quarta-feira, 18 de abril de 2012

LANTERNA MÁGICA - O QUE VOCÊ QUER SABER DE VERDADE

por Egídio La Pasta, Jr


Tenho ouvido muito o cd mais recente da Marisa Monte, O que você quer saber de verdade. Talvez porque as canções falem sobre amor e eu sou aquele cara sempre em (des)acordo com as coisas do coração. Se você conhece a discografia da cantora, vai perceber alguma similaridade com o Memórias, crônicas e declarações de amor. Talvez porque fale dessas gavetas que o amor abre. E fecha também.

À partir do cd, escrevi e gostaria de dividir o resultado. Não é sobre o cd, mas é o cd.

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Virei a noite como quem vira uma taça de vinho. Procurando, quem sabe, na ironia da chuva forte e do vento frio, alguém para dividir a madrugada e também - por que não? - os sonhos. Em vão, talvez para me certificar de que não encontraria ou não conseguiria ou não seria dessa vez, ainda, mas com uma ponta de orgulho ou uma leve sensação de dever cumprido no sentido de enfrentar a noite. “Enfrentar as horas” e Virginia Woolf povoa o pensamento, mas abro passagem para que ela se vá porque hoje não existe espaço para os dois. 

Depois, um amigo me ligou tarde da noite e me disse, bêbado, algumas palavras que, sinceramente, eu não lembro. Imaginei que os efeitos do álcool, por algumas óbvias razões, fizeram com que ele me procurasse. Não por ser especial ou confiável, mas por ser o único que poderia estar acordado além-madrugada e também o único que não se importaria em ouvir palavras sem creditar a importância literal de cada uma delas. Apenas saber que eu o ouvia, confortava o seu porre de alguma forma. Antes de desligar - e talvez seja essa a única frase que eu me lembro - além do alô, naturalmente, ele me disse:

- Eu não consigo entender nós dois. Nós poderíamos, não poderíamos? Mas eu nunca tive coragem de ir além.

- O meu além é o seu limite.

E desliguei. De cara limpa. Por opção. Vaidade. Necessidade. Hoje, dividir pode também significar estilhaçar. Perdido. Sem grande alarde. Consciente. Dentro da noite, que não é tão veloz. Mas que revela. E se é incômoda e se é fria e se é maiúscula em questões não resolvidas, é também menos frágil e menos dolorosa e menos banhada em drama e lágrimas. Porque com o tempo a gente compreende e dispensa certos adornos. 

Amanheceu às cinco e quarenta e oito. Da janela eu vi. Não estivesse tão frio e chuva não houvesse, eu desceria as escadas em pijama e chinelo para sentir a manhã. Para sentir essa sensação de recomeço, já que todo o dia é...

- O que é que todo dia é? - você chuta a questão e eu não faço o gol.

Eu não sei – a platéia vira as costas.

Amanhã eu vou dormir o dia todo – esse é o meu placar.

O que há de mal com o não saber? Perdido no meio do labirinto, entre idas e vindas, eu suspendo as drogas por agora. Porque preciso da lucidez de quem ainda não se encontrou no meio da página. Então álcool, fumaça, sopros, cachaça, tudo isso me embriaga feito movediça areia que me prende os pés e eu quero avançar. Mesmo seguindo sozinho, exatamente como eu comecei a história e não havia ainda o jogo e as curvas que me levam ao mesmo lugar. Mantenho o sensorial porque me faz bem. Não abro mão da cueca revolucionária que reage ao outro. Mantenho a música e é fácil compreender a razão. Música preenche. Enaltece. Reverbera. Aciona. Emociona. Não gosto de estar no escuro. Mas é no escuro que te escrevo. E se não te conheço depois de tanto tempo é porque não acendestes a luz. Ou fui eu que não tirei os óculos escuros?

Antes não acompanhado do que só.

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Aqui, uma entrevista divulgada no site da Marisa Monte, onde alguns amigos a entrevistam sobre o novo trabalho. Escolhi a entrevista que a Adriana Calcanhotto fez para compartilhar. Você encontra ainda as entrevistas feitas por Hermano Vianna, Francisco Bosco, Marcos Augusto Gonçalves e Jéferson Güntzel na página da cantora.

