*Marco Antonio Santos Leite
Introdução
A
cada dia, cresce, no Ocidente, o interesse pelas práticas meditativas, tanto
nas pessoas em geral, como nos cientistas das mais variadas áreas de
conhecimento. Esses últimos têm buscado compreender os efeitos da meditação,
seja sobre o psiquismo humano, seja sobre as estruturas cerebrais. As primeiras
empreendem tais práticas com os mais diversos objetivos, entre eles, a
facilitação de conquistas materiais, a recuperação ou a melhoria da saúde
física ou mental, a busca do equilíbrio e da serenidade, o crescimento
espiritual, só para mencionar os mais freqüentes.
Algum tipo de meditação é, normalmente, preconizado pelas religiões. Entretanto, ela desperta a atenção, não só dos fiéis, mas, também, de não crentes, comprometidos com o cultivo de alguma forma de espiritualidade. Diante dessas realidades, não é de se admirar que surjam as mais diversas formas e métodos de práticas meditativas. Nesse contexto, abarcar todas elas num artigo, ou mesmo, num livro, seria correr o risco de ser incompleto ou parcial.
Outra atitude, essa completamente equivocada, seria apontar a melhor forma ou o método mais correto. A cada um, em cada fase da vida, uma meditação. Por isso escolhi escrever sobre aquela que pratico há alguns anos: o Zazen.
O Zazen (Estilo
Zen-budista de meditação)
A palavra zen originou-se nas línguas faladas, na Índia, há cerca de 2 600 anos. Era “Dhyana” ou “Jhana”. Passou para a China como “Chan” e chegou ao Japão como “Zen”. Refere-se à prática de yogues, vedantas e religiosos budistas. Historicamente, o Zen budismo teria tido sua fonte no próprio Buda Xaquiamuni, em ocasiões em que ele se conectou, de modo direto, mente a mente, com alguns de seus discípulos, especialmente com Mahakashiapa: significava, então, uma conexão mente a mente, além das palavras e dos conceitos. Em japonês, “zá” significa sentar-se. Daí, “zazen” poderia significar “sentar-se em zen”.
“Meditação” não é uma tradução muito exata para “zazen”. Meditar é um verbo transitivo, exige um objeto: meditar em algo ou sobre algo. Não é assim que as coisas se passam no zazen. Não há um “em que” ou “sobre o que”.
Para Começar
1. Escolha um lugar e um horário
O lugar deve ser tranqüilo, não muito quente
nem muito frio. Não deve ser muito barulhento, nem muito quieto - com o tempo,
você vai perceber que os barulhos “de dentro”, como o tagarelar da mente,
incomodam muito mais que os barulhos de fora. É importante que haja alguma
iluminação: praticar no escuro induz ao sono e dá asas à imaginação. É interessante sentar-se virado para uma parede,
a mais ou menos um metro e meio ou dois metros dela. A parede não deve conter
algo que possa chamar sua atenção.
É fundamental que você escolha um horário. Com
o tempo, o corpo se acostuma e, quando chega o momento do zazen, ele já se vai
preparando. Se, em algum dia, não der para fazer na hora escolhida, tudo bem:
faça quando for possível- melhor que não fazer.
Na escolha, experimente até encontrar a parte do dia que lhe for mais
cômoda. Bem cedinho, por exemplo, o telefone não toca e a visita não chega.
Então, a probabilidade de você ser interrompido costuma ser menor.
Se você vai praticar sozinho, marque o tempo
por meio de um despertador ou algo semelhante. Assim, não se preocupará com a
hora de terminar. Não cederá também às armadilhas do tempo psicológico: 20
minutos, por exemplo, às vezes passam como se fossem 5, às vezes, como se
fossem 60.
Para iniciar, 15 ou 20 minutos por dia serão
suficientes. O importante é que você se sinta confortável com o período de
tempo que escolher. Quando se acostumar, poderá aumentar o tempo de zazen,
gradativamente, para 30, 40 ou 50 minutos. Mas, atenção: não se trata de bater
recordes e, muito menos, de fazer penitência. Só aumente o tempo no limite de
seu conforto.
2.
Sente-se.
Existem várias posições de se sentar. Você
poderá utilizar uma almofada redonda, tradicional - chamada zafu, em japonês -
com, aproximadamente 20 centímetros de altura, com um enchimento não muito
macio. Poderá também usar um banquinho tradicional de meditação. Vale ainda um
banco ou uma cadeira comuns, desde que eles não tenham braços, nem possuam
assento excessivamente macio. O objetivo de o assento ser firme é dar mais
estabilidade ao praticante.
A almofada deverá ser colocada sobre uma
superfície macia, como um colchonete, um tatami ou mesmo um cobertor dobrado,
que será a base e irá apoiar e dar conforto aos joelhos e às pernas.
