso é um filme de Ettore Scola), mas como a Sonja, ninguém, porque, como leram no penúltimo senhora do tempo o avô dela era o dono do cinema da cidade.

A esta época surgiu a Televisão, os primeiros aparelhos, caixas enormes fulguravam em lugar de destaque nas salas. Depois que íamos dormir a televisão era ligada para os pais. Podíamos ver até surgir o indiozinho curumim símbolo da TV Tupi. Depois, cama. Papai estava esquecendo até de cantar para nós como fazia todas as noites. Mamãe nos cobria e ficava entre a porta que dava para dois quartos nos observado enquanto tentávamos dormir. Eita dificuldade! O mundo povoando a sala , cheio de novidades e nós tendo de fechar os olhos.

Uma noite eu e minha irmã Vera, -sua xará, Veríssima- pé ante pé conseguimos chegar até atrás do sofá onde nossos pais estavam sentados. Na tela Jacy Campos apresentava "Notícias de Além Túmulo". O clima da tela era uma claro escuro sinistro. Quando um velho de barbas compridas e desgrenhadas saiu de dentro do espelho para pegar a jovem que nele se olhava Vera e eu demos o maior grito do mundo.
Papai e mamãe pularam assustados e viram as duas filhas desobedientes, com o rosto coberto pelas mãos , tremendo feito vara verde, aos prantos. Depois do consolo, veio a decisão: estão proibidas de ir ao cinema.
Mamãe, como sempre nestes críticos momentos servia-nos um copo de leite morno e afagava nossa cabeça. Depois que papai demonstrou toda sua decepção ela lhe disse com carinho; ora, Tonio, o castigo está muito pesado para uma tutaméia. Elas não farão isto novamente, não é meninas?
E nos levou em seus braços para cama de onde, depois de tanto susto, sabíamos que nunca mais fugiríamos.

Mamãe garantiu nosso Cinema Paradiso, e garantia sempre. Só não pode abrandar a proibição de ver Luzes da Ribalta de Charlie Chaplin, mas nos ajudou a suportar a gozação das amigas que iam e voltavam morrendo de dor com a história do filme.
Bem, já contei minha parte, que a Vera, assim como a Isaak Dinensen é grande contadora de histórias, nos conte outra.
Rede Tupi

índio curumim, primeira vinheta da tv tupi


Tom Mix


Durango Kid


Roy Rogers


Flah Gordon de 1936


Limelight