Dade Amorim
Num tempo em que pensar parece coisa fora de moda, porque já
existem modelos prontinhos pra ser usados, e as escolhas estão cada vez mais
limitadas às ofertas consagradas pelo mercado, gostar de alguma coisa tornou-se
meio que uma convenção. Sair dos padrões em uso é motivo de estranheza e má
vontade por parte de certa massa de gente pré-fabricada, de cabeça feita pra encher
os bolsos de uma indústria de espetáculos acelerados e barulhentos, que se
dedica a impedir que seus consumidores possam pensar alguma coisa enquanto se
agitam sem trégua. Essa educação pelo barulho liquida a capacidade de refletir
e a liberdade de escolher o que realmente agrada a cada um. Barulho e agito
demais prejudicam não só a audição como também criam calos na sensibilidade.
Por conta disso, boa parte de nossa gente perde a
oportunidade de conhecer autores que nos enriquecem pela leitura, nos ajudam a
desenvolver o senso crítico, estender o vocabulário e perceber certos
mecanismos de nossa língua na sutileza de um bom texto.
Na segunda aula da Oficina do Conto, no Portal Literal, José
Castello fala dos contos de Machado para mostrar como a narrativa curta pode ir
muito além da história narrada e traduzir idéias.
No conto O espelho, por exemplo, o autor expõe um ponto de
vista segundo o qual as pessoas têm na verdade duas almas – uma interna, que
olha o mundo de dentro para fora, e outra externa, que se vê de acordo com os
olhos do mundo a sua volta. Em nosso caso – “Um mundo em que as pessoas
costumam ser reduzidas a títulos, a contas correntes, a imagens na mídia, a
currículos, a crachás. A ‘alma exterior’ dá as cartas num mundo que se define
pela superfície e pela velocidade e que tem horror à profundidade e à lentidão
–” pode-se perceber o quanto o velho Machado é atual ainda hoje. E necessário.
É na capacidade de ser atual, mesmo fora de seu tempo, que
reside uma das características do bom escritor, chame-se ele Machado, Poe ou
Mia Couto.