segunda-feira, 30 de abril de 2012

E COMO TRABALHEI, SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA!




Por Esther Lucio Bittencourt



Capa da primeira edição de "O Cruzeiro" 


 Quando trabalhava como freelancer no "O Cruzeiro", havia reunião de pauta por volta das 17, 18 horas, se não me falha a memória. Em seguida era a hora de comer alguma coisa, ou seja, para quem estivesse em casa era hora de jantar.

Já havia trocado o horário das minhas refeições. Almoçava na hora do café da manhã; por volta das 14 horas bastava um sanduíche para saciar algum resquício de fome. E depois era correr o dia, a noite, que fome não batia nem sono.

 Olha, a memória falha, mas acho que ficava na Rua do Livramento, gráfica e as demais revistas do Chateaubriand. Era o final de uma época.
Tudo muito escuro e gasto pelo tempo mas lembro nitidamente de um cartaz na parede: "O verdadeiro repórter é um eterno foca" , frase cunhada pelo dono do império.

O cheiro do cigarro, das guimbas mal apagadas nos cinzeiros, a agitação diferente da que havia nos jornais que estariam fechando àquela hora e o telex, sim era telex, gritava desesperado notícias do mundo, as chefias de reportagem brigavam com os repórteres que brigavam com as máquinas de escrever olivetti e os parcos telefones, existia no cheiro do suor dos homens cansados. Nada igual em revista, no entanto, muito parecido.

Mas, como contava, era necessário comer. Após a reunião de pauta ia para um restaurante pé sujo que ficava bem perto, na mesma calçada e comia um belo bife a cavalo com fritas e arroz. Em seguida voltava para a redação.
Era freela e, não sei porque, precisava dar horário e cumprir pauta. Coisa mais doida.
Mas vá eu atrás da memória recolhendo cacos que sobraram de antes da prisão no doi codi de São Paulo. 

Pois foi assim que ouvi esta música de João Bosco cantada por Elis Regina, num momento de correria pela redação, já noutro tempo em jornal, que salivei.

O sabor do bife a cavalo com fritas sombreia até hoje em minha boca, mesmo neste tempo em que não como carne.
Havia mais o feijão e arroz com alface e macarrão e nenhum queijo com goiabada cascão. E mulatas chamadas Leonor ou Dagmar também não conhecia.

Mas a música, ah, esta música é refrão de meus tempos de muito mas muito mesmo, trabalho.

 

DIFERENÇAS COTADAS







Por Dade Amorim 

Se as pessoa são corpos sensíveis e se as diferenças individuais resultam de contingências circunstancialmente explicáveis, nada justifica a (ainda) rigidez das castas e classes sociais baseada em poder financeiro ou privilégios em relação aos menos dotados. A única hierarquia possível se sustentaria então em superioridades extrínsecas e acidentais – diferentes graus de instrução, expertises técnicas e profissionais, que podem conferir alguma autoridade funcional a determinadas pessoas. E essa hierarquia não confere a ninguém direitos humanos diferentes dos consagrados e universais. 
Por isso, quando se falou das cotas, a princípio achei que isso só iria reforçar a discriminação injusta baseada nas diferenças raciais que, mesmo absurda, ainda aflige grande parte de nossa sociedade. 
Mas ouvindo a opinião da ministra Cármen Lúcia, acabei concordando com a existência dessas cotas. Diz ela: "As ações afirmativas não são as melhores opções, a melhor opção é uma sociedade com todo mundo livre para ser o que quiser. Isso é um processo, uma etapa, uma necessidade em uma sociedade onde isso não acontece naturalmente."
A ministra tem toda razão. Não se trata simplesmente de "dar uma chance" aos menos privilegiados, mas de tentar corrigir um erro estrutural dessa sociedade, que parece nunca perceber que as diferenças não significam superioridade ou inferioridade, mas apenas diferenças puras e simples, que não tornam ninguém melhor ou pior que os outros. 
Melhor ainda vai ser quando a camada mais pobre da sociedade ganhar oportunidades em pé de igualdade com as classes mais privilegiadas, com acesso a  boas escolas que lhes abram espaço a um futuro mais promissor. O que na certa dispensaria a política das cotas.


Foto Sebastião Salgado



domingo, 29 de abril de 2012

SENHORA DO TEMPO- POR CAUSA DE UMA FOTOGRAFIA

Esther Lucio Bittencourt





Sonja Faria Rosa, mora em Londres, mas passou grande parte de sua dela na cidade mineira onde nasceu; Santos Dumont que fica na zona da mata mineira, a 240 km de Belo Horizonte e 220 km do Rio de Janeiro. É conterrânea de Santos Dumont, considerado o pioneiro da aviação, e Renato Thomaz da Silva, jornalista. Sonja postou algumas fotos no Facebook e pediu aos amigos que reconhecessem os personagens. Uma delas está acima e outra é a de baixo.


Como Renato não usa o Facebook enviei as fotos para ele que me respondeu:
"Numa das fotos, a da turma mais velha, há várias fisionomias familiares, mas identificar com precisão mesmo, só uns quatro (pelo menos até agora).
Vamos lá: À dieita, em pé, de terno claro, bigodinho e sorriso dífícil, está o Dr. Dionísio Auzier Bentes Sobrinho. Lembro-me bem dele porque me operou de garganta e apendicite supurado.

Seguindo em direção ao meio da foto, o terceiro, olhando bem direto para a câmera, é o Ariel Stwilliams, muito amigo do meu pai e que foi prefeito de Santos Dumont, se a memória não me falha (vereador com certeza foi).
Ele tinha um irmão, o Braziel que foi goleiro do Social F.C - acho que o Ariel também foi jogador lá, mas só me lembro de ter visto o Braziel jogar.

Mais para o centro, ainda na turma que está em pé, está, finalmente, o dito Albanese. José Albanese, morava pertinho da minha casa e o irmão dele, Dr. Roberto era vizinho de parede colada.
Ele (Roberto) e a mulher, Dona Dulce, que está viva são padrinhos da Marília.
O filho deles, Bebeto, você deve tê-lo conhecido em Belo Horizonte, pois foi na casa dele que eu fiquei até alugar a casa onde moramos.

Ao lado do Zé Albanese, está o Vicente da Farmácia , com sua mão faltando um dedo, e que deve ter aplicado injeção em mais de metade do povo da cidade.
Atrás do Vicente, está Jaquezinho, filho do seu Jaques Alfaiate.
Jaquezinho era uma das pessoas mais altas da cidade - na foto dá para ver que ele é o mais alto.

Esses eu posso identificar sem hesitação.
Já na turma agachada, vou arriscar, mas é puro chute, identificar uma pessoa: o de óculos grossos, que está à frente do Ariel Stwilliams: para mim, é o Paulinho Fernandes, conhecido como Paulinho da Farmácia.

Como estou arriscando, foi jogar todas as fichas e falar mais um pouquinho dele: era um personagem do carnaval de Santos Dumont, sempre inventando uma fantasia diferente. Eu me lembro de uma em que ele saiu fantasiado de astronauta e fez um corte de cabelo deixando vários tufos espalhados pela cabeça, nos quais passou alguma coisa - talvez Gumex, que é o que se usava na época como fixador - e saiu pela rua acompanhado de uma cachorra que ele tinha - pastor alemão ou collie, não tenho certeza - dizendo que era a Laika, numa referência à cadela que os russos mandaram ao espaço dentro o Sputinik.

Na outra foto, a da jovem guarda, não identifiquei ninguém, embora o rapaz de ôculos que está agachado, no meio da foto, me lembre um pouco o meu irmão. mas não arriscaria a dizer que é ele.

Espero que tenha ajudado um pouco."

 Ao que Sonja replicou: "Hahaha Esther. A que ele nao reconheceu (agachado) e acha que é o irmao dele é ele proprio, reconhecido pelo que me passou a foto e por outras pessoas que identificaram todos...

" Enviei o recado para o Renato e ainda fiz um círculo em torno do rosto da pessoa que poderia ser ele:


A história foi devidamente contada através de um laudo jurídico, já que Renato é também advogado: 

"Esther,

 Sem a menor chance de ser eu naquela foto. E vamos aos argumentos de advogado:

1 - Por mais apagadas que fossem minhas lembranças, fosse eu o personagem em discussão, certamente haveria de reconhecer alguns companheiros da foto. Não se justificaria eu fazer pose para uma foto no meio de um grupo grande de pessoas, onde não identifiquei UM sequer - ao contrário da outra foto, onde identifiquei (e pelo nome) pessoas da geração do meu pai.

2 - As pessoas da foto, na opinião da Angela, tem idades próximas ou superior aos 20 anos. Eu me mudei de Santos Dumont quando tinha 14 e o meu irmão é sete anos mais velho que eu. Portando, mais condizente que seja ele (o que ainda não afirmo, porque continuo em dúvida) na foto, que pode ter sido feita antes de nos mudarmos para Juiz de Fora. Fiz um esforço, mas não identifiquei amigos dele na foto - o que não quer dizer que não estejam lá.

3 - Meu irmão saiu de Santos Dumont em 1956 para estudar fora e, até 1959, quando concluiu o científico, só voltou lá de férias.
Eu continuei até 1962, quando nos mudamos, mas antes disso o Roberto já morava em Uberlândia, na casa da tia Juraci, onde estudava para o concurso do Banco do Brasil - aí mesmo é que raramente aparecia em casa, porque foi trabalhar em Anápolis que, na época ficava 15 minutos depois de onde o diabo perdeu as botas .

