Dorothy Coutinho
Fecho uma página da minha agenda anual, contabilizando mais um ano de vida. Espero continuar demarcando o território de minha liberdade e o dos meus deveres – que é onde ela começa a perder pé. Até aqui minha fantasia continua sem pedir licença para se desenrolar: vejo uma infinidade de mesas, escrivaninhas, muitos papéis e pessoas, cada uma com sua agenda, e nela a floresta dos compromissos, mal sobrando alguma trilha estreita para andar e respirar.
Pessoalmente não vivo sem uma agenda – folhas soltas de blocos, folhas inteiras de cadernos, pequenos pedaços de papel reaproveitados, colados pela casa inteira, na geladeira, no computador, no espelho do armário do banheiro, e a agenda formal que levo comigo dentro da bolsa. Nas páginas desta nova agenda quero continuar a abrir em suas folhas as entrelinhas, inventar brechas para contemplar a árvore em flor, o tempo ideal para ouvir o canto do sabiá, atarantado neste clima estranho, parar para ouvir a risada da criança no andar de cima, o tempo para a caminhada pelas calçadas da cidade, os minutos necessários para olhar as nuvens e poder interpretar suas formas de camelo, coelho ou anjo, e muito tempo para ouvir música, ver televisão, ler, ler, ler.
O ócio é outra possibilidade infinita a ser explorada. Não se trata da inércia, do desânimo, do vazio melancólico. Nada de pantufas – mesmo aquelas com cara e orelhas de cachorro – uma graça!!
Sei da existência de agendas quase vazias - pessoas a procura de algo para quebrar o sem-sentido da vida: nem uma visita, uma data de aniversário, nenhum afeto nomeado, dias que no papel parecem um deserto sem contornos. Nem uma miragem ao longe?
Uma agenda pode trazer tormento e prisão. Mas pode ser liberdade se a gente inventar brechas. Falo de viver. Parar, olhar, escutar. Se tudo fosse como parecia nas minhas fantasias de menina, eu provavelmente passaria boa parte do meu tempo olhando pela janela, não para ver as árvores ou as nuvens, mas bocejando na prisão da excessiva coerência. A vida há de rolar por cima da gente, reduzindo à poeirinha inútil quem se esquecer de às vezes parar pra pensar sem se desmontar. Basta olhar belas ou áridas paisagens – sempre dá para plantar um capim – ou coloridas para a nossa alma brincar de esconde-esconde entre as folhas. Tente pegar as delícias da vida. Prazer não é ruim.
Mas se nada disso for possível, porque esse não é o seu jeito, receba este texto como uma afetuosa falta minha - de jeito.