quarta-feira, 10 de novembro de 2010

LOBÃO AFIRMA QUE FALTA 'PAUDURECÊNCIA' NO BRASIL

Por Ana Laura Diniz

Em entrevista com o cantor Lobão, ele falou sobre o Brasil, a herança da geração Flower Power, música, literatura e, em geral, a falta de ação e conduta do brasileiro. 

Dez minutos de conversa foram multiplicados por risos e reflexões. Lobão, evidencia, que espera que ninguém se sinta atacado: ele apenas expressa a sua opinião. No entanto, invariavelmente, você se sentirá instigado(a) a se posicionar sobre os diversos temas abordados. 

Espero que o bate-papo seja tão prazeroso quanto foi o encontro com ele, na saída do programa Debate MTV, no saguão da emissora. E vamos ao que interessa!


Se você fosse reescrever a história de um Brasil viável, como seria?
Eu reescreveria de outra forma, por outro aspecto e acho que o nosso grande problema começa na formação, não é? A nossa concepção de exploração com o lugar, de não ter um vínculo com o lugar e de vir aqui e vilipendiar o lugar começa desde o início, e isso é muito ruim.

O processo de criação como é que seria?
Eu só poderia imaginar... homens de boa vontade, a velha frase... e com menos ignorantes... pessoas com vontade de estabelecer uma cultura de trocas com as pessoas que já estão no local, e principalmente, de respeitar a cultura que já está no local.

Falando um pouco sobre o Brasil, o que mais o decepciona e o agrada?
Nós temos o país mais brocha do mundo. Eu não consigo verificar outro país mais frouxo que o nosso. A ausência de paudurecência no Brasil... é assim, aquele mimo... você vê isso no Chico Buarque, você vê isso no PT, você vê isso na Música Popular Brasileira, no Ariano Suassuna... é de uma brochura... E eu estou falando isso entre aspas das coisas boas... Então se as coisas boas não nos dão paudurecência, as coisas ruins... sabe como é, para baixo todo santo ajuda, evidentemente. (risos)

Em sua opinião, o que a sua geração sentiu e sente em relação à geração de prostesto, do Flower Power? O que essa geração deixou de herança para vocês? Uma herança boa ou maldita?
Acho que uma forma de babaquice é o protesto. Já diria João Saldanha, quem reclama já perdeu. E eu acho que a nossa geração veio aparentemente falando sobre coisas muito cotidianas e frufrus e ingênuas, mas é uma questão de desconstruir aquelas coisas do Luiz Gonzaga Júnior, do Chico Buarque, da Maria Betânia, isso tudo... Elis Regina... A gente quer desconstruir esse Brasil porque este cerne é que constrói um anti-Brasil, é que construiu esse Brasil que a gente está vendo agora.

Explique melhor.
Pô, afinal tudo isso é que subvenciona o governo do PT a estar aí agora: essa coisa de ser pobre, de não gostar de lucro e de ser embevecido com a singeleza da pobreza – coisa que a Classe Média intelectualizada bate punheta com isso: tem uma tara por pobre, uma tara por Che Guevara, tem uma tara por Cuba. E eu não sei porquê, porque isso é uma falta de higiene epistemológica.

Como é que uma pessoa no século XXI, ainda consegue pensar dessa maneira? Eu não consigo acreditar. Isso que é o grande problema do Brasil.

Não é à toa, convenhamos, o fato de quando em quando o rotularem de polêmico. Mesmo sabendo que todo rótulo limita, como é viver dessa forma? Você gosta da polêmica?
Eu gosto de provocar. Mas eu acho que a palavra polêmico representa uma coisa muito mais atrelada à descategorização do que se está falando. Então quanto a ser polêmico e a polêmica é uma coisa. Agora quando esse título vem para despotencializar...

Então o polêêêmico Lobão falou sobre isso...
Exato, Ana! Então aquela palavra te zera de credibilidade, entendeu? Então isso é uma coisa muito escrota, muito preconceituosa, não é? Então é muito fácil me chamar de polêmico. Na verdade, eu simplesmente sou um cara normal, sensível, muito dócil, muito educado, que não quer fazer mal a ninguém, é só isso.

O que acontece é que é um choque cultural, as pessoas vivem num mundo que não é o meu, a verdade é essa.

Qual o seu mundo?
Eu sou CDF, cara, eu não colo. Eu sou muito moralista, sou muito ético, então eu vivo o tempo todo puto com o mundo que está ao meu redor porque eu acho que o mundo é doente, o mundo está muito doente, e eu sou um cara muito saudável, nem cárie eu tenho. (risos)

Com tantos anos de droga...
Pois é, entende? Os caras, “ah, você está vivo?”, ah, eu não sei... eu não abro mão do meu direito de opinar, eu não estou fazendo fofoca pra ninguém; estou dando a minha opinião. Não estou falando mal de ninguém, e as pessoas acham que isso é uma coisa destrutiva. Estou falando uma coisa honesta.

Acho que a maior forma de amor é poder ser duro, e como diria Shakespeare, “às vezes a gente tem que ser cruel para ser bom”, sabe? E às vezes, é duro falar aqui... Veja só o Chico Buarque... é um cara que como pessoa eu acho um amor, mas enquanto obra, um cocô, um coisa horrorosa, um desserviço para o Brasil. Esse cara é capaz de acabar com o País em termos de mentalidade, de cosmovisão.

Por que?
Porque ele é culpado, católico. Ele é embevecido com a singeleza da pobreza. Ele, assim como Ariano Suassuna, é compromissado com o retrocesso, com a sacada do século passado pra você fazer uma serenata.

Qual a mensagem que você deixaria então para a geração vigente?
Cara, eu acho o seguinte pra qualquer pessoa que está chegando aí: prestar mais atenção e não acredite de primeira em nada do que se está falando.

Eu acho que toda nossa grande opinião, a opinião que eu estou externando... eu sei que tem uma responsabilidade brutal com as pessoas que estão lendo... Agora os livros que eu li, o tempo que eu passei pensando isso tudo que estou falando é uma coisa que não dá nem pra medir; então eu acho que pra todo mundo ser um cidadão livre e respeitado tem que ser cultuado, o cidadão tem que se cultivar, então o cidadão tem que ter força, entusiasmo, paudurecência, disciplina e liberdade pra poder chegar mais maduro e com todo esse tipo de informação para poder propiciar à sociedade a sua opinião rica e, de certa maneira, pertinente, e que possa realmente com essa opinião transformar a sociedade – e não ficar fazendo esse pântano caótico que nós vivemos.

Descreva o caos.
A gente não tem educação, não tem rodovia, não tem aeroporto, não tem governo, a gente não tem nada justamente porque a gente não tem esse cerne:  que a gente não tem responsabilidade de transmitir uma alguma coisa preciosa pra outra pessoa.

Falando em leitura, quais seus autores prediletos?
Nitsche, Nelson Rodrigues, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Dostoievski.

E na música?
Jimi Hendrix, The Mamma’s and the Pappa’s, Cartola, Nelson Cavaquinho, a Mangueira, Janis Joplin, The Beatles, Rolling Stones, o rock n’ roll todo, The Who, os anos 70 inteiro, Tine Turner, o movimento black dos anos 70, James Brown…

E uma boa pitada de Lobão?
É, querida, isso tudo que me fez. Isso tudo está dentro de mim... Raul Seixas, Tim Maia, eu sou tudo isso.