4 - Era muito comum às pessoas se referirem aos mais novos como filho do Fulano ou do Sicrano. Nós éramos "filhos do Itagyba" e, a mim, por ser o mais novo, muita gente chamava de Itagibinha ou de Roberto. Pode ser que quem se lembrava do rosto dele tenha confundido os nomes.

5 - Para achar que é o Roberto na foto, mesmo sem ter certeza, recorro de memória a outras fotos dele, quando jovem que estão espalhadas em albuns familiares e que quardam grande semelhança com a foto que a Sonja mandou.
Já as minhas dessa épóca, são completamente diferentes.

6 - É por identificações como essa que muito inocente vai parar na cadeia... Por fim, para ajudar a desfazer o nó, aqui vão alguns nomes de amigos próximos do meu irmão, que podem estar na foto, mas eu não identifiquei ninguém: Renzo Vieira Marques (filho do Dr. Paulo Vieira Marques), seu primo Marcelo (filho do Dr. Fábio), Lulu Cunha (filho da D. Córnélia, que foi minha professora), Walace, Donaldo Fonseca (filho do Galileu Fonseca) e João Abdo (filho do dono da Casa Branca).

Estes são os que consigo lembrar no momento. Já que a Sonja diz que todos foram identificados, seria interessante ver se alguns dos que eu citei estão lá.
Ainda vou olhar a outra foto, porque começo a me lembrar de alguns nomes e quero ver se descubro mais alguém na foto.
Abraços.
 Renato"

 Sonja e Renato me autorizaram a publicar a história.
 E, como uma conversa leva a outra, lembrei com saudades do queijo Palmyra que era produzido na cidade desde 1880. O primeiro lugar a produzir queijo do reino na América Latina. Desde quando Santos Dumont chamava-se Palmira. Depois , o nome foi trocado em homenagem ao pioneiro da aviação que tem lá o Museu de Cabangu .




Ele vinha nas latas vermelhas, suntuosas, escrito Palmyra com ypisilone e era coberto por uma casca grossa com pigmento também vermelho .

Não há melhor goiabada cascão do que a acompanhada pelo queijo Palmyra. Creio que não produzem mais.Clique aqui para saber um pouco mais da história do queijo Palmyra

sábado, 28 de abril de 2012

FREDZILA - Shinkansen - trem-bala

Carlos Frederico Abreu
 
O trem chega na estação dois minutos antes do previsto e aguarda que o pessoal embarque com folga.

A pontualidade dos trens é famosa no Japão.
Desde a inauguração do serviço, em 1964 (para as Olimpíadas de Tóquio), até hoje, o maior atraso foi de 13 segundos.

A não ser por eventos que envolvam risco de vida (furacões, terremotos e monstros do mar), este trem nunca atrasa!


De Quioto a Hiroshima, um total de 400 km, feito em 1 hora e 50 minutos, com SEIS paradas.
Uma velocidade média de 277 km por hora.
Uma viagem em um trem destes entre o Rio de Janeiro e São Paulo, levaria quase o mesmo tempo.
Muuuuuiito rápido.

Ai estão meu passe (Japan Rail Pass) e os bilhetes.

Reparem na data de vencimento do passe: 20.7.19, ou seja, 19/07/2008.
No ano de 1989, quando faleceu o Imperador Hirohito, seu filho Akihito assumiu o trono, iniciando a Era Heisei ('era da paz'). Sendo assim, o ano de 2008 é o ano 20 da Era Heisei.
Essa é uma maneira bastante comum no Japão de se escrever a data.

Algumas passagens do Shinkansen. Mesmo tendo o passe, elas são verifificadas durante a viagem; a marca é este carimbo no canto inferior direito.


O trem é silencioso, estável e tem um simpático serviço de bordo (pago) e cada passageiro é responsável por recolher e dar fim ao seu lixo. Não é à toa que tudo é tão limpo.

Nos quiosques da estação são vendidos entre outras coisas, ekibens, como são chamados os obentos (um tipo de marmita) vendidos para consumo nos trens. Cada estação tem seus próprios ekibens, com alimentos locais. São tão lindos que dá pena de comer!



Serviço de bordo no shinkansen: água, refrigerante, cerveja, café ou chá verde, senhor?


Entre as estações de Shin-Kobe e Hakata, o trem do tipo Nozomi, usando equipamento da série 500, atinge perto de 300km/h. Uma viagem entre Tóquio e Osaka, uma distância de 515 quilómetros, leva apenas 3 horas no Nozomi. E existe também outro tipo, que corre em velocidade que já ultrapassa os 300 Km/h.

O trem bala funciona num trilho comum, diferente do francês TGV.
Mas o Japão também tem seu trem magnético, que se encontra em testes, e consegue 530 Km/h.

O atual Shinkansen logo estará ultrapassado!

Não é a toa que ninguém usa de vôos domésticos para viajar entre as cidades do Japão: não necessita comparecer com antecedência, não tem fila, check-in, risco de perder mala, etc.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A ARTE DOS AZULEJOS

Por Vilma Goulart e Esther Lucio Bittencourt


Azulejos da coleção de Ruth Couto(foto Vilma Goulart)

"Ruthinha é amiga recente. Ela participava do mesmo grupo de caminhadas pelo bairro (moramos no mesmo bairro) que eu .
O grupo se desfez, mas vez ou outra nos encontrávamos na rua. Até que eu propus à ela e a uma outra ex-colega de caminhadas que retomássemos as nossas andanças. E foi, então, que reatamos o contato. 
Durante as nossas andanças a gente bate muito papo e foi assim que fiquei sabendo das coleções da Ruth. Como ela viu que eu achei bacana, ela me convidou a ir à casa dela na semana passada, quando fiz as fotos.

Assim Vilma Goulart nos introduz na arte dos azulejos e na fascinante história de Ruth W. do Couto, aposentada, 81 anos e que mora no Rio de Janeiro.
Ruth conta onde se encontravam os primeiros azulejos: "No Egito se encontravam azulejos, mas bem mais grossos do que os que conhecemos.
Na Ásia, na Turquia, nos países mulçumanos, tinha uma infinidade de azulejos, e eles eram usados para decorar a parte de dentro e de fora das casas.
Em Portugal também havia muitos azulejos, de origem árabe."

COMO TUDO COMEÇOU

 "Uma tia minha me levou na casa de um antiquário que colecionava azulejos, que tinha uma parede inteira com eles e foi assim que eu me apaixonei, porque achei as peças lindas.
Comecei comprando na Praça XV, no centro cidade, onde todo sábado acontece uma feira de antiguidades e badulaques. Um azulejo que me marcou especialmente foi um de faiança (lisos, sem relevo) com pássaros.

Eu coleciono desde 87 e tenho mais de 600 azulejos de demolição. A maior parte destes azulejos que nós, colecionadores, compramos, vinham da Europa como lastro de navio.
O que importa na coleção de azulejos é a variedade."

Ruth tem azulejos ingleses, alemães, belgas, holandeses, portuguesas e um tcheco, conta Vilma. Ela já participou de vários encontros de colecionadores, sendo quatro deles fora do país, na Alemanha. Este mês ela foi para Alemanha, ficar um tempo com o filho que mora lá.


Mais azulejos da coleção da Ruth -Foto de Vilma Goulart
  
Quando pedi que Vilma a entrevistasse ela explicou :" Esther, eu só não vou me comprometer de escrever uma matéria porque ando meio atolada (rss), mas te envio as respostas, pode ser?  Ela pegou um vírus chato e está com dor de garganta, mas devo estar com ela em breve (andamos às 3as e 5as), daí faço as perguntas e te envio as respostas, tá?"

Em breve a resposta: "Eu tardo, mas não falho, viu?"
E está aí a coleção de Dona Ruth e esta maravilhosa arte: a dos azulejos.

EXPOSIÇÃO PERMANENTE Ocupando vários espaços das antigas alas conventuais do edifício, a exposição permanente do MNAz- Museu Nacional do Azulejo, documenta a história do azulejo em Portugal desde o século XVI à actualidade. Em estreita ligação com o património azulejar apresentado são integrados no discurso expositivo outros objectos de cerâmica pertencentes às colecções do museu. A exposição permanente integra ainda a igreja, o coro, a capela de Santo António e a capela da Rainha D. Leonor.

Mosaico bizantino, c 547, Ravenna, Itália. 


O brasileiro Candido Portinari trabalhou vários painéis em azulejo e " entre 1936 e 1945 realizou vários murais sobre os ciclos econômicos brasileiros e painéis de azulejos no recém construído edifício do Ministério da Educação no Rio de Janeiro. Estes trabalhos representaram um marco na evolução da arte de Portinari, reafirmando-se sua escolha pela temática social. Em 1939, realizou três painéis para o pavilhão brasileiro na Exposição Internacional de Nova Iorque. No ano seguinte participou de uma mostra de arte latino americana no Riverside Museum de Nova Iorque e expôs no Instituto de Artes de Detroit e no Museu de Arte Moderna em Nova Iorque. Após tal exposição foi convidado para pintar murais na Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso em Washington, fixando temas da história latino americana. Em 1943, de volta ao Brasil, realizou oito painéis conhecidos como Série Bíblica, onde deixou visível a influência da obra de Picasso "Guernica". " fonte Maria Isabel Moura Nascimento/UEPG


Painel de Cândido Portinari no Palácio Gustavo Capanema, Antigo MEC, Rio de Janeiro-RJ



Fonte consultada:
A construção do Ministério da Educação e SaúdeAutores:

Mauricio Lissovsky e Paulo Sergio Moraes de Sá

Ministério da Cultura-IPHAN

Até os dias de hoje a arte de trabalhar com azulejos em painéis permanece. Abaixo um exemplo:




Painéis de Azulejos de Cláudio Pastro no Santuário Nacional de Nossa Senhora da Aparecida. Padroeira do Brasil Aparecida-SP (fonte Google)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

PARIS: A FESTA CONTINUOU









Hoje, na Livraria da Travessa , no Leblon, Rio de Janeiro, Alan Riding, autor do livro Paris: A Festa Continuou lançará o livro e conversará com o público e Fernando Gabeira, às 21h30.

