sábado, 7 de maio de 2011
84, CHARING CROSS
QUALQUER ANO EM MADRI
Ana Paula Medeiros
(todas as fotos são da autora do artigo)
DIA 1, domingo
Estou em Madri!
A parte ruim é que no sábado, dia de viajar, acordei com uma dor de garganta insuportável, gripe e dor no corpo, merda. Não dormi a viagem toda, nariz entupido e a secura do avião irritando ainda mais a garganta, apesar das pastilhas e sprays e xaropes todos que eu vim ingerindo. Achei o serviço de bordo da Tap maravilhoso, acho que eu tou é andando muito de Gol. Comida de verdade! Vinho! Talheres de metal! Uau, eu não sabia que ainda existia isso nas viagens aéreas.
A programação da televisãozinha deles é que tava ruim, nem um filminho que prestasse, pra distrair a insone dodói.
O D. veio de Ibéria, em outro vôo (quando eu resolvi que vinha com ele não tinha mais vaga no mesmo vôo) e deu uma cagada fenomenal. Pra começar, a fila do check-in tava gigantesca, e aí ele resolveu dar uma de joão-sem-braço, pegou o cartão de milhagem dele, da American Airlines, que é vagabundo e nem tem milha quase nenhuma, mas a companhia faz parte do mesmo grupo, e foi tentar o check-in na fila da executiva. Colou, e ele ainda teve direito a sala vip. Quem pode, pode.
Aí depois, por algum motivo, acho que overbooking, sei lá, ele já tava sentadinho na cadeira e tal, veio o comissário todo pressuroso e constrangido, pediu pra ver o cartão de embarque dele, murmurou umas coisas, consultou uma fulana e veio perguntar se ele se incomodaria muito de ceder aquele assento e ir na classe executiva. Se incomodaria???? Hellooou!?!? Não me acontece uma dessas!
Imigração. A minha foi em Lisboa, na troca de avião. Eu tava meio apreensiva, porque Portugal e Espanha andaram de novo mandando uns brasileiros de volta pra casa, e de fato tinha uma meia dúzia sentada fora da fila, com cara de quem se deu mal.
A fila estava quilométrica, levei mais de uma hora em pé. E fui vendo gente demorando minutos intermináveis diante do agente ali, desdobrando 25 papéis, dando explicações compridas e enroladas enquanto suava frio.
Chegou minha vez.
- O que a traz a Lisboa?
- Na verdade, estou em trânsito para Madrid
- A passeio?
- Sim
- Vai ficar quanto tempo?
- Uma semana.
- Boa viagem!
Pronto, a mulher mal olhou meu passaporte, carimbou e mandou a fila andar. 10 segundos.
Com a diferença de fuso, cheguei em Madrid já quase meio-dia. Eu queria deitar e dormir, mas o D. não deixou. Ele argumentou que me faria bem tomar um banho e andar um pouco, comer alguma coisa e deixar pra dormir de noite, senão o corpo demora mais a entrar no ritmo do novo horário. Foi o que fizemos. Um frio da porra.
Alguém me recomendou ir num tal Museo del Jamón. É do lado do hotel. E não é um museu (dãã), e sim uma lanchonete/delicatessen. Comemos lá, ainda por cima barato (pra preços europeus, bem entendido). Compramos também pão e presunto pra fazer um sanduíche agora à noite.
Tá tendo aquela Cow Parade por aqui também. Tirei fotos com as vacas aqui de perto. O Jardim Botânico estava fechado, vou tentar amanhã.
Dormi um bocado das 7 às 9 da noite, agora estou acordada (são 11:15 aqui agora). Lá fora faz uns 3 graus, mas aqui dentro a calefação faz parecer quase mais de 20, então eu tou ficando com calor e vou tirar a meia e a camiseta que tá embaixo do pijama.
Amanhã eu conto mais.
Bjs
DIA 2, segunda-feira
Amanheci melhor, praise the Lord.
E roxa de fome. E nem um pouco a fim de pagar 10 euros pelo café da manhã do hotel, que não está incluído na diária. Pra vocês terem noção, 1 euro = 3 reais. Não rola, né?
Hoje é segunda, então os museus estão fechados. Comprei um ticket-turista pra andar dois dias num onibusinho entrando e saindo a hora que eu quiser. Há duas rotas circulares, uma que percorre a parte mais histórica, e outra que eles chamam Madrid Moderno, e que passa por áreas mais novas da cidade,
uma expansão chique pro lado norte, meio parecida com La Defense em Paris.
