Por Dorothy Coutinho
Levando em consideração que o modelito da minha roupa colocaria em evidência meus defeitos visuais, declinei do convite para acompanhar e assistir diretamente do exíguo estúdio da emissora brasileira, a transmissão de entrega do Oscar. O convite partiu do Zé, grande ator brasileiro, que no sublime ridículo anual, vestia um smoking para transmitir o mais longo espetáculo do mundo. Fala sério!
Sou atraída pelo som de uma voz: seja a do amor, da ternura, do espanto ou da dúvida, a do lamento, da dor, da loucura ou da raiva. Grave ou aguda, rouca ou rascante. E imagino a dificuldade de uma pessoa que na tentativa de falar só consegue repetir sílabas. Santo Deus!
Para os hindus, tudo começou com a sílaba OM, até hoje pronunciada para estabelecer o contato com as origens.
Aristóteles definiu o ser humano como um animal racional, mas poderia ser “um animal falante”.
Quem fala define a sua personalidade e a voz passa a ser a porta de entrada para a realização pessoal. Uns acertam o tom, outros nem tanto, e alguns até se atrapalham, como no caso da peleja do rei que era gago, para domar sua disfemia exibida no filme vencedor do Oscar.
Para o entendimento subjetivo da importância da voz, podemos lembrar que Mozart só mostrou sua voz aos 21 anos quando compôs o seu 1º concerto para piano. A partir dali o grande Mozart estava vivo.
O mesmo aconteceu com Beethoven e sua sinfonia “Heróica”.
Machado de Assis só descobriu a sua voz quando escreveu as Póstumas do Brás Cubas. Para ele gago e epilético, foi libertação.
Hitler, no virtuosismo verbal, encobria uma mente assassina.
Churchill, que sabia falar, disse ao povo do alto de sua missão e com seu vozeirão: “só posso oferecer-lhes sangue, suor e lágrimas”.
A voz – em forma de discurso – também é parte inseparável da atuação política no Brasil. Sua referência histórica é Getúlio Vargas que num tom meio solene, meio República Velha, sabia falar aos “trabalhadores do Brasil”.
Juscelino também tinha um discurso, mineiro e arrojado, que conseguiu criar a sensação de que o Brasil podia dar certo.
Fernando Henrique com talento e substância, comportou-se como um professor, sem falar e explicar melhor ao povo o que era o Plano Real.
O Lula deitou, rolou e reinou durante oito anos.
“Nunca antes na história desse país”, um presidente havia conseguido dar a sensação ao povo de que ele ouvia a si mesmo. Daí o seu sucesso incomparável.
Mas, e a presidente Dilma, hein? Tão sóbria e tão digna! Assim como o sofrido rei e gago Jorge VI, ainda não descobriu a sua própria voz.
Saudades da voz de Nelson Gonçalves, o melhor cantor – e gago do Brasil!