 Seguindo a mote "Paris é uma Festa", livro de Ernest Hemingway que conta as memórias parisienses do autor Alan Riding falará sobre assuntos polêmicos de seu livro como a inconsistência de Sarte, Celine, Camus, Marguerite Duras e Picasso na relação com os invasores alemães.

 "
Allan Ridding Chefia o Bureau do The Times, em Paris

JOANA DUAH FAZ SHOW EM BRASÍLIA







Amanhã,dia 27 de abril, às 21h30 no Teatro Oi de Brasília - Complexo Golden Tulip Brasília Alvorada, SHTN TC 1, perto do Palácio Alvorada, Joana Duah "Pede Licença" com seu show.
 Nos demais dias ele será apresentado às 13 e 19 horas. Telefone de contato: 3424 7121.

 Informa Bela Braga: "Joana estará em Brasília para uma apresentação que é muito importante, em sua carreira. Pela primeira vez, com todas as condições de um bom Teatro (com"t" maiúsculo), poderá apresentar um show pra ser ouvido, visto, e gravado, com qualidade.
Conto com vocês para dividir esse momento tão gostoso da carreira dela!
 Anexei link de um depoimento (ainda sem cortes) da Rosa Passos, (que vai estar lá!), que resolveu "amadrinhar" a moça quando Joana participou do show dela em SP, no início desse mês."


 

Ouçamos Joana:





ALÔ DOLLY! DELÍRIOS NOS TELHADOS DA TERRA




Por Dorothy Coutinho



pintura de Marc Chagall (google) 


 Eu quero o delírio das fantasias sentadas à minha mesa me ajudando a escrever quando a razão está cansada ou quando eu estiver descrente.
Não procuro a integração, procuro a abertura e a busca que poderá ser até desinteressante. Eu quero o delírio das muitas que há em mim.
E que cada uma viva esperando apenas o momento de saltar fora, tirar a máscara e revelar o que talvez até me amedronte, para eu dizer: Mas isso, isso aí também sou eu?

 Eu quero o delírio da ambivalência, embora seja mais fácil ser sempre a mesma. Levantar de manhã cedo sem conflitos para morrer enfim sem jamais ter duvidado. Oh, beleza! Mas não é tão simples. Falo por mim, é claro! As palavras não são meu jeito secreto de calar, ainda que eu escreva de um jeito e viva de outro, pense de um modo e faça diferente.

 Eu quero o delírio da marca da incoerência na minha testa e a miragem de uma explicação para todos os erros e desencontros no meu coração. Eu quero o delírio de ter meus personagens sensatos ou insanos, alegres ou tristes, bons ou maus na minha cabeça, aguardando que eu lhes dê uma falsa realidade.

 Eu quero o delírio de inventar ou constatar, não faz a menor diferença porque somos os doidos, os palhaços, os atores da nossa própria vida. E tudo só existe porque o tiramos das nossas entranhas e o parimos do nosso sonho.

 Eu quero o delírio das minhas fantasias para poder escrever sobre a dor e perplexidade, sobre a doença e morte ou sobre aquela palavra dita na hora errada, ou sobre o silêncio na hora em que teria sido melhor falar – mas eu não sabia.

 Eu quero o delírio de estar no mundo da lua e esquecer aquele compromisso dez vezes agendado e ainda arrumar um desculpa ligeiro, mas qual? Eu quero o delírio de fumar todos os cigarros nunca fumados, tomar todos os pilequinhos não tomados, passar um mês numa ilha só pensando bobagem.

 Eu quero o delírio de escrever sobre sermos responsáveis em relação ao que acontece e do legado a deixar. Felizmente, essa ambivalência que atormenta é a mesma que levanta a poeira da resignação.

 Eu quero o delírio daquela velha chama – que não tem nome, mas sustenta o mundo – e ainda arde em algum canto de nós, para que eu possa sair voando outra vez por cima de todos os telhados da Terra.


Marc Chagall (google)


Julia Roberts(google)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

LANTERNA MÁGICA - FASSBENDER EM 2 FILMES

por Egídio La Pasta, Jr



O diretor e artista plástico Steve McQueen está em cartaz nos cinemas brasileiros com seu segundo filme, Shame. Resultado de uma pesquisa feita pelo diretor e também com viciados em sexo como parte da preparação para seu filme – cuja ideia havia sido apresentada a Michael Fassbender durante as filmagens de Hunger, seu longa de estreia.

Shame apresenta o cotidiano de Brendan Sullivan, um executivo bem sucedido, morador de Nova York, viciado em sexo que vê a sua rotina se alterar ao receber a visita da irmã no seu apartamento. A presença da moça revela ainda mais a personalidade de Brendan, que leva sua obsessão ao limite físico, moral e sexual cada vez que tenta estabelecer algum laço de afeto com a irmã. Quanto mais ele tenta se aproximar, mais parece se afundar nas relações sexuais. Ao tentar domar sua natureza, ele parece se complicar ainda mais e parte para uma busca sem retorno, insatisfatória, exaustiva.

Eu adoraria ouvir a opinião de um psicólogo sobre o filme e certamente há muito material para se discutir. Mas discussões à parte é preciso conferir o trabalho de Michael Fassbender, melhor ator em Veneza e responsável por legitimar o talento do diretor Steve McQueen e conferir uma encantadora e desconcertante Carey Mulligan, dona de uma das melhores cenas do ano, ao cantar New York, New York para o irmão.



Fassbender pode ser visto também em À Toda Prova, de Steven Soderbergh e Um Método Perigoso, de David Cronemberg, ambos em cartaz. 

Um Método Perigoso parte da peça "The Talking Cure", de Christopher Hampton - também corroteirista -, que focaliza o encontro entre o pai da psicanálise e um de seus mais criativos discípulos, antes que diferenças inconciliáveis os separassem.

A narrativa começa com Carl Jung (Michael Fassbender) atuando numa clínica psiquiátrica em Zurique e encarregando-se do caso de uma jovem paciente histérica, Sabina Spielrein (Keira Knightley). É um caso complicado e que requer enorme esforço do médico, descobrindo por trás do caso da moça evidências de uma história familiar complicada, que acarretou um comportamento autodestrutivo.

Viggo Mortensen encarna Freud, o pioneiro da psicanálise que, em Viena, influenciou diversos profissionais, inclusive Jung. O jovem médico suíço encontra-se com seu mentor, quarenta anos mais velho, e inicia-se uma ativa troca de correspondência e experiências.

Aos poucos, afirmam-se as diferenças entre os dois - não só de idade, classe social, religião (Freud era judeu, Jung, protestante) e personalidade. E, a partir de um certo momento, divergem especialmente em sua postura profissional diante de aspectos cruciais na determinação da psique humana - como a sexualidade.

É um belo filme, onde a protagonista absoluta é a palavra.


Vamos ao cinema?

terça-feira, 24 de abril de 2012

QUITANDA DA VIDA 73

Telinha Cavalcanti

Hoje a receita é descaradamente roubada da Nigella, a inglesa que me fez acreditar que, finalmente, acabou fama que a Inglaterra tem de ser um país onde se come muito mal. Vi o programa dela outro dia no GNT e surtei com essa mousse facinha e irresistível. Não anotei na hora, mas o Google tá aí prá isso mesmo, e encontrei a receita num blog que tem um nome muito legal: No Calor do Fogão. Então aí vai a receita, nas palavras da Letícia, que escreve o blog, é publicitária e gosta de cozinhar :)


Musse de Chocolate da Nigella

Ingredientes (para 8 a 12 porções):

1 pacote de 300 g de marshmallows (pode usar miniatura, colorido, o que for - no final, tudo vai derreter e ficar cor de chocolate)
120 g de manteiga
500 g de chocolate meio amargo de boa qualidade, picado
1/2 xícara de água fervente
400 g de creme de leite fresco gelado (usei um pote de 350 g + 50 g de creme de leite comum)
2 colheres (chá) de extrato de baunilha

Modo de preparo:

Numa panela grande e de fundo grosso, leve ao fogo baixo a manteiga, o chocolate, o marshmallow e a água quente. Mexa constantemente com uma colher de pau até que tudo fique bem derretido (tenha paciência que tudo derrete mesmo). Deixe a mistura esfriar.

Enquanto isso, bata o creme de leite fresco com a baunilha até que ele fique denso e cremoso. Envolva delicadamente o creme de leite batido à mistura de chocolate, mexendo até que fique uniforme (fé, vai dar certo).

