Esther Lucio Bittencourt
Vista de Baependi. Foto conseguida por volta de 1800- Foto google
O final de semana - dias 6 e 7 de dezembro de 2003 - marcou o resgate histórico e musical da obra de Francisco Raposo (1845-1905), maestro baependiano que viveu no século XIX e que foi condecorado pelo Imperador D. Pedro II.
O projeto foi uma realização da Fundação Baependiana de Educação, Ecologia e Cultura/FUNBEC, aprovado pela Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, através da Lei de Incentivo à Cultura, patrocinado pela CEMIG e executado na Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (ESMU/UEMG).
Pesquisa revela grandiosidade da obra
Partindo de uma pesquisa sobre os nomes das ruas de Baependi (localizada no sul de Minas Gerais), a pesquisadora Maria José Turri Nicoliello chegou à Travessa Maestro F. Raposo. A continuação da pesquisa, iniciada em 1996, a levou a uma antiga publicação da Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais intitulada Minas Gerais em 1925, onde figurava uma pequena biografia do maestro.
O aprofundamento da pesquisa e algumas entrevistas revelaram ainda mais as faces de Francisco Raposo: compositor, violinista, professor de piano, regente e tenor (Raposo era conhecido como ‘Sabiá Mineiro’).
Em 1996, três integrantes da FUNBEC, Maria Aparecida Lopes, Dinorá Miacci e Maria do Carmo Nicoliello Pinho, ao fazer o resgate das partituras do acervo da Corporação Musical Carlos Gomes (Baependi, 1892), encontraram as partituras de Francisco Raposo e trouxeram à luz do conhecimento a obra até então ignorada desse artista mineiro.
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“A partir daí, aos registros documentais foram sendo acrescidas informações vindas de pesquisas em arquivos públicos, cartórios, bibliotecas, museus e ainda por meio de entrevistas e registros de lembranças pessoais de descendentes”, conta Maria José.
A pesquisa revelou que Francisco Raposo exerceu a profissão de músico em cidades do sul de Minas, do Vale do Paraíba Fluminense e na Corte do Rio de Janeiro, chegando a cantar na Capela Imperial para Dom Pedro II.
cantá-los. Isso despertou a atenção da mídia e propiciou a elaboração do projeto A FUNBEC chamou a si a tarefa de fazer sua música audível e conhecida por todos; para isso contou com o maestro Márcio Mangia, que fez a revisão de duas peças musicais, a Visitação de Dores e Kyrie, e com o Coral Montserrat , que a ela pertence, paracultural.
O mineiro que encantou o Império
O primeiro contato de Francisco Raposo com a família imperial foi em 1868, quando foi cantado um Te Deum (hino litúrgico cantando em solenidades religiosas) para a Princesa Isabel e o Conde D’eu, que estiveram em visita a Baependi.
No ano seguinte, Raposo apresentou a composição de sua autoria - Hino aos Mineiros - na abertura da Exposição Mineira União e Indústria de Juiz de Fora, que contou com a presença do Imperador D. Pedro II. O ‘Sabiá Mineiro’ ganhou visibilidade e reconhecimento, que o levaram à Corte.
“A trajetória de Raposo foi, sem dúvida, a de um artista itinerante. Viajava, atendendo a convites para apresentações em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, apresentando-se como tenor. Além de cantor, era exímio violinista e excelente professor de piano”, diz a pesquisadora Maria José.
O tenor ganha a Corte
Francisco Raposo teve a oportunidade de cantar na Capela da Imperial Irmandade de N. S. da Glória do Outeiro - a Capela Imperial, que até hoje é freqüentada pela alta sociedade carioca.
Na comemoração de um dos aniversários da Coroação, Francisco Raposo cantou na Capela Imperial para o imperador D. Pedro II, tendo sido agraciado por sua majestade com uma medalha de prata.
“Naturalmente, essas solenidades religiosas eram revestidas da pompa que exigia a ocasião e as missas, em geral, eram em Ação de Graças, onde cantava-se o Te Deum solene”, revela Maria José.
Em outra oportunidade, Raposo teria se apresentado ao violino em duo com Reichert, flautista belga trazido ao Brasil pelo imperador.
Consta que em uma de suas apresentações ao monarca, Raposo recebeu uma batuta de ouro (da qual não se sabe o paradeiro) das mãos de D. Pedro.
As fazendas de café e a música
A elite cafeeira do Brasil imperial mantinha em suas fazendas o polido hábito de promover saraus. “Não raro, contratavam professores de piano para os filhos, encomendavam obras sacras de devoção, além de realizar bailes em que se ouviam valsas e quadrilhas executadas por músicos escravos.
Alguns fazendeiros chegaram a formar suas próprias bandas de música”, conta Maria José Turri Nicoliello. Foi o que aconteceu com Francisco Raposo que se tornou regente da banda da Fazenda Vista Alegre (Valença, RJ), pertencente ao português Visconde de Pimentel, que mantinha a Casa da Música onde também funcionava a Escola de Ingênuos, a primeira do Império brasileiro a alfabetizar escravos e crianças da região.
A família Raposo revelou à pesquisadora que por volta de 1886, quando residia em Barra do Piraí (RJ), o maestro teria se apresentado a D. Pedro II à frente de uma orquestra composta por negros escravos.
Nhá-Chica, Francisco Raposo e a música
Em 1877, Francisco Raposo, então organista da Capela da Conceição (Baependi), foi incumbido por Francisca de Paula de Jesus, a Nhá-Chica (conhecida por seus dons e milagres e que, por isto, foi Beatificada), de comprar um órgão para a Capela. O órgão de fole francês veio de trem do Rio de Janeiro até Barra do Piraí e chegou a Baependi transportado em carro-de-bois. O instrumento foi restaurado em 2002 e está na mesma igreja até hoje.
O lançamento do livro
Depois de sete anos de pesquisa, foi lançado nos dias 6 e 7 dezembro o livro A Vida, a Música e a Obra de Francisco Raposo.
foto google
A publicação reúne a pesquisa histórica e parte da obra musical de Raposo. Vale ressaltar que as 30 obras encontradas foram enviadas ao Centro de Pesquisa da ESMU/UEMG, em Belo Horizonte, para a digitalização e revisão musical. Esse trabalho levou cerca de dois anos para ser concluído e foi coordenado pelos musicólogos e maestros Márcio Miranda Pontes e Nelson Salomé de Oliveira.
A FUNBEC providenciou o lançamento do CD com as composições de Francisco Raposo. Foram encontradas 29 obras sacras, entre Missas, Marchas Fúnebres, Te Deuns e Ofícios de Semana Santa. A única obra profana achada é um Cateretê (dança de bate-pés e bate-mãos acompanhada de letra jocosa que faz sátira aos costumes sociais da época), cuja partitura autógrafa data de 1891, Valença (RJ).
Vide acima .
Baependi foi uma cidade importante nos séculos XVIII e XIX, não só na música, como também na produção agrícola e deu ao Brasil grandes figuras históricas. Sua origem remonta o final do século XVII, aproximadamente 1692, portanto ela está desde então, inserida no Caminho Velho da Estrada Real.
E neste momento de ativação turística deste trajeto nada melhor que o resgate de sua antiga história.