segunda-feira, 2 de abril de 2012

Neve e política em Pamuk




          Começo a ler um livro de Orhan Pamuk, Neve, que promete. O autor ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2006 com ele, e realmente o começo do texto é atraente.
          Várias citações dão o tom da obra de Pamuk. De Robert Browning, em “Bishop Blougram’a Apology”:

“Nosso interesse vai para a perigosa fímbria das coisas.
O ladrão honesto, o assassino delicado.
O ateu supersticioso.”

           Esse ladrão honesto me faz lembrar nossos homens públicos, todos posando de pessoas íntegras. O assassino delicado traz a imagem do criminoso que chora depois de preso. Mas o melhor de todos é o ateu supersticioso, porque a gente se identifica com ele. Mesmo quem pratica uma religião, de vez em quando é ateu. Mas quem não se sente ameaçado por alguma coisa que não se explica, alguém que deseja o seu mal, coisas que nos parecem misteriosas?

          De Stendhal, um trecho tirado de A cartuxa de Parma:

“A política numa obra literária é um tiro de pistola no meio de um concerto, uma coisa bruta, mas que não se pode ignorar. Logo vamos falar de coisas muito desagradáveis.”

           Verdade. É isso que sinto quando um livro está uma delícia em termos de literatura e de repente começa a falar desse assunto, que sempre envolve polêmica, alguma sujeira, desentendimentos, traições. Então já fico sabendo que vou dar de cara com o tema no meio dessa leitura que começa tão delicada e poética.

          Em um trecho de Os irmãos Karamazov, Dostoiévski é também citado na entrada do livro de Pamuk:

“Está bem então: eliminem o povo, reprimam-no, reduzam-no ao silêncio. Porque o iluminismo europeu é mais importante do que o povo.”

          Isso também envolve política, e das menos desejáveis. Faz lembrar a ditadura, embora a nossa não se baseasse em nenhum tipo de iluminismo, muito ao contrário. Baseava-se mesmo na força bruta.

          Por último, Joseph Conrad é citado, num texto de Sob os olhos ocidentais:

“O ocidental em mim estava desagregado.”

          Não sei quando vou terminar esse livro. Estou só começando a leitura. Só quis dividir com os leitores do Primeira Fonte essas impressões iniciais. Imagino que o livro tem muito de delicioso em suas 483 páginas. Ele começa assim:

          “O silêncio da neve, pensou o homem que estava sentado logo atrás do motorista do ônibus. Se aquilo fosse o começo de um poema, poderia chamar o que sentia em seu íntimo de o silêncio da neve.”