Acomode o creme em tigelinhas individuais ou num tigelão, como eu fiz. Leve à geladeira por umas boas horas (eu sinceramente não sei quanto tempo é necessário, fiz num dia para servir no outro). Decore com raspas de chocolate ou com o que você queira – ramos de hortelã, morangos em leque, castanhas picadinhas...

imagem: Swapna´s Cuisine

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sobre 'Neve', de Pamuk


 
Por  Dade Amorim





Orhan Pamuk. Neve. Trad. Luciano Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Um livro que fala de gente, poesia e do povo que passa por uma crise de identidade, traduzida em um golpe de Estado contra o fanatismo religioso. Neve, de um conteúdo político acentuado, fala igualmente de arte e valores estéticos. Uma leitura agradável, fluida, que retrata um povo e seu surpreendente modo de pensar. É revelador, no sentido de que nos põe em contato direto com essa mentalidade tão diversa da ocidental. Finda a leitura, percebemos o quanto pudemos aprender sobre os orientais e entender as crises que os jornais noticiam quase todos os dias. Ao mesmo tempo, não escapa a esse autor surpreendente a delicadeza dos sentimentos, os choques entre pessoas que conservam a crença em Alá e no Corão e os que já não creem; o medo da violência de que o Estado lança mão para impor o laicismo, responsável pela morte de inúmeros estudantes de uma escola religiosa e de cidadãos que conservam sua fé e precisam muitas vezes permanecer ocultos para escapar à morte.
Talvez Neve seja o modo pelo qual o autor tenta levar os turcos a refletir sobre sua identidade. Os conflitos entre os de sua própria cultura, a busca de uma compreensão mais elaborada sobre a vida na Europa e no mundo ocidental, mostram a necessidade de uma abertura maior entre uns e outros. É necessário, antes de tudo, amenizar a tendência ao fanatismo, e sem dúvida Pamuk visou esse objetivo, escrevendo Neve. Porém há mais do que isso no livro admirável que ele nos entregou. Nas 483 páginas de sua obra, exalta a poesia de diversas maneiras, em especial quando fala do protagonista, o poeta Ka, há alguns anos morador da cidade de Frankfurt, na Alemanha, que volta à Turquia, à cidade de Kars, uma das mais pobres do país, que naquele momento sofre os efeitos da violência policial e de tempestades de neve contínuas.  
A neve que dá nome ao livro, ao mesmo tempo flagelo e inspiração para Ka, aparece destacada em seus flocos hexagonais, “interminável repetição de um milagre banal”. Ka vê uma semelhança entre cada pessoa e esses flocos, pela singularidade de cada um deles e seu mistério. Ka é um jornalista exilado e, como poeta, um estranho dentro de uma sociedade que se confunde pelas verdades que estão mudando, pela perda da suposta perfeição de um antigo e entranhado ideal que vai perdendo força à medida que o tempo passa e mais pessoas o veem em outra dimensão. As reflexões e as diferenças constroem esse livro, ao lado da existência humana, dos seres que constituem o eu e o outro. São três dias que Ka permanece em Kars, tempo suficiente para que ele veja na neve constante a inspiração – “o silêncio da neve” – e um cenário que, de alguma forma, o ajudará a suportar a visão do diretor da escola sendo assassinado diante de seus olhos e o golpe militar acabando com jovens. Mais tarde ele vai saber que seu amigo adolescente Necip fora também morto naquele dia.
Entre a ficção e a realidade, a narrativa nos prende até o final, quando o próprio autor assume sua participação na história, deixando ao leitor a dúvida sobre se fora ele mesmo a representar o papel do poeta em Kars, cidade que espelha a Turquia e sua complexidade histórica e ideológica, pela mistura de gente tão diversa quanto curdos, islamitas, fundamentalistas, separatistas, azerbaijanos, secularistas e socialistas, militares, ateus e todos que formam a difícil mistura cultural, por conta da qual acontecem na cidade o assassinato do prefeito, do diretor da escola religiosa e os suicídios de moças proibidas de usar o manto que, de acordo com a religião dominante,deve cobrir a cabeça de cada mulher.
A (talvez) obra-prima de Pamuk mostra que entre o Oriente e o Ocidente o conflito é inevitável. Mas também existe, a par desse conflito, um desejo de aceitação da mentalidade ocidental, por conta do que ela tem de mais moderna, nada presa a tradições que impeçam o progresso. Orhan deixa bem patentes  ressentimento, ódio e  fanatismo, quando Azul, terrorista islâmico que ainda mantém seus valores religiosos, declara que se recusa a ser como um europeu: “não vou imitá-los feito um macaco”. O conflito vai do extremismo a uma situação de perda da identidade e chega a ser humilhante ter que abandonar as tradições e ver a sociedade tão dividida e, em muitos casos, perdendo suas características próprias.
Nunca me arrependi de ler um livro de Orhan Pamuk, mas nesse caso encontrei tanta beleza a par da triste situação daquele povo; aprendi tantas coisas, percebi uma riqueza fora do comum no protagonista Ka e, acima de tudo, tive uma experiência rara ante a sensibilidade e a competência com que o autor chega às vezes a surpreender. E gostaria que ele fosse brasileiro e pudesse explicar nosso país como conseguiu explicar a Turquia em Neve.  

domingo, 22 de abril de 2012

SENHORA DO TEMPO: TIA RUTH BORIO, MULHER DAS MIL HABILIDADES

Por Claudia Lopes Borio
Tia Ruth 


Muito criança ainda, eu adorava visitar a casa de Tia Ruth e de suas três filhas. Essa tia casou-se com um primo do meu pai, e todos nós nos apegamos muito a ela. Todos a adoravam e eu e meu irmão desenvolvemos uma amizade imensa com as filhas dela, Sandra, Sônia e Tânia.

A casa da Tia Ruth guardava um encanto maravilhoso para mim, pois ela, após se separar do marido, criou as três filhas fabricando bichos de feltro. Vou contar de acordo com minhas recordações de criança, que me perdoem os parentes se eu falar alguma coisa que não era bem assim. O fato é que, numa época em que os bichos de pelúcia ainda eram coisa rara, importada, ela fazia bichos de todos os formatos e tipos, com feltro colorido, com uma habilidade fabulosa. E mais, ela não copiava de ninguém, inventava os próprios modelos. Eram incríveis, lindos. Corujas, galinhas, lagartos, caranguejos, leões, sapos, cobras, bonecas, tudo o que você pudesse imaginar, ela fazia.



Eu ganhei um leão, que era uma grande almofada, um lindo desenho estilizado, muito simples, que eu adorava. Ficava lendo no meu quarto apoiada no meu leão, até que ele furou.







Tia Ruth
Fazia umas latas de lixo lindas, com velhas embalagens de papelão revestidas de feltro preto e uma grande flor de cada lado, eu tive uma por anos. Fazia também uns painéis de saco de sisal, para pendurar na parede e colocar lápis, canetas, tudo com uma porção de personagens, homenzinhos que subiam por toda a parte e entravam pelas aberturas, eram divertidíssimos para uma criança.

Um belo dia ela alugou uma casa em Pontal do Sul para passar uma temporada de praia com as filhas e a primeira neta, e lá fui eu, convidada, para ir junto com as primas.
Lá chegando, ela logo me deu um vestido longo de malha branca com bolinhas, supremamente simples, um “longuinho”, como ela falava, com uma faixa para amarrar nos cabelos. Isso ela fazia assim, com a maior facilidade, em uns 15 minutos de costura.


Lembro-me dela espetando pedaços de abacaxi no palito e colocando no congelador para a gente comer, fritando frango com Neston para a gente levar em um piquenique e ensinando quem quisesse a sambar. Pois ela estava sempre rindo, bem humorada, cantando e dançando como uma mocinha.
Era uma delícia de pessoa.
Quando a sua primeira neta, a Brisa, fez aniversário de um ano, ela pegou uns toquinhos redondos de madeira serrada e se inspirou: fez umas cabeças de bola de isopor com grandes olhos e antenas que se equilibravam sobre umas molinhas: eram os bichos da madeira.

Fez também formigas, de feltro preto, com seus nenêzinhos no colo – sabe aqueles ovinhos brancos que aparecem quando a gente dá uma pazada num formigueiro? Era assim, os nenéns das formigas.

Foi a primeira vez que eu vi uma mesa de aniversário toda enfeitada, com insetos maravilhosos de contos de fadas. Não preciso dizer que, uns trinta anos depois, ainda tenho a formiga e seu bebê guardados em algum lugar.

Ela contava que teve uma infância muito movimentada e endiabrada, com muitos primos, que tinham tanta vontade de ter uma bicicleta que construíram uma de madeira, com rodas de pau, que andava de verdade, mas só na descida. E que um vizinho uma vez furou a bola com que brincavam, e à noite eles roubaram tijolos e massa de uma construção e fizeram uma parede bem em frente à porta do mal humorado, que ao abrir de manhã levou um grande susto, achando-se emparedado.
Claudia Lopes Borio
Mais tarde ela começou também a comprar cabecinhas de boneca de porcelana, com mãos e pés, que ela pintava caprichosamente e construía roupas elaboradas, de cetim, maravilhosas, fazendo os personagens da comédia del’arte.

Eram disputados pelos amigos e parentes, e alguns ela vendia em butiques que nem acreditavam na qualidade do seu artesanato.
Tinham braços e pernas articulados, feitos de arame grosso, e paravam em qualquer posição – sentados, com as pernas cruzadas, enfim, uma perfeição chinesa.
Um dia saiu a passear e entrou em uma igreja, não era muito religiosa, não sei bem o que foi fazer ali. Aí encontrou o padre, chamou-o e disse: - Escute, estes santos estão todos muito feios, o senhor não quer que eu borde umas roupas para eles? - Olha, querer eu até queria, mas não tenho dinheiro para pagar, disse o padre.
Foi assim que a Nossa Senhora dessa igreja ganhou um dos mantos mais festivos e fabulosos que já se viu na face da Terra.

Fazia também incríveis vestidos de festa, todos rebordados, geralmente modelos elegantes em veludo, com o peito ou a cintura todos bordados em pedrarias minúsculas.
Lembro-me do meu irmão indo a um baile junto com a prima Tânia: ela chegou com um vestido verde musgo, fechado até o pescoço, com um losango de pedrarias bordadas sobre o peito, aquilo era tão elegante quanto um modelo Cardin.
Ah, e para passar o tempo, ela vestia Barbies com as roupas de personagens de contos de fadas, como a Bela Adormecida, a Chapeuzinho Vermelho ou uma passista de escola de samba.

