Começo a ler
um livro de Orhan Pamuk, Neve, que
promete. O autor ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2006 com ele, e
realmente o começo do texto é atraente.
Várias
citações dão o tom da obra de Pamuk. De Robert Browning, em “Bishop Blougram’a
Apology”:
“Nosso interesse vai para a perigosa
fímbria das coisas.
O ladrão honesto, o assassino
delicado.
O ateu supersticioso.”
Esse ladrão
honesto me faz lembrar nossos homens públicos, todos posando de pessoas íntegras.
O assassino delicado traz a imagem do criminoso que chora depois de preso. Mas
o melhor de todos é o ateu supersticioso, porque a gente se identifica com ele.
Mesmo quem pratica uma religião, de vez em quando é ateu. Mas quem não se sente
ameaçado por alguma coisa que não se explica, alguém que deseja o seu mal,
coisas que nos parecem misteriosas?
De Stendhal,
um trecho tirado de A cartuxa de Parma:
“A política numa obra literária é
um tiro de pistola no meio de um concerto, uma coisa bruta, mas que não se pode
ignorar. Logo vamos falar de coisas muito desagradáveis.”
Verdade. É isso que sinto quando um livro está
uma delícia em termos de literatura e de repente começa a falar desse assunto,
que sempre envolve polêmica, alguma sujeira, desentendimentos, traições. Então
já fico sabendo que vou dar de cara com o tema no meio dessa leitura que começa
tão delicada e poética.
Em um trecho
de Os irmãos Karamazov, Dostoiévski é
também citado na entrada do livro de Pamuk:
“Está bem então: eliminem o povo,
reprimam-no, reduzam-no ao silêncio. Porque o iluminismo europeu é mais
importante do que o povo.”
Isso também
envolve política, e das menos desejáveis. Faz lembrar a ditadura, embora a
nossa não se baseasse em nenhum tipo de iluminismo, muito ao contrário.
Baseava-se mesmo na força bruta.
Por último,
Joseph Conrad é citado, num texto de Sob
os olhos ocidentais:
“O ocidental em mim estava
desagregado.”
Não sei
quando vou terminar esse livro. Estou só começando a leitura. Só quis dividir
com os leitores do Primeira Fonte essas impressões iniciais. Imagino que o
livro tem muito de delicioso em suas 483 páginas. Ele começa assim:
“O silêncio
da neve, pensou o homem que estava sentado logo atrás do motorista do ônibus.
Se aquilo fosse o começo de um poema, poderia chamar o que sentia em seu íntimo
de o silêncio da neve.”