sábado, 11 de agosto de 2012

LEVE-ME AO SEU LÍDER - CIÊNCIA X FICÇÃO CIENTÍFICA

Carlos Frederico Abreu



Por estes dias, assistindo a abertura das Olimpíadas de Londres, ficamos todos maravilhados com a impressionante representação da chegada da era industrial na pacata Inglaterra agrícola.

O impacto da mecanização de processos simples e o domínio do uso de matérias primas transformadoras como o ferro, não surgiram por acaso, mas foram consequência de um longo e demorado processo batizado de Revolução Científica.

Sem ela a história da civilização ocidental moderna seria outra. A física que estudamos no colégio não existiria sem o método científico de Galileu e suas observações astronômicas, por exemplo.

Mas o que a descoberta dos satélites de Jupiter tem a ver com a Ficção Científica (FC)?

Galileo Galilei, físico, astrônomo e professor de matemática, contribuiu muito para a tradição da obra literária. Motivado por sua sede por conhecimento, ele descortinou um novo mundo. São inúmeras as passagens em seus escritos em que descreve uma de suas maiores paixões: A lua. Não a lua ancestral, das lendas, ou a dos românticos, e sim a lua tal qual conhecemos hoje, satélite da Terra.




Primavera de 1610. A primeira vez que a lua foi tratada como um objeto real para a humanidade. Mesmo assim, o estilo de Galileo estava impregnado de um estado encantado de suspensão, ou o que a crítica de FC chama de sentimento de espanto ou admiração.
Isso aconteceu porque a lua, o mais próximo e mais significativo dos outros mundos do espaço, tornara-se algo observável em detalhes, graças ao aperfeiçoamento do telescópio, eito pelo próprio Galileu, que pôde assim medir o comprimento das sombras das montanhas e das crateras da Lua, criando uma visão tridimensional da sua topografia.

Uma vez sendo tangível, e usando de uma analogia com a Terra, por que não cogitar a existência de seres vivos morando por lá?

Muito antes da NASA, Galileu e seus contemporâneos fomentaram a discussão sobre a pluralidade de mundos e da existência de vida extraterrestre, e influenciaram diretamente dois dos primeiros fantasistas sobre a vida em outros mundos, Tommaso Campanella (um frade utopista) e Johannes Kepler (que pode ser considerado como o primeiro escritor de ficção científica).

Campanella escreveu 'Apologia pro Galileo' (1622) defendendo a liberdade do pensamento, argumentando que os extraterrestres não seriam culpados do pecado original.

Kepler foi responsável, entre outras coisas, por 'Conversation with Galileo’s Sideral Messenger' (1610) em que afirma que se Júpiter tem luas, então deveria ser habitado, e que se de fato seus vales e montanhas são maiores do que na Terra, significava que seus habitantes seriam igualmente colossais.

É claro que tudo isso parece hoje sem sentido e até risível, mas não podemos subestimar o impacto destes trabalhos no imaginário do século 17.


A hipótese de vida fora da Terra teve enorme efeito tanto nas pretensões humanas como na discussão religiosa. Na Idade média, os planetas eram culpados de questões terrenas. Saturno por exemplo era o planeta da melancolia e Mercúrio alterava o humor dos homens.

O inglês Robert Burton, psicanalista-clérico do século XVII, em sua 'Anatomia da Melancolia', expos uma preocupação legitima da época (e que o escritor de FC, H.G. Wells, utilizaria em seu livro 'Guerra dos mundos', quase 300 anos depois)

"Mas quem morará nestes mundos se estes forem habitados? Somos nós ou serão eles os Senhores do Mundo?"

Podemos ver que a boa e velha paranoia já gargalhava de nós, pobres terráqueos imperialistas, preocupados com um possível e hostil, Primeiro Contato.

Não existe conhecimento desinteressado, ele é sempre um ato potencialmente político, como testemunha a própria luta do racionalismo de Galileu contra a Igreja.

Decerto a FC existe por conta deste sentimento de aflição frente ao desconhecido.

Mas a ficção tem um propósito muito diferente daquele proporcionado por Galileu com seu mapeamento da topografia lunar. Ela fornece a alienação cognitiva que mais satisfaz nosso desejo para entender algo além dos dados fornecidos pela NASA, que promete descoberta racional, mas não os frutos da revelação religiosa ou mística, enfim, a lacuna irredutível entre os novos mundos descobertos pela ciência e os mundos imaginários da FC.


(A partir do ótimo livro de Patrick Parrinder, 'Aprendendo com outros mundos')