De um certo ponto de vista, o mundo pode ser dividido em
pessoas que gostam de doce e as que não gostam. Fecho com as primeiras e não
abro. Ainda sinto o gostinho dos bombons de chocolate e dos brigadeirões, meus
fiéis companheiros de muitos anos, com overdoses na Páscoa e no aniversário.
Outra lembrança indelével é o doce de batata-roxa que minha mãe fazia, o mais
puro sabor do autêntico marrom glacê. E as “cocadas” de abóbora e de
batata-doce da carrocinha da Suelene na esquina lá de casa, sem falar nas de
coco mesmo, brancas e pretas, que me deram prazeres inefáveis. Os suspiros. E
os bons-bocados de vovó? Os quindins, as tortas de nozes, damasco, as ameixas
recheadas e as queijadinhas? As tortas de baba-de-moça com coco, meu Deus, geladas
e desmanchando na boca. O rocambole de pão-de-ló com recheios maravilhosos da
cozinheira de tia Anita. As musses, os pudins de leite condensado da sobremesa,
as compotas feitas em casa.
Nem precisa mais: o bolo singelo, ainda morno, da hora do
lanche, com ou sem uma caldazinha de chocolate cheirando por cima. O pudim de
aipim de minha sogra, cremoso, leve mas consistente, que nunca enjoava porque
era adoçado no ponto certo. As brevidades de mamãe, para comer com o café da
manhã. Só de pensar engordo e triglicerizo até a alma.
Fui (e sou, só que não como mais, sniff) tão louca por doce,
que na mais tenra infância, quando aprendi os nomes dos arcanjos Miguel, Rafael
e Gabriel, associei a cada um deles uma substância daquelas de que a gente se
lambuza, se não souber comer com bons modos. Pra mim, Miguel ficou ligado a
mel. Talvez porque rima, sei lá. Gabriel está ligado em minha cabeça à calda
grossa do doce de cajá-manga que minha avó paterna fazia como ninguém – que
Deus a recompense com sua santa glória. Já o nome de Rafael ficou identificado
com o melado do potinho que sempre figurava no armário da copa, e que meu
primo, lá pelos dez anos, consumia com uma nuvem de farinha de mesa por cima.
Gosto dessas associações porque elas me trazem os sabores
que agora não posso mais degustar sem culpa e prejuízo do corpo. Nesse caso, a
memória vira arca do tesouro, porque é por ela que de novo posso experimentar
tantos sabores, aromas, as cores e consistências que integram esse prazer tão
exemplarmente castigado que é a gula.