Usando a almofada, você pode tentar a posição
de lotus completo: o pé direito apoiado sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo
apoiado sobre a coxa direita. Pode, ainda, sentar-se em meio lotus: perna
direita dobrada, o pé direito tocando a almofada, e o pé esquerdo sobre a coxa
direita. Pode ainda usar a posição birmanesa: nesse caso, as pernas não ficam
cruzadas mas repousam paralelas sobre o colchonete.
Em todos os casos, os joelhos ficam apoiados
na base, formando, com as nádegas, um
triângulo de apoio que confere
estabilidade à postura.
Usando
a almofada, você pode também ajoelhar-se, colocar a almofada entre as pernas e
apoiar as nádegas sobre ela.
Para
utilizar o banquinho de meditação (shoggi), ajoelhe-se sobre a base e o coloque
apoiando as nádegas.
Na cadeira sem braços, simplesmente se sente.
Em qualquer caso, é de suma importância que a coluna fique bem reta, sem ficar
tensa. Para conseguir isso, depois de sentar-se, faça, com a coluna, pequenos
círculos, que vão se estreitando, até que você sinta que encontrou o centro.
Mantendo a coluna cervical reta, em prolongamento à lombar, afunde ligeiramente
o queixo, em direção ao pescoço. O nariz estará em linha com o umbigo, e as
orelhas, com os ombros. Os braços ficam paralelos ao tronco. Imagine que você
está segurando um ovo em cada axila. Se os braços se distanciarem muito do
corpo, o ovo cai. Se se aproximarem em demasia, quebrarão o ovo.
As mãos farão o mudra cósmico: os quatro dedos
da mão esquerda ficam sobre os da direita. Os polegares se tocando levemente,
numa posição que forme, com os outros quatro dedos, uma bela elipse. Os
antebraços se acomodarão para que os polegares fiquem, mais ou menos, na altura
do umbigo. Os dedos mínimos e as respectivas faces de ambas as mãos poderão
apoiar-se levemente no abdômen. Faça uma pequena rotação com os ombros para
trás. Pode, então, apoiar o dorso da mão direita sobre os pés ou sobre as coxas.
Posicione
a língua no céu da boca, de forma que sua ponta toque, levemente, a raiz dos
dentes superiores. A boca permanecerá, se possível, fechada, e a respiração
será feita pelo nariz.
Ao
terminar o tempo de zazen, faça, com a coluna, pequenos círculos, que vão
ampliando seu raio. Faça de oito a dez círculos. Isso ajudará a normalizar a
circulação, evitando câimbras ou dormências.
3. A
respiração
O pulmão possui uma superfície interna de cerca de setenta metros, ao passo que a superfície da pele alcança cerca de dois metros e meio. Ele é, portanto, o grande órgão de contato. Ao inspirar, recebemos a vida. Abrimo-nos, então, às coisas, aceitando-as do jeito que elas são. Ao expirar, desapegamo-nos do ar, que enche nossos pulmões, e o devolvemos ao universo, para que o purifique e enriqueça, tornando-o, novamente, utilizável, para os propósitos vitais. Inspirar e expirar: aceitação e desapego. É esse movimento rítmico que nos mantém vivos.
Após colocar-se na postura escolhida, você vai
se ocupar da respiração. O diafragma é o responsável pelo movimento de fole dos
pulmões. Por isso, você vai se concentrar nele, num primeiro momento, tentando
manter a respiração diafragmática. Na inspiração, o diafragma se estende, abrindo
os pulmões e permitindo que o ar entre. Na expiração, ele se contrai,
esvaziando-os. Conseguido o processo de respiração diafragmática, deixe que seu
corpo tome conta dele.
Uma boa técnica, para quem está iniciando, é
começar com a contagem das expirações. Conte suas expirações, mentalmente, até
à décima. Recomece, então, a contagem no um e vá até o dez. Proceda assim,
sucessivamente, até o fim do tempo que você escolheu para praticar.
4. Corpo
sentado e mente sentada
Praticar o zazen não é esvaziar a mente de
pensamentos, imagens, sentimentos, ou sensações. É, antes de tudo, manter o desapego, em
relação a eles. Deixe as duas portas da mente abertas: a de entrada e a de
saída. Permita que quaisquer pensamentos, sentimentos e sensações entrem e
saiam, à vontade: mesmo os mais horrorosos! Não evite nada, não se agarre a
nada. Coloque-se como um espectador do fluxo de seus conteúdos mentais. Como
alguém que, assentado à margem de um rio, vê os barcos passarem, sem, porém
embarcar em nenhum deles, assim você se posicionará com respeito a esses
conteúdos.