Criou assim um verdadeiro Museu da Boneca. Enquanto isso, bordava paninhos rendados que serviam para colocar sobre a jarra de água, impedindo que caísse poeira ou algum inseto entrasse, tudo com pedrarias de miçanga, folhas verdes, frutinhas, flores, em incríveis detalhes minúsculos. Inventou também umas bolsas bordadas com contas de madeira, fazendo desenhos geométricos, que algumas pessoas mandaram emoldurar, pois eram perfeitas mandalas.
E isso tudo ela fazia a olho, sem riscar antes, só compondo o desenho na hora em que fazia.

    Tia Ruth, velhinha 

Um belo dia, depois de adulta, achei meu leão furado e roído de traças e pedi a ela para restaurá-lo. Ela o pegou e acabou fazendo outro, inteiramente novo, com a juba mais escura e a mesma carinha de sono que eu adorava.
 Sempre que a gente chegava lá na casa dela, mesmo bem velhinha e já bastante doente, ela estava bordando, pintando ou cortando alguma coisa, e tinha os materiais todos perfeitamente arrumados em caixas, em seus armários, enquanto assistia televisão – adorava esportes.

Como se tudo isso não bastasse, era uma cozinheira de forno e fogão e fazia algumas iguarias simples e famosas, como as beringelas com passas, o mel com nozes, ou o gelado de côco queimado, enfim, sempre havia uma coisa boa em sua casa. Bem no final, já muito doente, ela ainda brincou no hospital, dizendo ao médico que “esse ano o Bernardinho não vai me escalar”, sem nunca perder o bom humor.

Deixou três filhas, quatro netos (Brisa, Mel, Flávia e Rogério) e duas bisnetas (Isadora e Ária), que jamais vão esquecer dessa pessoa de contos de fadas que foi a minha tia Ruth.

Ontem a sua filha Sônia me encontrou, e deu-me algumas lembranças dela: um vestido para mim e outro para minha filha, e o presente que mais me emocionou, um papel “tigre” dobrado, fechado com um alfinete, que continha o molde de todas as peças para montar um bicho de feltro, escrito com letra caprichosa bem em cima: LEÃO.

 In Memoriam Ruth Tavares Borio
 Por Claudia Lopes Borio
Abril / 2012

sábado, 21 de abril de 2012

FREDZILA - AKIHABARA

Carlos Frederico Abreu

Apesar de Akihabara não ser mais o que era dez anos atrás, continua a atrair turistas que vem ao bairro atrás das últimas novidades tecnológicas.
Com o iene valorizado e o dólar em baixa, pechinchas mesmo somente nas lojinhas que ficam fora das principais ruas do bairro.






sexta-feira, 20 de abril de 2012

DESAFIOS DA RIO + 20






Dia 24, a partir das 16 horas especialistas da USP _Universidade de São Paulo- debaterão sobre os desafios da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável que se realizará de 20 a 22 de junho no Estado do Rio de Janeiro. Após 20 anos da ECO 98 a cidade sediará novamente debates sobre a ordem ambiental internacional. No Anfiteatro do Prédio do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da UUS, na Cidade Universitária de São Paulo, Rua do Matão 1226 sob a coordenação do professor Wagner Ribeiro haverá o lançamento do livro e da página RIO + 20 Da USP_ Universidade de São Paulo.

HELLO, DOLLY! OS MISERÁVEIS DE BRASÍLIA


Dorothy Coutinho

Ser miserável em Uganda é o mesmo que ser miserável aqui, no Nordeste ou em Nova York, tanto faz, ninguém se orgulha, queremos todos nos livrar o mais rapidamente dela.

Mas existe a miséria humana. Essa é diferente, é mutante e se desdobra como pode por aí, quer dizer principalmente por aqui, na política do nosso país. Com pouquíssimas exceções, podemos reconhecê-la em atividade seja na mais modesta administração municipal até os altos escalões dos governos estaduais e principalmente no âmbito federal, onde costuma ser ardilosa e dissimulada como ninguém em seus mimetismos confortáveis e impiedosos sobre a nossa miséria social.

E ela vai se multiplicando como lhe convém para obter o Poder, pois é essa a sua criptonita, é esse o seu anabolizante predileto.
Ao se incorporar ao homem que busca o Poder, a miséria humana falseia, faz bajulações em épocas de eleições. Em seguida se alia ao piores espécimes da raça humana que passarão a se alimentam e a se banhar na piscina sórdida da dinheirama farta e reluzente e aparecerão de peito estufado pelo ego altivo provocado pelo oxigênio aditivado que emana dos narguilés dos três Poderes constituídos: o aquisitivo, o corruptivo e o arbitrário..

A miséria humana é facilmente reconhecida nos homens com seus umbigos avantajados, recheados de frivolidades, que ostentam como troféus nos palanques das praças públicas. Quase sempre são aplaudidos de pé pelos baba ovos e puxa sacos que se alimentam de seus excrementos e nem se dão conta que essa gente faz parte da sub-raça da “geração expontânea”, que não privilegia o cérebro ou o coração. Monitoram sua fome com o sangue alheio como quem bebe um açaí no copão.

Gente de alma embrutecida que traz impresso em si o papel moeda do livre acesso ao mundo perdido, onde ninguém se encontra, ninguém viu e ninguém sabe de nada. Esse tipo de miséria para eles é sedutor já que lhes oferta o passe livre aos iates, aos jatinhos, aos Porsches, à medicina de primeiro mundo, à boa cama, à boa mesa, ao fino trato e à fina camada de vergonha na cara, que de tão transparente se revela.

Muitos desses miseráveis, filhos da “geração espontânea” se aglutinam aos milhares lá em Brasília e só ganham destaque de acordo com o escândalo “da hora”, depois de constatada a sua participação direta ou indireta, e depois de destilar imundície, calando à força e com mordaça a nossa infinda esperança na raça humana.

Qualquer projeto de grande alcance social só terá sucesso se a miséria humana, incorporada aos dirigentes de uma nação não for convidada para a festa. Lembrando que “Só a verdade é revolucionária” – Maiakovski

GUIMARÃES ROSA PODE SER PROIBIDO NAS ESCOLAS



Imagem Google

 O Projeto de Lei número 1.983/2011, do deputado do PMDB Bruno Siqueira, proibirá a leitura de Guimarães Rosa nas escolas sob a alegação de proteger o ensino de Língua Portuguesa, hoje acrescida do conhecimento linguístico que incorpora não somente gírias, mas expressões idiomáticas, regionalismos, coloquialismos etc... 


 Para o saco seguirão também Clarice Lispector, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Gregório de Matos, poeta do século XVII que apesar de escrever com a norma culta de então usava vocábulos que poderiam ser considerados de baixo calão, ou seja, indecentes.


De Oswald de Andrade já seria proibido , de cara o poema: 


PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.



.Oswald de Andrade 


 Quem desejar impedir a barbárie, que junta desconhecimento com ignorância, assine aqui contra a lei que proíbe a leitura de Guimarães Rosa na escola


Famigerado
Guimarães Rosa

Foi de incerta feita — o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei à janela.

Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cavaleiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e, embolados, de banda, três homens a cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo. Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse — o oh-homem-oh — com cara de nenhum amigo. Sei o que é influência de fisionomia. Saíra e viera, aquele homem, para morrer em guerra. Saudou-me seco, curto pesadamente. Seu cavalo era alto, um alazão; bem arreado, ferrado, suado. E concebi grande dúvida.

Nenhum se apeava. Os outros, tristes três, mal me haviam olhado, nem olhassem para nada. Semelhavam a gente receosa, tropa desbaratada, sopitados, constrangidos coagidos, sim. Isso por isso, que o cavaleiro solerte tinha o ar de regê-los: a meio-gesto, desprezivo, intimara-os de pegarem o lugar onde agora se encostavam. Dado que a frente da minha casa reentrava, metros, da linha da rua, e dos dois lados avançava a cerca, formava-se ali um encantoável, espécie de resguardo. Valendo-se do que, o homem obrigara os outros ao ponto donde seriam menos vistos, enquanto barrava-lhes qualquer fuga; sem contar que, unidos assim, os cavalos se apertando, não dispunham de rápida mobilidade. Tudo enxergara, tomando ganho da topografia. Os três seriam seus prisioneiros, não seus sequazes. Aquele homem, para proceder da forma, só podia ser um brabo sertanejo, jagunço até na escuma do bofe. Senti que não me ficava útil dar cara amena, mostras de temeroso. Eu não tinha arma ao alcance. Tivesse, também, não adiantava. Com um pingo no i, ele me dissolvia. O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo O. O medo me miava. Convidei-o a desmontar, a entrar.

Disse de não, conquanto os costumes. Conservava-se de chapéu. Via-se que passara a descansar na sela — decerto relaxava o corpo para dar-se mais à ingente tarefa de pensar. Perguntei: respondeu-me que não estava doente, nem vindo à receita ou consulta. Sua voz se espaçava, querendo-se calma; a fala de gente de mais longe, talvez são-franciscano. Sei desse tipo de valentão que nada alardeia, sem farroma. Mas avessado, estranhão, perverso brusco, podendo desfechar com algo, de repente, por um és-não-és. Muito de macio, mentalmente, comecei a me organizar. Ele falou:

"Eu vim preguntar a vosmecê uma opinião sua explicada..."

