quinta-feira, 26 de abril de 2012

ALÔ DOLLY! DELÍRIOS NOS TELHADOS DA TERRA




Por Dorothy Coutinho



pintura de Marc Chagall (google) 


 Eu quero o delírio das fantasias sentadas à minha mesa me ajudando a escrever quando a razão está cansada ou quando eu estiver descrente.
Não procuro a integração, procuro a abertura e a busca que poderá ser até desinteressante. Eu quero o delírio das muitas que há em mim.
E que cada uma viva esperando apenas o momento de saltar fora, tirar a máscara e revelar o que talvez até me amedronte, para eu dizer: Mas isso, isso aí também sou eu?

 Eu quero o delírio da ambivalência, embora seja mais fácil ser sempre a mesma. Levantar de manhã cedo sem conflitos para morrer enfim sem jamais ter duvidado. Oh, beleza! Mas não é tão simples. Falo por mim, é claro! As palavras não são meu jeito secreto de calar, ainda que eu escreva de um jeito e viva de outro, pense de um modo e faça diferente.

 Eu quero o delírio da marca da incoerência na minha testa e a miragem de uma explicação para todos os erros e desencontros no meu coração. Eu quero o delírio de ter meus personagens sensatos ou insanos, alegres ou tristes, bons ou maus na minha cabeça, aguardando que eu lhes dê uma falsa realidade.

 Eu quero o delírio de inventar ou constatar, não faz a menor diferença porque somos os doidos, os palhaços, os atores da nossa própria vida. E tudo só existe porque o tiramos das nossas entranhas e o parimos do nosso sonho.

 Eu quero o delírio das minhas fantasias para poder escrever sobre a dor e perplexidade, sobre a doença e morte ou sobre aquela palavra dita na hora errada, ou sobre o silêncio na hora em que teria sido melhor falar – mas eu não sabia.

 Eu quero o delírio de estar no mundo da lua e esquecer aquele compromisso dez vezes agendado e ainda arrumar um desculpa ligeiro, mas qual? Eu quero o delírio de fumar todos os cigarros nunca fumados, tomar todos os pilequinhos não tomados, passar um mês numa ilha só pensando bobagem.

 Eu quero o delírio de escrever sobre sermos responsáveis em relação ao que acontece e do legado a deixar. Felizmente, essa ambivalência que atormenta é a mesma que levanta a poeira da resignação.

 Eu quero o delírio daquela velha chama – que não tem nome, mas sustenta o mundo – e ainda arde em algum canto de nós, para que eu possa sair voando outra vez por cima de todos os telhados da Terra.


Marc Chagall (google)


Julia Roberts(google)