Procure fazer isso, sem se esforçar: muito
esforço poderá trazer resultado contrário ao desejado: os pensamentos crescerão
de tal forma que será muito difícil deixá-los, simplesmente, passar.
Entretanto, às vezes, um pensamento, imagem, sentimento ou sensação vai pegar
você de jeito, seduzi-lo (seduzi-la), levá-lo (levá-la) para longe. As
indicações mais claras de que isso aconteceu são a perda da contagem ou da
postura. Muitas vezes você perde a contagem no quatro ou até no três. Outras
vezes, a coloca no automático e se percebe contando 16 ou 20.
Quando isso acontecer, nenhum drama: recomece a contagem no um.
Pode ocorrer, também, a perda da postura: o
mais comum é você inclinar o tronco para frente. Quando perceber isso, sem
drama: Faça os pequenos círculos com a coluna, reencontre seu centro e continue
a prática.
Quantas vezes ocorrerem a perda da contagem ou
da postura, durante um período de zazen, simplesmente, as retome, sem se
preocupar muito com o fato. Na verdade, ele não quer dizer absolutamente nada.
Haverá dias em que o fluxo de conteúdos
mentais terá o aspecto de um rio cheio de corredeiras. Em outros, parecerá um
riacho remansoso: nenhum problema. É só deixá-los entrar e deixá-los sair.
5. Para uma viagem tranqüila
5.1.Às vezes, as pessoas fazem o zazen com
determinados objetivos. Alguns querem melhorar a saúde física, outros, a
mental, outros, ainda, pretendem aprofundar a vivência de sua própria opção
religiosa. Não há problema nenhum nisso, e, freqüentemente, elas obtém
melhorias nesses setores.
Entretanto, isso ainda não é a prática mais
autêntica. Essa última não se propõe metas ou objetivos a serem alcançados:
nela estamos diante da prática pela prática: é o sentar-se pelo sentar, simplesmente,
porque não há coisa melhor a fazer. Isso é tudo o que temos: não há outro
caminho.
Fazer o zazen com determinado objetivo tem
alguns inconvenientes.
Em primeiro lugar, a ânsia por alcançar a
meta gera tensão que compromete todo o trabalho. Veremos, em ação, a lei do
esforço reverso: quanto mais se esforça em direção a determinado ponto, mais se
distancia dele.
Em segundo lugar, sentar-se dessa forma
reforça o ego, fazendo com que ele se infle a cada dificuldade que pensamos ter
vencido. Ego inflado, sofrimento duplicado: isso é, exatamente, o que não
queremos.
5.2. Nunca
avalie sua prática: você não tem condições de fazê-lo. Dizer que, em determinado
dia, ela foi boa ou ruim, constitui uma tentação constante. Fuja dela: você
sempre fez o melhor que poderia, dadas as condições presentes. Muito conteúdo
mental, pouco conteúdo mental, perder a contagem muitas vezes, perder a
contagem poucas vezes, ter que retomar a postura muitas vezes ou poucas, nada
disso importa. Pior ainda é tentar comparar sua prática de hoje com a de ontem
ou com a de dez anos atrás. Fazendo assim, você não obterá nenhuma informação
confiável e, em acréscimo, ou colherá desestímulo para continuar no caminho, ou
mais inflação de ego. A cada sentar-se você é um principiante.
5.3. No zazen,
nada especial, nada sagrado, mérito nenhum. O tempo dedicado a ele é um pedaço
comum de seu dia, e como tal, deve inserir-se entre as atividades diárias:
todas elas são especiais e sagradas;
nenhuma delas é especial ou sagrada, inclusive o sentar-se.
Da mesma forma, o praticante deve evitar a
tentação de considerar-se especial: a mais comum das pessoas, sujeitas a tudo
que um ser humano qualquer está sujeito, nem mais, nem menos, essa é uma
descrição fiel do meditador.
Fuja,
sobretudo, da mentalidade aquisitiva, que preza a acumulação, o desempenho, os
recordes, que busca a aprovação social.
5.4. Se você
sente muito cansaço - não é um cansaçozinho qualquer - não se sente. Um bom
sono lhe fará bem.
Se você estiver com a cabeça cheia de
preocupações, com raiva, com tristeza, ou outro sentimento que o incomode,
sente-se assim mesmo. Pratique com tudo que você está sendo, em cada momento. O
universo inteiro estará praticando junto com você.
Se você tomou algum medicamento que altera seu
estado de ânimo, ou ingeriu bebida alcoólica, deixe a prática para amanhã.
Por último: preste atenção plena ao seu zazen
de cada dia. O que resultará dessa atenção será mais instrutivo que ler dez mil
páginas.
*Marco Antônio Santos Leite
Praticante de Zazen
Terapeuta Prânico