Elaine Pereira
Apesar de ter resultado oportuno, foi uma coincidência ter começado a ler “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” no dia 12 de outubro, em que todo mundo comemora o dia das crianças em desenfreado consumo e se esquece de Colombo.
Ocorre que o primeiro capítulo do livro trata justamente dos índios, e por outra coincidência, apareceu na timeline de um amigo de facebook um excerto de Los Hijos de los Dias, de Eduardo Galeano, escritor uruguaio, “En 1492, los nativos descubrieron que eran indios, descubrieron que vivian en América, descubrieron que estaban desnudos, descubieron que existia el pecado, descubrieron que debian obediencia a un rey y a una reina de otro mundo y a un dios de otro cielo, y que ese dios habia inventado la culpa y lo vestido, y habia mandado que fuera quemado vivo quien adorara al Sol y a la Luna y a la tierra y a la lluvia que la moja.” Achei muito bonita a abordagem, e depois ao cair das fichas com a outra leitura tudo ficou ambíguo.
Afinal de contas os índios não foram tão vítimas assim, como Leandro Narlock argumenta convincentemente no “Guia...”. E faz sentido. Os índios eram bastante afeitos a guerrear, e aproveitaram a oportunidade que o colonizador representava de alianças interessantes contra os inimigos, em um jogo onde não houve vítimas e opressores, mas sim interesses mútuos daqueles que enxergaram no colonizador um aliado. Em menor número, espanhóis e portugueses, por mais “civilizados” que fossem, com armas, presentes e tudo o que mais se diz deles, não teriam sido capazes de dominar os índios sem sua participação conivente.
Os tupinambás, que comiam gente, não deviam ser tão inocentes assim. Nem a nação tupi, que depois de algum tempo de presença européia saiu dos domínios amazônicos e se espalhou até o sudeste deixando rastros de que? Inocência? Escravidão imposta pelo colonizador? Piedade cristã pregada pelos jesuítas? Não creio. As conquistas, sejam quais forem, derramam sangue.
E então nesse dia que serve de marco do início da expansão que ajudou a definir o que somos hoje, extrapolo para tudo que tomamos como certo, tanto quanto o colonizador vilão e o índio inocente, e não posso deixar de rir internamente ao pensar nas teorias de conspiração onde as grandes empresas vilãs subjugam povos inteiros, e sem graça nenhuma, grandes massacres inegáveis que acabam, por ter mais atenção da mídia, parecendo serem os mais terríveis, quando tantos os superam em crueldade e quantidade, mas não em interesse público. E nossas infindáveis histórias de corrupção, onde mudam os personagens, os partidos, a cara-de-pau, mas continua sempre o mesmo resultado, fala-se, arrota-se patriotismo, viram heróis os que se limitam à mais pura obrigação de serem honestos, e nada acontece. Só esperamos pelo próximo escândalo. E quando ele coincide com o final da novela ou algum importante campeonato de futebol, a concorrência é desleal.
Falando em heróis, e os bandeirantes? Os mais puros paulistas desbravadores tinham em suas fileiras índios e mestiços, perdidos na História, não reconhecidos, ou renegando suas origens por interesses mais vaidosos. Enfim, somos todos humanos, índios, heróis, políticos, artistas de novela, nós ingênuos sentados nos bancos escolares ouvindo versões de histórias que não presenciamos. Mas acima de tudo, ainda continuamos na anestesia, com tanto para pensar, e nossas crianças querem é saber a que horas vão ganhar o presente.