Carregara a celha. Causava outra inquietude, sua farrusca, a catadura de canibal. Desfranziu-se, porém, quase que sorriu. Daí, desceu do cavalo; maneiro, imprevisto. Se por se cumprir do maior valor de melhores modos; por esperteza? Reteve no pulso a ponta do cabresto, o alazão era para paz. O chapéu sempre na cabeça. Um alarve. Mais os ínvios olhos. E ele era para muito. Seria de ver-se: estava em armas — e de armas alimpadas. Dava para se sentir o peso da de fogo, no cinturão, que usado baixo, para ela estar-se já ao nível justo, ademão, tanto que ele se persistia de braço direito pendido, pronto meneável. Sendo a sela, de notar-se, uma jereba papuda urucuiana, pouco de se achar, na região, pelo menos de tão boa feitura. Tudo de gente brava. Aquele propunha sangue, em suas tenções. Pequeno, mas duro, grossudo, todo em tronco de árvore. Sua máxima violência podia ser para cada momento. Tivesse aceitado de entrar e um café, calmava-me. Assim, porém, banda de fora, sem a-graças de hóspede nem surdez de paredes, tinha para um se inquietar, sem medida e sem certeza.

— "Vosmecê é que não me conhece. Damázio, dos Siqueiras... Estou vindo da Serra..."

Sobressalto. Damázio, quem dele não ouvira? O feroz de estórias de léguas, com dezenas de carregadas mortes, homem perigosíssimo. Constando também, se verdade, que de para uns anos ele se serenara — evitava o de evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tréguas de pantera? Ali, antenasal, de mim a palmo! Continuava:

— "Saiba vosmecê que, na Serra, por o ultimamente, se compareceu um moço do Governo, rapaz meio estrondoso... Saiba que estou com ele à revelia... Cá eu não quero questão com o Governo, não estou em saúde nem idade... O rapaz, muitos acham que ele é de seu tanto esmiolado..."

Com arranco, calou-se. Como arrependido de ter começado assim, de evidente. Contra que aí estava com o fígado em más margens; pensava, pensava. Cabismeditado. Do que, se resolveu. Levantou as feições. Se é que se riu: aquela crueldade de dentes. Encarar, não me encarava, só se fito à meia esguelha. Latejava-lhe um orgulho indeciso. Redigiu seu monologar.

O que frouxo falava: de outras, diversas pessoas e coisas, da Serra, do São Ão, travados assuntos, inseqüentes, como dificultação. A conversa era para teias de aranha. Eu tinha de entender-lhe as mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava: E, pá:

— "Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado... faz-megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?

Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória satisfação?

— "Saiba vosmecê que saí ind'hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro..."

Se sério, se era. Transiu-se-me.

— "Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem têm o legítimo — o livro que aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?"

Se simples. Se digo. Transfoi-se-me. Esses trizes:

Famigerado?

— "Sim senhor..." — e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me. Tinha eu que descobrir a cara. — Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:

— "Vosmecê declare. Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho..."

Só tinha de desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio.

Famigerado é inóxio, é "célebre", "notório", "notável"...

— "Vosmecê mal não veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?"

— Vilta nenhuma, nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos...

— "Pois... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"

Famigerado? Bem. É: "importante", que merece louvor, respeito...

— "Vosmecê agarante, pra a paz das mães, mão na Escritura?"

Se certo! Era para se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse:

— Olhe: eu, como o sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado — bem famigerado, o mais que pudesse!...

— "Ah, bem!..." — soltou, exultante.

Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez aqueles três: — "Vocês podem ir, compadres. Vocês escutaram bem a boa descrição..." — e eles prestes se partiram. Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água. Disse: — "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!" Seja que de novo, por um mero, se torvava? Disse: — "Sei lá, às vezes o melhor mesmo, pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não..." Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse: — "A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a mandioca..." Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto.

Texto extraído do livro "
Primeiras Estórias
", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 13.
imagem do google
conto recolhido de Releituras

quinta-feira, 19 de abril de 2012

AYRES BRITTO:DISCURSO DE POSSE NO CARGO DE PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Ministro Ayres Britto (imagem Google)


Ao ser empossado na Presidência do Supremo Tribunal Federal o Ministro Ayres Britto, proferiu o seguinte discurso que aconchegou a alma brasileira de esperanças.

O Jornal Primeira Fonte o reproduz na íntegra:


“Eu disse à minha alma,
fica tranquila e espera.
Até que as trevas sejam luz,
e a quietude seja dança”
− T. S. Eliot

Quem já se colocou à testa de qualquer dos Poderes do Estado brasileiro certamente fez o que fiz ainda há pouco: prestar o solene compromisso de atuar sempre nos marcos da Constituição e das leis, assim, nessa ordem mesma.
Com um registro especial para o ato de posse da presidente Dilma Rousseff, que, sob a mais respeitosa audição e o mais atento olhar da própria História, se tornou a primeira mulher a titularizar o cargo de presidente da República Federativa do Brasil. Ungida que foi, sua excelência, na pia batismal do voto popular.

Perguntarão os que me ouvem e veem: por que o compromisso de tais agentes do Poder é o de atuar nos marcos da Constituição e das leis, nessa imperiosa sequência? Resposta: porque na primacial observância da Constituição e na complementar obediência às leis do Brasil é que reside a
garantia de um desempenho à altura da relevância dos respectivos cargos. É como dizer: basta cumprir fielmente a Constituição e as leis, com as respectivas prioridades temáticas, para se ter a antecipada certeza do êxito de tão honrosas, elementares e complexas investiduras.

É o que sente e pensa o próprio homem comum do povo, segundo pessoalmente comprovei com a vivência deste recente episódio que peço licença para contar: retornava eu de um almoço domingueiro, aqui em Brasília, na companhia da minha mulher e de um dos meus filhos, quando encontrei ao lado do nosso automóvel um homem que aparentava de 30 a 35 anos de idade.

Apresentou-se como guardador de carros, mas eu já o conhecia, meio a distância, como morador de rua. Já o vi mais de uma vez, com uma rede estendida sob as árvores, a embalar o abandono dele. E assim me dirigiu a palavra: “ministro Ayres Britto, como o senhor vê, estou aqui tomando conta do seu veículo para que ninguém danifique o patrimônio da sua família”.

Eu agradeci àquele homem que me conhecia até pelo nome e procurei nos bolsos algum trocado para recompensá-lo. Em vão. Nenhum dos três membros da família Britto portava dinheiro, nem graúdo nem miúdo. Disse então ao meu educado interlocutor: “como o senhor percebe, desta feita vou ficar lhe devendo”. Ele me fitou diretamente, profundamente, nos olhos e, altivo, respondeu: “ministro, o senhor não me deve nada. O senhor não me deve nada, ministro; basta cumprir a Constituição”.

Fecho o parêntese e faço nova pergunta: e por que tudo começa com o dever do fiel cumprimento da Constituição?
Resposta igualmente fácil. É que esse documento de nome Constituição é fundante de toda a nossa Ordem Jurídica. Diploma inaugural do nosso Direito Positivo, portanto, e o supremo em hierarquia normativa.

Constitucionalista, eminente Michel Temer, dá lições primorosas quanto ao conceito de
Constituição e Poder Constituinte. A Constituição é primeira e mais importante voz do Direito aos ouvidos do povo. Donde o seu caráter estruturante do Estado e da própria sociedade, a um só tempo. Certidão de nascimento e carteira de identidade do Estado, projeto de vida global da sociedade.

Daqui já se vislumbra o que mais importa: esse diploma jurídico de nome Constituição provém diretamente da nação brasileira, única instância de poder que é anterior, exterior e superior ao próprio Estado. Por isso que, pela sua filha unigênita que é a Constituição mesma, a nação
governa permanentemente quem governa transitoriamente. E o faz, aqui nesta Terra Brasilis, pelo modo mais intrinsecamente meritório; pelo modo mais cristalinamente legítimo, pois o fato é que a menina dos olhos da
nossa Constituição é a democracia.
Democracia que nos confere o status de país juridicamente civilizado. Primeiro-mundista, pois os focos estruturais de fragilidade do País não estão em nosso arcabouço normativo, mas no abismo que se rasga entre a excelência da Constituição de 1988 e sua concreta incidência sobre a nossa realidade sócio-econômica e política.
Democracia, enfim, que se enlaça tão intimamente à liberdade de imprensa que romper esse cordão umbilical é matar as duas: a imprensa e a democracia.

Com efeito, o mais refinado toque de sapiência política da nossa última Assembleia Nacional Constituinte foi erigir a democracia como sua principal ideia-força. O pinacular princípio de organização do Estado e da
sociedade civil, sabido que, de todas as fórmulas de estruturação estatal societária, somente a democracia é que se funda na soberania popular.
Democracia que toma o nome de Federação, quando vista sob o ângulo da divisão espacial do poder político; o nome de República, já sob o prisma da tripartição independente e harmônica dos Poderes estatais. Daí esses dois anéis de Saturno que são a indissolubilidade de laços e a autonomia política, em se tratando do condomínio federativo.
Daí os princípios da eletividade dos governantes, da temporariedade dos respectivos mandatos, da responsabilidade jurídica pessoal, individual, de todo e qualquer agente público, do controle externo a que todos eles se submetem, em se tratando de República. Democracia, enfim, repito, que mantém com a “plena
liberdade de informação jornalística” uma relação de unha e carne, de olho e pálpebra, de veias e sangue.

Claro que há muito mais a elogiar em nossa Constituição, mas não em um discurso de posse. Discurso que, pelo que vejo ao redor, nem se faz acompanhar de um bonito arranjo de flores para tornar a plateia menos
indefesa.
Por isso que tento abreviar as coisas, dizendo, em síntese, o seguinte: a nossa Constituição tem o inexcedível mérito de partir do melhor governo possível para a melhor Administração possível. A melhor Administração, porque regida pelos republicanos e cumulativos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput).

