Por Vera Guimarães
Hoje esta senhora do tempo destaca alguns de seus parentes que muito fizeram e fazem pela preservação da história da família. Há os que contam casos, os que fazem festas e reuniões, aqueles que emprestam seus sítios, os que convidam para suas casas, os que fazem rir com casos saborosos envolvendo antepassados, os que transmitem receitas culinárias, os que transportam parentes em visita a outros, os que enviam cartões em datas importantes, os que guardam na memória o dia do aniversário de muitos, os que se esforçam para destrinchar a genealogia, os que sabem o nome de todos, os que rezam pelos outros, os que proveem recursos materiais aos que precisam.
Uma dessas pessoas foi nossa irmã Zila, que já se foi deste mundo, autora do livro PROSA NA VARANDA, (fig. 1) registro de conversas dela com nossa mãe e nosso pai e muitas outras pessoas da família, do que resultou valioso patrimônio imaterial, que mostra como se vivia, quem éramos, o que pensavam e como agiam nossos antepassados e seus contemporâneos.
Aqui ela reproduz relato de nossa mãe sobre bodas de ouro de um casal de tios, festa que aconteceu em fazenda-cenário de toda nossa vida.
“Agora vamos às Bodas de Ouro do casal, que na época morava na Vargem Alegre. Mas a festança foi no Olhos d´Água, onde morava a filha deles, Sá Mariquinha, que era casada com Sô Gandini, italiano que veio fazer a ponte antiga sobre o Rio das Velhas, em Traíras. Por ali ficou, casou e tiveram muitos filhos, Como no sobrado deles tinha luz elétrica, mais conforto, salão de festas, de refeição, com mesa e bancos enormes, terreiro na frente e nos fundos, ficou acertada a festa. Tudo foi muito bonito, foram pessoas de vários lugares, inclusive o fotógrafo de Belo Horizonte, o Higino Bonfiglioli, que tirou muitos retratos der famílias dali, inclusive da nossa. A capela não cabia o povo todo, mas as casuarinas davam sombra, como as outras árvores que enfeitavam a frente do sobrado. O celebrante foi Padre Castanheira, de Portugal, que foi para Traíras e assistia toda a região. De sábado para domingo, teve um baile de arromba no salão de cima, coisa chique, e no outro dia teve festa o dia todo, comida, mesa de doces, mesa de café, leite e quitandas, o que deve ter gasto muita gente ali fazendo. E os preparos das carnes, que não arrumaram num dia só? A vaca que mataram chamava Espanhola. Ela foi para o Riachão, para engordar, e voltou de lá roliça. Fez um farturão. Não sei se teve batuque, mas deve ter tido, pois todo mundo por ali gostava. Tiraram um retrato que é uma beleza, de um tanto de cavaleiros encarrilhados, no terreiro da frente. Quase ninguém tinha outra condução a não ser cavalo ou carro de boi. Lembro que chegaram na Vargem Nova todos da família de Nhô Luis e Lendá, muitas filhas deles. Lembro delas sentadas no caixão da cozinha, aqueles altos, de madeira, com tampas de suspender e que eram para guardar mantimentos ou roupas de cama. Uns falavam tulha e hoje é arca. Aí eu era moça de namorar. Acho que elas ficavam ali esperando o almoço. Usava jantar todos na cozinha e conversar ali, à vontade.”
Pois, então, este foi um dos muitos enredos descritos no livro PROSA NA VARANDA, de nossa irmã Zila, que, assim, garantiu parte da preservação do patrimônio imaterial da família.
O cenário de tantos eventos significativos de nossa família foi esse casarão. Nele aconteceu a festa de bodas de ouro descrita acima e muitos outros encontros.
Durante muito tempo, desde que me lembro, frequentei essa fazenda, que, na minha infância, pertencia à família de querida prima, que nos acolhia com carinho, quitandas e jabuticabas sem fim.
A fazenda com suas jabuticabas sem fim Hoje, o casarão em reforma |
Hoje, adquirida e preservada por um sobrinho, se firma como mais um marco concreto de nossas lembranças. A todos esses parentes que conservam suas casas, esse patrimônio material da família, nosso reconhecimento e nossa homenagem.