Hoje eu acabei fazendo esse roteiro aí. Adiantando-me, explico logo que lá pela metade do dia eu já tinha tomado uma decisão, e estou contente com ela. É que antes de vir, eu olhei no mapa, e vi que havia várias cidadezinhas próximas que eu gostaria de visitar. Trajetos de 1 a 2 horas de trem, preço
bom, dava pra tirar dois ou 3 dias pra visitar esses lugares (e eu nem tou contando Toledo aí) e o que sobrasse devia dar pra eu ver Madrid. Mas não dá. A cidade é linda, encantadora, grande e tem atrações demais. Então eu deixei Toledo, que é um must-go total, na programação (vai ser sábado, porque o D. quer ir também), e talvez, só talvez, eu vá na sexta-feira a algum lugar como Salamanca ou Segóvia. Isso se até lá eu tiver visto e feito tudo o que eu quero em Madri. E tem coisa que não acaba mais. Achei melhor do que ficar só dois dias aqui e os outros 4 pipocando por aí, igual turista japonês. No final, você não sabe mais nem de onde são as fotos que bateu, e no fundo não viu e não se emocionou com nada. Então de hoje até quinta, vou ficar só respirando Madri, andando e reandando pelas mesmas calles e avenidas, fazendo comprinhas de padaria no mercadinho da esquina e tomando café com calma, enquanto faço anotações, pra lembrar de contar tudo depois.
Foi assim que começou o dia. Marido saiu pra trabalhar cedo (o lugar onde ele tá dando curso é longe, meia hora de trem, na verdade é outra cidade, satélite daqui), eu me arrumei com calma (blusa de malha de manga comprida fininha, uma camisa de lã xadrez grossona por cima, a pashmina no pescoço e um sobretudo bom por cima de tudo. Luvas no bolso (que eu precisei usar quase o tempo todo, porque estava freezing). Descobri, feliz, que comprei os sapatos perfeitos, não vou nem usar o tênis, vai ser meu mocassim preto todo santo dia. Leve, confortável, quente (e nem é forrado nem nada, mas a
meia de lã bastou), a gente nem sente o bicho no pé. De uma linha chamada usaflex, tou recomendando.
As coisas só abrem depois das 9, então antes disso eu apenas tomei café (Donkin Donuts. Uma péssima escolha, mas eu tava desmaiando de fome, o troço era aqui do lado) e fui ao mercadinho mais adiante. Comprei um sabonete (esses miudinhos de hotel são um saco pra tomar banho, e eu não trouxe de
casa), duas garrafinhas de vinho pra beber com marido de noite, pão, queijos, morangos enormes e deliciosos, yogurte, coca-cola (no frigobar do quarto, a latinha custa 3.50 euros - multiplica por 3 pra ver. No mercado era 85 cents.). Tudo junto deu 28 euros e eu tenho café da manhã e janta por uns 3 ou 4 dias. Ainda sobre preços. No geral, as coisas são mais caras do que no Brasil, e se a gente fica multiplicando tudo por 3 o tempo todo pra ver o equivalente, enlouquece. Tem que abstrair um pouco. Mas tem coisas que são MUITO mais baratas, para meu supremo deleite. Queijo, por exemplo.
Comprei uma tabuinha com uns 5 tipos de queijo diferentes, gorgonzola, brie, parmeggiano reggiano, gouda e um outro, acho que de cabra. Pedaços grandinhos de cada tipo, deu menos de 4 euros. Uma tabuinha dessas, no Brasil, não sairia or menos de 20 reais. E o presunto cru, né, fias, que jamón serrano é bom e nóis não dispensa. 100 gramas deliciosas saem por menos de 2 euros aqui no museo del jamón. Vai ser pão com presunto todo dia, pode apostar.
Peguei o tal ônibus de turista. Double-decker, com o andar de cima aberto. Um frio de rachar, mas eu achei foi bom. E a gente ganha uns fonezinhos de ouvido, que espeta no encosto da cadeira da frente e fica escutando uma moça explicando tudo direitinho. Não só o básico "à direita podemos ver o palácio
tal", mas também umas informaçõezinhas ótimas sobre a história da cidade, o estilo dos prédios, a economia local e os hábitos sociais dos moradores. E podendo subir e baixar a qualquer momento, eu aproveitei. Cada vez que passava por um local que eu queria conhecer melhor, descia, andava tudo em
volta, fotografava, às vezes voltava andando um pedação, depois esperava o próximo ônibus, que passa toda hora. Hoje andei pela parte moderna. Fal, peguei uns folhetos pra você, com o percurso do ônibus e tudo. Depois vou fazer um adendo com algumas observações arquitetônicas. Posso dizer que o trajeto começou ali do ladinho do Museu do Prado (que terá um dia inteiro dedicado só a ele, provavelmente quinta), subiu pelo Paseo del Prado em direção norte, até o Paseo de la Castellana, que a Fal já havia me explicado que é uma parte nova e rica da cidade, cheia de sedes de bancos, grandes empresas, e prédios públicos modernosos. O ônibus mesmo só vai até o estádio de futebol do Real Madrid (péra aí que eu vou ter que falar sobre isso), mas eu peguei um outro ônibus, comum, e fui mais adiante, fotografar de perto umas tais de Torres Europa, duas torres inclinadas que tem lá no fundo, troço bem up-to-date mesmo. Nota mental: procurar o nome do arquiteto, pra depois poder comentar com os colégas de profissão. (Clau, já pesquisei, depois te digo)
Mas eu vou ter que contar, se a Fal não puder me perdoar, fazer o quê? Enfiei o pé na jaca e gastei 12 euros e 1 hora e meia da minha semana de férias num tour pelo estádio Santiago Bernabéu, casa do Real Madrid. Esses caras sabem fazer as coisas, viu. Eu amo futebol, e curti um monte. De lá, mandei msgs pros meus irmãos. Tirei trocentas fotos, a gente pode ir até o gramado, com direito a tirar foto no banco de reservas, visitar os vestiários, a sala de imprensa, a sala de troféus, muito bom. Só não comprei absolutamente nada na lojinha, porque o souvenir mais baratcheenho era um chaveiro xexelento por 8 euros (24 reais, sacou?). Mas adorei!