Dando-se que a moralidade tem na probidade administrativa o seu mais relevante conteúdo, pois sua violação pode acarretar a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário, sem prejuízo da ação penal cabível e sob a cláusula de que tais ações de ressarcimento ao Erário são imprescritíveis (§§ 4º e 5º do mesmo art. 37); ou seja, a Constituição rima Erário com sacrário.
Publicidade, a seu turno, como sinônimo perfeito de transparência ou visibilidade do Poder. Como princípio de excomunhão à ruinosa cultura do biombo, da coxia, do bastidor. A silhueta da verdade só assenta em
vestidos transparentes.

Já o melhor governo possível, porque não basta aos parlamentares e aos chefes de Poder Executivo a legitimidade pela investidura. É preciso ainda a legitimidade pelo exercício, somente obtida se eles, membros do poder, partindo da vitalização dos explícitos fundamentos da República (“soberania”, “cidadania”, “dignidade da pessoa humana”, “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, “pluralismo político”), venham a concretizar os objetivos também explicitamente adjetivados de fundamentais desse mesmo Estado republicano (“construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização (a maior de todas as políticas públicas) e reduzir as desigualdades regionais e sociais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza”.

Posição em que também fica o Poder Judiciário, estrategicamente situado entre os fundamentos da República e os objetivos igualmente fundamentais dessa República. Mas há uma diferença, os magistrados não governam. O que eles fazem é evitar o desgoverno, quando para tanto provocados. Não mandam propriamente na massa dos governados e administrados, mas impedem os eventuais
desmandos dos que têm esse originário poder. Não controlam permanentemente e com imediatidade a população, mas têm a força de controlar os controladores, em processo aberto para esse fim.
Os magistrados não protagonizam relações jurídicas privadas, enquanto magistrados mesmos, porém se disponibilizam para o equacionamento jurisdicional de todas elas. Donde a menção do Poder Judiciário em
terceiro e último lugar (há uma razão lógica e cronológica) no rol dos Poderes estatais (primeiro, o Legislativo, segundo, o Executivo, terceiro, o Judiciário), para facilitar essa compreensão final de que o Poder que evita o desgoverno, o desmando e o descontrole eventual dos outros dois não pode, ele mesmo, se desgovernar, se desmandar, se descontrolar. Mais que impor respeito, o Judiciário tem que se impor ao respeito, me ensinava meu pai, João Fernandes de Britto juiz de direito de carreira do Estado Sergipe e da
minha cidade Propriá.

Numa frase, se ao Direito cabe ditar as regras do jogo da vida social, mormente as que mais temerariamente instabilizam a convivência humana (o Direito é o próprio complexo das condições existenciais da sociedade, como ensinava Rudolf Von Ihering), o Poder Judiciário é que detém o monopólio da interpretação e aplicação final do sistema de normas em que esse Direito consiste. É a definitiva âncora de cognição e aplicabilidade vinculativa do Direito, como uma espécie de luz no fim do túnel das nossas mais acirradas e até odientas confrontações (derramamento de bílis não combina com produção de neurônios). É o Poder que não pode jamais perder a confiança da coletividade, sob pena de esgarçar o próprio tecido da coesão nacional.

Pronto! Concluo este passar em revista a nossa Constituição para dizer que ela, sabendo-se primeiro-mundista, investiu na ideia de um Poder Judiciário também primeiro-mundista. Por isso que dele fez o único Poder Estatal integralmente profissionalizado. Centralmente estruturado em carreira e sob os mais rigorosos critérios de investidura, assim no plano do conhecimento técnico quanto do comportamento ético (para os magistrados sempre vigorou a lei da ficha limpa). Habilitou-o a melhor saber de si e dos outros Poderes, pois as respectivas linhas de competência funcional são por ele, Poder Judiciário, interpretadas e aplicadas com definitividade.
A Constituição impôs aos juízes de primeiro grau a frequência e o aproveitamento em cursos de formação e aperfeiçoamento técnico, até como pressuposto de promoção na carreira. Tudo isso de parelha com a
imposição de bem mais rígidas vedações, de que servem de amostra a sindicalização e a greve, filiação a partido político, participação em custas processuais, acumulação de cargos (salvo uma função de magistério),
percepção de horas extras, mesmo sabendo que nenhuma categoria funcional-pública supera os magistrados em carga de trabalho, inumeráveis que são as chamadas “ações judiciais”. Todos nós magistrados, quando
vamos nos recolher à noite, para o merecido sono, dizemos mentalmente ou inconscientemente, “Senhor, não nos deixeis cair em tanta ação”.
Enfim, a Constituição conferiu aos magistrados a missão de guardá-la por cima de  pau e pedra, se necessário, por serem eles os seus mais obsessivos militantes (a adjetivação de “obsessivo” é da ilustrada jornalista Dora Kramer). Por isso que eles, os magistrados, fazem do compromisso de
posse uma jura de amor. E têm que transformar seus pré-requisitos de investidura – como o notável saber jurídico e a reputação ilibada – em permanentes requisitos de desempenho.

