domingo, 19 de fevereiro de 2012

SENHORA DO TEMPO - HOMO COLLECTOR - CATANDO FRUTINHOS

Vera Guimarães










Dia desses encontrei quatro jenipapos debaixo da linda árvore. Lá estavam eles do jeito que deviam estar: castanho-acinzentados, meio enrugados, esborrachados. É assim que a gente os pega. No chão. Não é apanhando, cutucando, subindo na árvore. Têm que estar maduros e caírem... de maduros. São bem feios. Mas têm um gosto especial, diferente, meio alcoólico. A típica fruta de se catar.                    

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Quando eu era menina, nas fazendas, ou mesmo na cidade ainda não totalmente urbanizada, andávamos por pastos, estradinhas, riachos, cercas, campos e trilhas, e qualquer saída de casa nos colocava em contato com frutinhos variados, que catávamos com prazer e comíamos com deleite. Deleite? Nem sempre. Alguns desses frutinhos eram francamente desagradáveis ao paladar e outros simplesmente bobinhos. Nada nos desencorajava de nos aventurarmos no cerrado, subir numa árvore alta, galgar uma cerca em busca do cobiçado fruto. Aliás, nem sempre eram frutos, também havia talos, sementes, flores. Íamos atrás de qualquer coisa comestível. Nem era nada necessário ou nutritivo ou especialmente saboroso, parece que o que importava era mesmo o prazer de descobrir e colher algo diferente do que havia na horta ou no pomar.


No tempo das chuvas, novembro a janeiro, era época de catar o pequi. Aqui cabe a ressalva de que o pequi não se enquadra na categoria de não nutritivo ou não saboroso. Há pouco tempo escandalizei amigas não versadas na roeção de pequi ao enfrentar pratada monumental de caroços cozidos da fruta: a gente os pega e os vai delicadamente roendo. Roendo, nem mordendo nem mastigando. Quando fiz algumas aulas de ilustração botânica, um dos meus modelos foi um ramo de Caryocar brasiliensis. Catar pequi é uma atividade coletiva, saíamos aos bandos de mulheres e crianças para a aventura. Curvados sob um pequizeiro, nos dedicávamos a encontrar os frutos caídos e misturados e às vezes escondidos na folharada. Eram levados para casa ainda na casca verde e só na hora de cozinhar é que se cortava aquela polpa e se retirava o caroço amarelinho.



Nem sempre catávamos frutos substanciosos, como o pequi ou o jenipapo. Sentados perto de casa, conversando, pegávamos, por puro desfastio ou para fazer charme, talos de grama, puxando a haste com cuidado, até que se soltasse e revelasse aquele finalzinho tenro, verde-clarinho, que mastigávamos. Gosto de nada. Comíamos as folhas, a bananinha e os talos azedinhos de trevos rasteiros. Enrolada nas cercas, encontrávamos a rama do melão-de-são-caetano, uma frutinha amarela que se abria ao sol e nos revelava sementes vermelhinhas. Mais beleza que gostosura. Cagaita já desarranjou muito intestino. Jatobá, aquele fruto seco, esfarinhento, parecendo um giz amarelo, já entalou uma de minhas irmãs. Os araticuns chegavam em casa como um troféu. Não me lembro de haver pego um sequer. Flores de hibisco, daquela variedade enroladinha, despregadas do talo, eram suprimento de aguinha doce, que certamente estávamos roubando de pássaros e insetos. Dependendo da variedade, atacávamos os coquinhos com as unhas, com os dentes ou com uma pedra. De alguns chupávamos a polpa, de outros comíamos a semente. Na beira de algum córrego se debruçavam as ramas e as favas do ingá, de onde tirávamos as bagas aveludadas e adocicadas.


O camará ou cambará, depois de seca a flor, produzia um cacho de frutinhos esféricos verdes que, ao se tornarem azuis quase pretos, estavam no ponto de serem comidos. Mais uma bobagem comestível. Outro arbustinho produzia uma espiga de frutinhos rosa, apropriadamente chamada de milho-de-grilo, ou, em mineirês, miidigrilo. E mais colhíamos: araçás, goiabinhas, cajuzinhos, pêssegos verdes, cana...



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Até parece que tínhamos compulsão por coletar. O que me fez perguntar a alguns amigos se, na evolução da espécie, existiu um HOMO COLLECTOR. Aqui está a resposta da Fal:

“Vera, tio Stringer nos ensina que todo homem é Homo sapiens. O que vinha antes era uma macaco peludim e fofo, talvez um pouco parecido com meu primo, mas NÃO era homem. Não era gente (dai depois de catorze vódecas, quando você chega no fio e fala "Cara, vc é muito gente", errada você não está). Homo é o gênero, sapiens é a espécie. Aliás, sapiens é a única espécie, vai vendo. Até existiram outras espécies de Homo, mas tão tudo extinta ( Australopithecus? Extintos. A. afarensis? Baubau. A. africanus? Sifu.), procêver. Então, que os fio foram vindo.

Primeiro um fio chamado Homo habilis. Coisa pouca, tipo uns dois milhões e meio de anos atrás. Na África. Ele chama Habilis pq ele sabia fazer ferramentas e tal. Tipo. Tivesse um aqui, essas prateleiras tava tudo pendurada, certeza.

Dai vem o Homo ergaster. África do Sul. Diz que foi o premero bonito que saiu da mama africa. Pensa num fio corajoso, vera. Se fosse eu, a gente tava lá té hoje, só te digo isso. Eu não quero ir nem no mercado, imagina pra Ásia. A nado.

Dai vem o Homo erectus. Gato. Mas de um milhão de anos atrás, velho demais pra mim.

Quer dizer. Ásia, África, Europa. Necas na América, bandivagabundo (tu se ligou que até hoje não tem muito homem erectus por essas bandas, fia?? Arqueologia explica tudo). Dai vem o Homo ergaster. Tem paleoantropólogos que só qué chamar de erectus os fios achados na Ásia, mas eu sou contra. Porra, meu homo eu quero erectus. blog da historia

H. heidelbergensis. Tipo 800 mil anos atrás. Depois H. floresiensis, cabô 12 mil anos atrás, e
meu favorito, o Homo sapiens neanderthalensis. Ele foi Homo ou ele foi uma espécie separada??? Então. O dna, esse safadinho, diz que era uma espécie separada. Não faz mal, pq eu não gosto da minha família mesmo.

E aí, só aí, nóis. Homo sapiens. Esses caras ai de cima, todos eles menos o neandertalzim, foram nossos tios.

Antes mesmo de aprendermos a vestir nossas cuecas, éramos coletores. Mas não teve (bom até agora eu não achei) um homo colector. Nós éramos (somos) coletores, mas a nível de homo, somos Homo sapiens e só. Sem piadas, por favor.

Mas aguarde. Pedrão, a meu pedido, foi mexer nos livros de palentologinha do meu velho.”

Ahá! Estavam achando que era só uma croniquinha sobre frutinhas, graminhas, matinhos? Gostaram da aula de Paleontologia da tia Fal?