Adriana: Do momento em que você chegou em casa, quando acabou a turnê, e acabou aquele negócio de viagem, de fazer mala e não sei o quê, como é que começou a semente desse disco? Você já estava pensando em coisas ou ficou aqui zanzando?

Marisa: Quando terminou a turnê eu entrei num momento de silêncio, sabe? De esvaziamento mesmo. Eu já tinha algumas dessas músicas feitas, prontas ou começadas durante a turnê, mas eu precisava ficar um tempo em casa, precisava desse tempo de vida, normal, de cotidiano... Sem tanta interrupção, sem tanta descontinuidade, sem tanta adaptação a realidades diferentes... a cada dia um hotel, uma comida, um horário, um fuso, uma língua... Nesse momento, eu tive mais oportunidade de encontrar os parceiros, terminar as coisas já começadas, assistir aos shows dos outros e nutrir as relações que se transformaram nesse novo trabalho. Aí, eu fui fazendo as músicas. Na verdade, esse disco é uma seleção de algumas músicas que eu fiz nesses últimos três, quatros anos. Algumas até foram feitas durante o período de gravação do disco.

Adriana: Você compôs já com o disco em andamento?

Marisa: Sim, umas duas ou três aconteceram durante o disco. E algumas já tinham sido gravadas por outras pessoas, como "Bem Aqui", pelo Dadi, “O Que Você Quer Saber De Verdade”, pelo Arnaldo, e “Verdade, Uma Ilusão”, pelo Brown.

Adriana: Daí, quando você compôs, sendo que você já estava gravando, você compôs pela inércia de estar mexendo com as coisas, mexendo com os instrumentos, ou você teve uma necessidade para fazer o disco, complementar coisas?

Marisa: Não, a música que eu me lembro de ter feito durante o processo foi consequência da minha passagem por Los Angeles, quando encontrei o Rodrigo Amarante. Eu nunca tinha feito nada com ele, mas existia uma vontade mútua. Um dia a gente se encontrou no estúdio porque a gente gravou uma música para o último Red Hot + Rio, “Nu com a minha música”, de Caetano Veloso e Devendra Banhart. Durante esse tempo em que a gente estava no estúdio, pintou a ideia de uma música. Ela já veio com algumas palavras, uma coisa que a gente fez junto na hora, já com alguns pedacinhos de letra. Depois, ele continuou sozinho. Quando ele veio ao Rio, ele trouxe o que ele tinha feito. Aí, demos aquela arredondada e eu achei que ela tinha a ver com o resto do disco todo. Ela fala sobre saber o que se quer e sobre pagar o preço do que se quer, mesmo parecendo loucura para todo mundo em volta. A música é na primeira pessoa e ela diz: “Vá, pode falar, pode escrever, eu vou me entregar”. É sobre o reconhecimento e a conquista do desejo.

Adriana: Eu achei interessante que o disco fala dessas coisas que você está dizendo, do imprevisível do amor e como isso é assim mesmo. E tem uma ligação muito forte dessas canções que falam do canto, de como o canto atravessa isso, de como o canto expressa isso, e é tão interessante porque é tão você. É o jeito que você faz a sua música. Eu queria que você falasse disso...

Marisa: Eu sou uma cantora bem ligada à tradição da canção e do canto. Eu gosto de uma canção com refrão, com primeira parte, com segunda parte. Eu gosto muito de melodia. A relação do canto com o amor é ancestral. Até os passarinhos cantam quando querem atrair um parceiro. Então, isso é uma coisa da natureza. E, na verdade, a minha preocupação ao cantar o amor hoje é falar do amor de uma forma contemporânea, um amor que é vivido hoje. Então, têm várias questões com as quais a minha geração e as pessoas que estão hoje vivendo a questão amorosa se confrontam, como ter uma relação amorosa satisfatória e duradoura. Ou seja, falar do amor como ele de fato é vivido, não um amor tão idealizado.

Adriana: Eu acho que o disco tem isso, uma coisa da imprevisibilidade do amor.

Marisa: Sim, tem uma música que fala “amar alguém não tem explicação”. Amar alguém só pode fazer bem. O amor é uma forma de inteligência, talvez a maior delas. Estamos vivendo muitas transformações nas relações familiares, nas relações humanas, e uma coisa certa é que os modelos do passado não servem mais para a gente.