Agora eu termino com a parte mais devocional da função judicante.
Peço vênia para fazê-lo. Os magistrados julgam os indivíduos (seus semelhantes, frise-se), os grupos sociais, as demandas do Estado e contra ele, os interesses todos da sociedade.
O Poder Legislativo não é obrigado a legislar, mas o Poder Judiciário é obrigado a julgar. Tem que
fazê-lo com a observância destes requisitos mínimos:
I - com um tipo de preparo técnico ou competência profissional que
vai da identificação dos dispositivos, e às vezes são tantos aplicáveis
ao caso, à revelação das propriedades normativas deles (os textos
jurídicos a interpretar são ondas de possibilidades normativas, para
me valer de expressão cunhada pelos físicos quânticos do início do
século XX e a propósito das partículas subatômicas dos prótons,
elétrons e nêutrons);
II - com serenidade ou equilíbrio emocional, pois é direito subjetivo
fundamental do jurisdicionado saber que o seu processo está sob os
cuidados de um jurisdicionante sereno, equilibrado, calmo. Calma,
porém, que não se confunde com lerdeza, tendo em vista o direito
constitucional “à razoável duração do processo”, com os meios “que
garant am a celeridade de sua tramitação” (inciso LXXVIII do art.
5º);
III - sem confundir jamais o papel de julgador com o de parte
processual, pois o fato é que juiz e parte são como água e óleo: não
se misturam;
IV – tratando as partes com urbanidade ou consideração, o que
implica o descarte da prepotência e da pose. Permito-me a
coloquialidade da vez: “Quem tem o rei na barriga um dia morre de
parto”.
V - promovendo a abertura das janelas dos autos para o mundo
circundante, a fim de conhecer a particularizada realidade dos seus
jurisdicionados e as expectativas sociais sobre a decisão
objetivamente justa para aquele tipo de demanda. Juiz não é traça de
processo, não é ácaro de gabinete, e por isso, sem fugir das provas
dos autos nem se tornar refém da opinião pública, tem que levar os
pertinentes dispositivos jurídicos ao cumprimento de sua, pouco
percebida, mediata ou macro-função de conciliar o Direito com a
vida. Não apenas de sua imediata ou micro-função de equacionar
conflitos entre partes nominalmente identificáveis, exigindo-se-lhe,
no entanto, fundamentação rigorosamente científica;
VI – outro papel do magistrado contemporâneo, distinguir entre
normas que fazem o Direito evoluir apenas por modo tópico ou
pontual, à base de modestos critérios de conveniência e
oportunidade, e normas decididamente ambiciosas quanto à matéria
por elas conformadas, pois, agora sim, ditadas por critérios de
imperiosa necessidade. Normas, estas últimas, que, infletindo sobre a
cultura mesma de um povo para qualitativamente transformá-la com
muito mais denso teor de radicalidade, fazem do Direito um
mecanismo de controle social e ao mesmo tempo um signo de
civilização avançada.
Por isso que demandantes, essas normas, de
interpretação ainda mais objetivamente fundamentada, pois vão além
da simples introdução de novos comportamentos sociais para mudar
mentalidades e assim transformar as pessoas. E nós sabemos que há
pessoas que experimentam imensa dificuldade para enterrar ideias
mortas. A exemplo daquelas normas que, na Constituição mesma,
consagram políticas públicas de enfrentamento dos fatores de
desigualdades sociais, aqui embutidas as que democratizam o acesso
das pessoas economicamente débeis à Justiça e que prestigiam o
aparelhamento das Defensorias Públicas. Ou as normas de cerrado
combate à improbidade administrativa e complementarmente
propiciadoras das ações de ressarcimento ao Erário. As promocionais
da inata dignidade das mulheres, dos negros, dos sofredores de
deficiência física ou mental e as chamadas “lei da ficha limpa”,
“Maria da Penha”, “Estatuto da Criança e do Adolescente”, “Código
de Defesa e Proteção do Consumidor”, “PROUNI” ou universidade
para todos, Lei de Acesso à Informação, comentada ainda há pouco
em um diálogo franco com a eminente presidenta da República,
Dilma Rousseff. Normas ainda definidoras de um desenvolvimento
nacional em que a livre iniciativa exerce um papel de vanguarda,
conciliatoriamente com os valores sociais do trabalho, fortalecimento
do mercado interno, criação e refinamento de tecnologias nacionais,
proteção e preservação do meio ambiente (nunca podemos esquecer
que as matas virgens são as que mais procriam);
VII - manejar, diante do caso ou das teses em confronto, os dois
conhecidos hemisférios do cérebro humano. Esse é um papel
atualíssimo, contemporâneo, dos magistrados. Os dois hemisférios
são categorizados como tais pela física quântica e pela neurociência.
Manejar o lado direito do cérebro, no qual se aloja o sentimento. O
lado esquerdo, lócus do pensamento. No sentimento, a geração da
energia a que chamamos de intuição, contemplação, imaginação,
percepção, abertura para o outro e também para a sociedade em
geral, disposição para dialogar com a própria existência,
presentificar a vida e assim compartilhar a experiência que Heráclito
(540/480) traduziu com a máxima de que “o ser das coisas é o
movimento”. “Ninguém entra duas vezes nas águas de um mesmo
rio”, pois o fato é que na vida tudo muda, menos a mudança. Só o
impermanente é que é permanente, só o inconstante é que é
constante, de sorte que a única questão fechada dever ser a abertura
para o novo. Embora não devamos confundir o novo com o fashion.
Se tudo é incerto, é porque é certo mesmo que tudo seja incerto. Se
tudo é teluricamente inseguro, que nos sintamos seguros na telúrica
insegurança das coisas. É o nosso lado emocional, feminino,
artístico, amoroso, sensitivo, corajoso, por saber que quem não solta
as amarras desse navio de nome coração corre o risco de ficar à
deriva é no próprio cais do porto. Que é a pior forma de ficar à
deriva. Lado do cérebro mais sanguineamente irrigado, a ciência
comprova isso, o lado feminino, e que tanto nos catapulta para o
mundo dos valores (bondade, justiça, ética, verdade e estética,
sobretudo), quanto nos livra das garras da mesmice. Com a virtude
adicional de abrir os poros do pensamento ou inteligência dita
racional para que ela se faça ainda mais clara, mais profunda e mais
alongada no seu funcionamento. Já o hemisfério esquerdo do
cérebro, este é o lócus do pensamento, conforme dito há pouco. A
nossa banda neural da técnica e da Ciência. Matriz de uma outra
modalidade de energia vital, multitudinariamente designada por
ideia, conceito, silogismo, teoria, doutrina, sistema e todo o gênero
de abstrações que estamos aptos a fazer como seres dotados de
razão. Logo, pensamento que é sinônimo de inteligência racional ou
lógica ou intelectual ou reflexiva ou cartesiana, responsável por um
tipo de conhecimento que se obtém, não de chapa, não de estalo,
como um raio que espoca no céu, porém por metódicas aproximações
de um objeto necessariamente isolado ou fechado em si mesmo. O
cientista é aquele que sabe cada vez mais sobre cada vez menos. À
guisa de parte sem um todo (no sentimento é o contrário, um todo
sem partes). Por isso que chamado o científico de conhecimento
indireto ou discursivo ou especulativo, assim como quem se
aproxima de um campo minado ou fortaleza inimiga. Lado, enfim,
que nos leva a idolatrar a segurança, tanto quanto o hemisfério
direito nos conduz à justiça. É o nosso hemisfério viril, não sendo
por acaso que o Direito seja uma palavra masculina, enquanto a
justiça, uma palavra feminina. Também não sendo por coincidência
que o substantivo sentença venha do verbo sentir, na linha do que
falou esse gênio da raça que foi o sergipano Tobias Barreto: “Direito
não é só uma coisa que se sabe, mas também uma coisa que se
sente”. Precedido por Platão (......) e seguido por Max Scheler, numa
linha mais filosófica e holista, a saber: Platão (427/347 a.C.) -
“Quem não começa pelo amor nunca saberá o que é filosofia”; Sheler
– “O ser humano, antes de ser um ser um ser pensante ou
volitivo, é um ser amante”;
X – entender, o juiz, que é justamente desse casamento por amor
entre o pensamento e o sentimento que se pode partejar o rebento da
consciência. Terceira categoria neural que nos unifica por modo
superlativo ou transcendente dos pólos primários do sentimento e do
pensamento. Consciência que já corresponde àquele ponto de
equilíbrio que a literatura mística chama de “terceiro olho”. O único
olho que não é visto, mas justamente o que pode ver tudo.
Holisticamente, esfericamente, sabido que no interior de uma
circunferência é que se fazem presentes todos os ângulos da
geometria física, e, agora, da geometria humana. Consciência, em
suma, que nos leva a transitar do sensível para o sensitivo e do
humano para o humanismo. E que nos habilita a fazer as refinadas ou
sutis distinções entre reflexão e percepção, entendimento e
compreensão, conhecimento e sapiência, segurança e justiça, Estado
e sociedade civil, sociedade civil e nação. Esta última como realidade
tridimensionalmente temporal, porquanto enlaçante do passado, do
presente e do futuro do nosso povo. Laço que prende a
ancestralidade, a contemporaneidade e a posteridade da nossa gente.

Encerro o discurso.
Fazendo-o, proponho aos três Poderes da República a celebração de um pacto. O que me parece mais simples e ao mesmo tempo necessário, e, ao fazê-lo, tenho certeza de que estarei falando
em nome de todos os ministros desta Casa de Justiça, que é um pacto do  mais decidido, reverente e grato cumprimento da Constituição. Um pacto pró-Constituição, portanto.

Pelo que, simbolicamente, anuncio que, ministro Joaquim Barbosa e eu estaremos distribuindo aos presentes, por ocasião dos cumprimentos formais, um exemplar atualizado dela mesma, Lei Fundamental do País. Impresso por atenciosa autorização do presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, senador José Sarney, a meu pedido.
Senador a quem agradeço e formulo votos de pronta recuperação de saúde.

Senhora Presidente Dilma Rousseff, receba os meus respeitosos e carinhosos cumprimentos pela sua presença a esta solenidade de minha posse e do ministro Joaquim Barbosa nos cargos de presidente e vicepresidente, respectivamente, do Conselho Nacional de Justiça.
Também assim o vice-presidente da República, Michel Temer, amigo pessoal desde os anos 70 do século passado. Cumprimento que ainda estendo ao Presidente da Câmara Federal, deputado Marco Maia, à senadora Marta Suplicy, ora respondendo pela presidência do Senado da República, todos na honrosa companhia do Exmo. Sr. Procurador Geral da República, Roberto Gurgel Santos, e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, a quem emocionadamente agradeço, Dr. Roberto e Dr. Ophir, pela afetiva e até mesmo cativante saudação que me dirigiram.

O século XXI é o século da afetividade. Sem afetividade não pode haver efetividade do Direito. A mim e ao ministro Joaquim Barbosa.
Vou além para dizer aos queridos servidores da Casa, com quem passarei a trabalhar com toda honra, e mais a tantas respeitáveis autoridades e amigos tantos que se deslocaram para este recinto. Em especial, permito-me citar alguns nomes, sem a pretensão de excluir absolutamente ninguém. Refiro-me a Daniela Mercury, artista e cidadã admirável, simpatia de gente, que nos regalou com uma interpretação maravilhosamente personalizada do hino nacional.
Refiro-me a Roberto Dinamite, ídolo vascaíno de sempre, Romário, Dora Kramer, Ziraldo, Leda Nagle, Milton Gonçalves, Antônio Carlos Ferreira.

Cinco últimos e breves registros: o primeiro, para saudar à distância Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Comparato, queridos amigos, referências de preparo científico, ética e cidadania, que não puderam estar presentes a esta nossa posse. O segundo, para agradecer as palavras do ministro Celso de Mello, essa enciclopédia jurídica e cultural da nossa Casa, palavras tão repassadas de desvanecedora amizade e reveladoras de uma inexcedível qualidade literária, tão própria de Sua Excelência. O terceiro, para dizer ao ministro Peluso que é uma honra sucedê-lo na presidência do Supremo e do CNJ; ele, ministro Antônio Cezar Peluso, que tão ilustra os anais desta nossa Instância Suprema e ao mesmo tempo Tribunal Constitucional com o seu denso estofo cultural, inteligência aguda, raciocínio tão aristotélica ou cartesianamente articulado quanto velocíssimo, técnica argumentativa sedutora e vibrante a um só tempo.
Tenho a honra de ser seu colega e de sucedê-lo na presidência. A quarta anotação vai para o ministro Joaquim Barbosa, também paradigma de cultura, independência e honradez, com quem partilharei mais de perto a dupla gestão que ora me é confiada. O quinto e último registro é para a minha família. Inicialmente, meus oito irmãos aqui presentes, com seus esposos e esposas, meus cunhados, mais um irmão que não pôde se deslocar da minha querida Propriá, e outro irmão que está aqui, sim, no meio de nós, mas substituindo seu belo e alegre corpo físico pela feérica luz do seu amoroso espírito: Márcio. Feérica luz que neste local também se esparrama por efeito da eternal lembrança do meu pai, João Fernandes de Britto, e de minha mãe, Dalva Ayres de Freitas Britto, ícones desta minha vida terrena e de outras vidas que ainda terei, porquanto aprendi com eles dois que o nada, o nada não pode ser o derradeiro anfitrião de tudo.
Em sequência, saúdo meus cinco amados filhos, Marcel, Adriana, Adriele, Tainan, Narinha, na companhia dos meus igualmente amados netos Bruninha, Lucas, João Paulo e Davi, além dos meus estimados genros e
noras.

Por último, ponho meus olhos nos olhos de Rita, mulher com quem durmo e acordo, e que também é a mulher dos meus sonhos. Mulher a quem digo que tinha mesmo que ser abril o mês desta minha posse. Pois
abril foi o mês em que nos conhecemos.
O dia 9 foi a cereja do bolo. Rubra como a pele das manhãs ainda no talo das madrugadas. Doce como o gosto da minha vida, Rita, ao seu lado desde então.

Obrigado a todos.
Brasília, 19 de abril de 2012.