Nossa repórter Claudia Lopes Borio relata a revitalização do Paço da Liberdade, em Curitiba - uma iniciativa a ser aplaudida e reproduzida Brasil afora...
Paço da Liberdade - Uma lição em revitalização
Claudia Lopes Borio
Um canto esquecido da cidade, um velho espaço onde o lixo se acumula, as pessoas passam entristecidas, viciados fumam o craque abertamente e a paisagem toda está triste e acinzentada. Infelizmente, esse quadro ocorre em muitas cidades brasileiras, especialmente nas mais antigas.
Para tentar remediar essa situação, modernamente vem se falando em “revitalização”, ou seja, o governo arregaça as mangas, retoma a posse daquele espaço e, através de parcerias, incentivos fiscais e várias ações, que podem ser bem simples ou muito complexas, faz o espaço voltar a ser bonito, alegre, funcional, limpo e seguro. Essa ação, que realmente injeta nova vida em várias partes da cidade, traz uma conseqüência imediata: a população volta a usar o espaço com alegria, o comércio melhora os lucros, mais pessoas conseguem emprego, os ônibus de turismo voltam a circular na área, há mais segurança para os moradores, e surgem novas atrações e atividades possíveis.
Tal é o caso clássico do Pelourinho de Salvador, na Bahia, um dos primeiros espaços onde se falou em “revitalização”. No entanto temos um exemplo mais próximo de nós, aqui no Paraná, que pode ser apreciado por todos. Trata-se da Praça Generoso Marques, no centro da cidade de Curitiba, onde por muitos anos ficou fechado e praticamente abandonado o prédio que foi Prefeitura e Museu Paranaense. Os ônibus expressos passavam ali pela Rua Riachuelo, provocando barulho, poluição sonora e aérea. O comércio estava entristecido, as calçadas estragadas e a região tomada pelo tráfico, prostituição, sujeira.
Eis que, após várias tentativas, finalmente uma parceria com o Sesc-Fecomércio conseguiu restaurar o velho prédio, originalmente inaugurado em 1916.
O prédio que hoje se chama “Paço da Liberdade” era a antiga sede da prefeitura de Curitiba, construída próxima da Catedral Metropolitana. Um prédio belíssimo, construído no estilo “art-nouveau”, tem muitos ornamentos que atraem o olhar da pessoa que transita por ali, mesmo que não se interesse por arquitetura: o belo telhado com telhas de ardósia, as torrinhas com um pára-raios em ponta, as figuras de Hércules que seguram as varandas, as grades de ferro antigas e toda a fachada com uma dignidade imensa transmitem uma sensação de beleza e equilíbrio. As janelas com esquadrias ornamentadas, fazendo desenhos em curva, são tema freqüente de fotografias dos turistas. Todos os detalhes do prédio foram preservados de maneira a conservar ao máximo as características originais, já que o edifício foi tombado pelo Patrimônio Histórico da União.
O trabalho de restauração não cuidou apenas da fachada externa, mas teve uma verdadeira “arqueologia” interna, respeitando detalhes originais, descobrindo como foi feita a construção e acrescentando várias inovações onde não era possível restaurar.
Assim, o prédio, que foi rebatizado de Paço da Liberdade, recuperou toda a sua beleza e passou a abrigar um café do Sesc, além de salas para uso de internet, espaço para exposições e eventos, e biblioteca. O nome “Paço da Liberdade” lembra as mudanças democráticas pelas quais o país vem passando, além de se inspirar no antigo nome da rua Barão do Rio Branco, que se chamava Rua da Liberdade.
Paralelamente, os ônibus expressos tiveram sua rota alterada para não passar mais pela rua Riachuelo e o governo arrumou as antigas calçadas, fazendo um belo canteiro de flores e lugares para sentar na frente do Paço.
Esta repórter foi conversar com os comerciantes locais para saber sua opinião sobre a revitalização do Paço. Algumas pessoas lamentavam que o antigo museu já não se encontrava mais no local, mas mesmo assim sabiam que suas coleções tinham sido transferidas para outros locais. A maioria dos comerciantes e funcionários de lojas estava feliz com as mudanças. A retirada dos ônibus expressos deixou a região mais limpa e silenciosa. A arrumação das calçadas propiciou um trânsito mais seguro para pessoas de idade e cadeirantes. Além disso, ônibus de turismo passaram a estacionar próximos, para visitas à Catedral, ao Paço, para fazer compras e... para tomar um excelente café, com tortas e bolos de fina qualidade.
Como bem disse uma vendedora, antes só se podia comer lanches comuns, como pastel ou coxinha, nas lanchonetes da região. “É verdade que os lanches são mais caros no Paço, mas há coisas finas e diferentes que as pessoas apreciam comer de vez em quando”.
A concorrência do novo café também obrigou outros cafés da região a caprichar mais, e alguns chegaram a investir em novas louças, mobiliário, e a servir algumas coisas para comer, como bolo ou pão de queijo, mantendo os preços populares. No entanto, eles também se mostravam satisfeitos com o aumento da clientela, pois, mesmo com o novo café do Paço, aumentou o número de pessoas circulando pela região.
Até mesmo a loja mais antiga de Curitiba, a tradicional Casa Edith, que fica na esquina da Praça Generoso Marques com a rua Riachuelo e vende chapéus, camisas, pijamas e artigos para homens, teve um aumento de vendas, aproveitando também que os chapéus panamá voltaram à moda.
A iluminação renovada, utilizando um novo sistema de luminárias que iluminam mais as calçadas, também trouxe mais segurança para o local.
De um modo geral, pode-se dizer que, através das parcerias com o Sesc-Fecomércio e com ações governamentais muito bem pensadas, um lugar que estava com más condições de uso voltou a ser um ponto turístico e local agradável para compras e lazer. A reação popular com a restauração do edifício mostrou como a população trazia memórias afetivas de um local que sempre foi apreciado por sua beleza e como ponto de encontro. “Não basta apenas pintar o meio-fio”, como me disse um senhor de idade, mas foi preciso uma série de ações inteligentes e integradas para recuperar essa região.
Exemplo que merece ser copiado!
Claudia Lopes Borio é advogada ambientalista.
Imagens
Paço durante o dia: Humberto Mezzadri
Paço à noite: Thadeu Peronne