Babel Lavanere
Quando John Lennon fez
essa letra, sabia o que estava dizendo.
Desigualdade por
desigualdade, há uma estreita semelhança entre a limitação e o constrangimento
impostos aos negros arrancados da África para servirem de escravos nas Américas
e o tratamento discriminatório dado às mulheres durante os séculos em que se
formava nossa famosa civilização ocidental cristã (e machista).
Não sou feminista
xiíta, nunca queimei sutiã nem acho os homens desprezíveis. Ao contrário: por experiência
própria, estou convencida de que um homem pode ser a melhor coisa do mundo para
uma mulher. Mas os resquícios da mentalidade arcaica ainda se fazem sentir em
nossa sociedade muito mais do que seria admissível a essa altura.
O que é triste. Parece
que a humanidade nunca vai se ver livre da figura imperial de um macho
exercendo seu poder de origem obscuramente divina sobre os outros seres, todos
propriedades suas, dependentes de sua boa ou má vontade e tementes de sua ira.
Ainda hoje, muitos homens têm essa imagem como ideal de virilidade e força, não
importa sua origem, cor ou posição na sociedade. Cada qual a seu modo,
continuam controlando suas mulheres, negando-lhes uma vida própria, às vezes
até se achando no direito de agredi-las (quantos!) ou tirar sua vida. A figura
do assassinato como defesa da honra só caberia mesmo num aparato legal
elaborado por e para os machos da espécie. E se essa figura saiu do corpo da
lei, continua entranhada na mentalidade de tantos e tantos homens, muitas vezes
ignorantes, mas em muitos casos letrados e donos de um diploma qualquer, o que
não os impede de continuarem incapazes de refletir ou tirar conclusões sobre o
significado de ser um homem.
Nem precisa ser um
Homem com H maiúsculo, como dizia vovó, referindo-se a algum figurão da
política ou da ciência. Basta perceber que ninguém – homem, mulher, branco,
negro, amarelo ou índio, adulto ou criança, rico ou pobre – pode ser apropriado
por um semelhante. Basta entender que um ser humano, seja de que sexo, raça ou
religião for, tem direito à liberdade de escolher seus rumos, sua profissão, o
ser amado, o tipo de vida que prefere levar. E que o amor incapaz de se
empenhar em fazer o outro feliz não é digno desse nome.
Abstraído o lado
mercantil da data, dedicar um dia à mulher é mais ou menos como abrir cotas
especiais para negros nas universidades. Um jeito de tentar reparar a opressão
e a negação da liberdade, com todas as conseqüências que daí advieram: de um
lado, a casta de párias a que os escravos deram origem nas terras do exílio e
do trabalho forçado; de outro lado, as mulheres submissas, ignorantes e/ou
exploradas, espancadas, usadas como objeto sexual e postas de lado, com ou sem
filhos para criar sozinhas, ou sumariamente executadas como bodes expiatórios de
homens que se prevalecem da força física e da conivência silenciosa de outros
igualmente truculentos ou amedrontados.
Por isso, no Dia
Internacional da Mulher, pensei nas amigas e leitoras. Mas esse dia deve
celebrar também os homens, porque precisamos deles tanto quanto precisam de
nós, para construir um mundo onde amar e ser amado sejam sinônimos de ser e
fazer feliz.