Egídio La Pasta Jr.
Gogol e Filó
Os gatos nunca gostaram de mim. Eu cresci acreditando nessa máxima. Quando criança, tive um único gato – o Marajá – e cercado a vida toda por cachorros, eu tinha muita dificuldade de entender a independência felina. A independência afetiva dos gatos me intrigava. Eu chegava em casa e o cachorro deitava no chão, me oferecendo a barriga para o carinho. Abanava o rabo, chorava, latia, me causava a sensação de adoração. O gato sequer me olhava, levantava a cabeça para saber do que se tratava e quando percebia que não era nada – eu, o nada – ele voltava a se lamber, enfeitiçado pelo seu universo impenetrável.
O Marajá não morreu. Ele viveu conosco pouco mais de um ano e um dia, após se alimentar, virou as costas e saiu do apartamento. Feito esses amores que partem em busca de novas histórias após o fim anunciado. Ele deve ter estranhado toda aquela família que o criava como ao cachorro – cachorro esse que o adorava – e dentro da sua natureza de gato, pode ter pensado ‘ei moços, esse lugar não é para mim, depositem suas carências no seu cachorrinho gente boa’ e partiu sem olhar para trás.
Meses depois, a vizinha do quarteirão de baixo, disse que ele estava com ela, passando uma temporada por lá. Ela, adepta e conhecedora dos hábitos dos gatos, disse que ele estava à vontade e convivia bem com seus outros três gatos.
Nunca mais vi o Marajá e outro dia encontrei uma foto dele que me causou uma sensação nostálgica do ‘e se’. E se tivéssemos, ambos, tentado fazer dar certo? E se eu o tivesse respeitado mais? E se ele me desse tempo para me adaptar ao seu universo libertário, sem satisfações, naturalmente maduro? E se?
Até que uma grande amiga adotou um gato cinza. Um pequeno gato cinza. E eu, já adulto, uma vida quase toda sem me dar a oportunidade de me relacionar com eles, os gatos, aceitei o convite dela para conhecer o seu apartamento. E isso incluía conhecer Gogol, seu gato. Cheguei com receio – ele não vai gostar de mim, ele não vai gostar de mim, é óbvio – e filhote que era e também rodeado dos mais variados brinquedos, não me deu muita atenção. Mas depois de algumas horas e à vontade em uma conversa no sofá, Gogol se aproximou pedindo um pouco da minha atenção e mais, querendo brincar! Quebramos o gelo da indiferença inicial e passamos uma tarde agradável, eu cheio de cuidados e ele malandramente fingindo indiferença, mas não largava o cadarço do meu tênis. Foi meu primeiro amigo gato.
Semanas depois, essa mesma amiga adotou outra gata, também filhote. Para que Gogol tivesse companhia. Dessa vez, minha visita se estenderia por dois dias e eu passaria duas noites em seu apartamento. Foi quando eu conheci Filomena. Gogol, já mais rapazinho, não me fez muita festa, mas como a intimidade já estava estabelecida, nos entendemos bem com um miado e um pedido de carinho na testa. Filomena sequer me olhou. Fiz festa, tentei me aproximar dela e ela fugiu de mim boa parte da tarde. Nada. Não me deu a mínima. Fui solenemente ignorado. Até que anoiteceu e fui dormir no sofá. Após cochilar um pouco, abri os olhos para me ajeitar e eis que flagro Filó, deitada no meu peito, tentando brincar com a minha barba. Ficamos os dois um bom tempo nos conhecendo. Até que ela encaixou a cabeça no meu pescoço, abaixo da barba e dormiu o resto da madrugada.
No dia seguinte, viramos os melhores amigos.
Os gatos esbanjam independência e serenidade. Talvez isso me assuste e me distancie imensamente deles. Mas fico feliz de ter uma nova oportunidade com eles.