Dali de volta pro madrid-visión (o nome do bus), que faz o caminho de volta por um bairro cheio de colégios particulares chiques, embaixadas e quarteirões inteiros com casas térreas elegantes, parecendo esses condomínios bacanas que tem no Rio e em São Paulo as montes, ruazinhas internas mais estreitas e sossegadas, só que não eram condomínios, eram trechos de bairro mesmo, sem cancela nas ruas nem seguranças particulares.
Dali o ônibus segue pela Calle de Serrano, que é paralela ao Paseo del Prado, mas com o trânsito no outro sentido. Já eram quase 3 horas e eu parei na altura do El Corte Inglés. Almocei numa lanchonete de pratos feitos, uma paella e uma taça de vinho, e fiz tim-tim com a Alline por sms, representando nós todas. No El Corte tava tudo carésimo e sem condições. Um casaquinho médio, de linha, meia manga, desses com um botão só, perto do pescoço e o resto abertinho, que fica parecendo um poncho, tava escandalosos 175 euros!!! Fia, eu não tou podendo pagar nem 175 reais, que dirá 175 x 3!
Comprei uma meia calça que minha irmã encomendou, espiei com olhares desejosos e coração trancado as maquiagens da Sephora, e fui pegar o ônibus de novo, que esse já tá pago, eu posso usar quanto quiser.
Próxima parada: Puerta de Alcalá. Desci de novo e fui andar o resto a pé, que não sou (muito) boba. É tipo um arco do triunfo, um monumento grandioso, erguido pelo rei Carlos III na segunda metade do século XVIII. O cara foi fodão, viu, Fal, eu fiquei encantada com as obras que ele mandou erigir. 100 anos antes do Haussman em Paris, motivações diferentes e partidos estéticos diferentes, o cara era mais barrocão mesmo, mas putz, o efeito de grandeza e majestade, de cidade ampla, é o mesmo.
Fiquei ali babando um tempão, lendo a inscrição em latim, até me perdi um pouco. Depois, segui a pé até à Plaza de la Cibele, e aí desabei. Acho que eu tava muito turistona até então, primeiro dia de viagem é meio assim, a gente fica disparando a máquina fotográfica sem nem pensar muito, ticando as coisas da
lista que a gente já viu, mas quando eu cheguei na frente da fonte com a escultura da deusa frígia Cibele, e fiquei lendo as coisas que a Fal me escreveu a respeito, caiu a ficha. Eu tou em Madrid, gente! Me deu um aperto na garganta, eu comecei a chorar que nem uma boba, olhando praquela deusa em
cima de uma carruagem, deu vontade de rezar pra todos os deuses pagãos da mitologia. Mas tudo o que eu consegui fazer foi mandar um sms pra Fal, sem ela aquele momento não teria metade da emoção que teve. Fal, quando eu ganhar na loteria, você vai vir comigo visitar a Cibele de novo, e a gente vai
chorar juntas, tá bom?
Peguei o Paseo del Prado de novo, dei a volta no Jardim Botânico e vim pro hotel, que é em frente. A idéia era pegar o Décio e vir passear no jardim, já que, apesar da hora, ainda estava claro, e o jardim fica aberto até as 7 da noite. Mas cheguei no quarto e encontrei meu amor todo ruinzinho, um fiapo de
voz, dor de garganta, coriza e febre. Enquanto eu escrevi isso aqui ele dormiu, agora acordou e eu vou cuidar dele, tá bom?
Amanhã, a outra rota do madrid-visión (eu comprei ticket válido para dois dias), com Puerta del Sol, Plaza Mayor e Palácio Real. Se der tempo, visito um dos museus da minha listinha, provavelmente o Reina Sofia, que é aqui do lado e que tem um anexo moderno que eu achei um show de arquitetura.
(continua na próxima semana)
Ana Paula, ao fundo o Palácio Real
calçadão com placas escultóricas no piso
Plaza de la Cibele
Plaza Mayor, vazia em dias de inverno
Museo Reina Sofia
Torres Kio, ou Museu Porta da Europa