Adriana: Eu acho bem interessante que algumas pessoas muito jovens vão ouvir esse disco e vão ter um toque de que o amor é assim mesmo, não é tão simples assim. É bem mais complicado, bem mais complexo e, por isso, tão interessante...

Marisa: A questão amorosa é uma questão relevante na vida de todo mundo. Talvez um ou outro não se importe com isso, mas a maioria se importa.

Adriana: E o que você tocou no disco? Eu vi que você tocou percussão...

Marisa: Aqui em casa tem um acervo de instrumentos que fica à nossa disposição. Como em muitos momentos éramos só eu e o Dadi, nos desdobrávamos em várias funções, nem que fosse para simular o que queríamos gravar depois. "Ah, podia ter um teclado". Então, a gente gravava para ver como é que ficava. O Dadi também é um músico super versátil. Ele toca violão, toca baixo, toca bandolim. Então a gente pôde se divertir aqui. Muitas coisas foram substituídas depois, quando eu chamei o Daniel Jobim, o Bernie Warrel ou mesmo o Pupillo. Mas alguns instrumentos que tocamos acabaram ficando. Em “Verdade, uma ilusão”, eu gravei só os pratos. Depois, o Pupillo, ouvindo o que eu toquei, só fez a caixa. No final, a bateria que se ouve somos nós dois juntos. Tentamos servir às canções de uma forma muito intuitiva, muito musical e até despretensiosa.

Adriana: Quer dizer, você nunca pensou em uma sonoridade para o disco, você foi canção por canção...

Marisa: É, eu fui escutando as canções e vendo o que cada uma delas ia pedindo. Essa é uma coleção de canções, cada uma do seu jeito. A intenção foi potencializar o sentimento de cada uma delas, o que elas queriam dizer. Eu sempre achei que eu seria o ponto de ligação entre essas músicas e, de alguma maneira, essa diversidade sempre foi uma marca minha.

Adriana: E o nome?

Marisa: “O Que Você Quer Saber De Verdade” foi composta há algum tempo e o Arnaldo acabou gravando em um de seus discos. A música é um convite ao silêncio necessário para se escutar as necessidades da alma.

Adriana: Queria saber sobre aquele momento em que você chegou em casa, no final da turnê, trouxe a bagagem, as tralhas e aí precisou de espaço, de tempo. Não estava pensando em canção, muito menos em botar um disco na rua, falar com pessoas. Queria saber como você está se sentindo agora...

Marisa: Eu acho que é um momento de expansão e retração natural. É um movimento de dinâmica, um conceito altamente musical de intensidade e alívio. Eu estou feliz porque eu estou com vontade de trazer essas músicas ao publico. Estou feliz com o resultado. De uma forma geral, eu acho que é um momento muito bom porque as ideias dão muito trabalho. Ter uma ideia é fácil, mas você fazê-la vir do plano do ideal para o plano do real dá muito trabalho. Elas chegarem ao plano real para mim significa o disco ser escutado pelas pessoas. Claro que o processo agradável e prazeroso, estar cercado de amor, de afeto e de amigos, é importante para o resultado, mas ele se realiza mesmo é quando se encontra com o público. Agora isso é do disco.

Adriana: E o show?

Marisa: Ah, eu já tenho várias ideias interessantes para o show. De linguagem, da própria linguagem gráfica que a gente está usando no disco, na capa, no site e de vários desdobramentos que podem ficar interessantes. Tenho umas ideias de banda, de repertório, de cenografia, mas isso ainda está em segundo plano para mim porque estou muito mergulhada em outras questões. Por eu estar fazendo esse lançamento de uma forma que eu nunca fiz, muito independente, através do meu site, em um canal de comunicação muito direto, isso faz com que eu tenha que produzir muito mais conteúdo, como textos, respostas, vídeos. Eu acho que tudo que está sendo feito hoje, nesse sentido, é experimental. Não existe exatamente um formato que tenha se provado satisfatório, eficiente, até porque, se existir esse formato, ele vai se tornar insatisfatório muito rapidamente. Exige muito envolvimento da minha parte. Não posso simplesmente delegar isso, porque isso é muito pessoal. Eu ainda estou só sonhando com essas coisas do show. Vai ficar para o ano que vem.