segunda-feira, 4 de março de 2013

Rir, verbo circunstancial





Nunca vi um verbo tão advérbio quanto esse. Tudo que se faz ou diz pode ser modificado ou condicionado, já se sabe, mas rir é demais. Por natureza pouco conspícuo, muda de sentido dependendo da preposição que o acompanhe.
Se você disser rir de, pode estar se referindo a uma piada, a alguém – por brincadeira, ironia, deboche ou calhordice – ou a si mesmo, caso em que demonstra um espírito amadurecido e um caráter forte, já que poucas pessoas são capazes de rir de si mesmas. A maioria prefere que os outros chorem junto ou acha seus defeitos ou problemas sagrados demais para merecer qualquer forma de riso. Em alguns casos, no entanto, rir de pode ser uma forma de apoio e até sinal de carinho, demonstrando que o outro está entendendo e tentando aliviar uma saia justa.
Rir para alguém pode significar simpatia, tentativa de abordagem ou paquera; mas se o objeto do riso é uma imagem ou coisa, ou se ri para o nada, você pode ser um delirante, aparvalhado ou estar sob forte emoção, o que é quase a mesma coisa. Já rir com é uma prática das mais saudáveis, porque é o primeiro passo para um convívio ameno, a formação de uma amizade ou a revelação de uma grande afinidade com alguém. Faz muito bem à cabeça rir com outra pessoa – é o antônimo mais perfeito de solidão que eu conheço.
Talvez por isso se diga que o homem é o único animal que ri. Tamanho espectro de significados para um só verbo é coisa de gente, por mais que alguns animais, como o cachorro, em momento de euforia, pareçam estar rindo, acho arriscado imaginar que saibam que riem e impossível acreditar que sejam capazes de tamanha polissemia.