quinta-feira, 30 de junho de 2011

Zé Limeira - o surrealismo no sertão

Stella Cavalcanti

Conheci a obra de Zé Limeira, repentista paraibano nascido em 1886, através da música "Se Zé Limeira Sambasse Maracatu", do grupo Mestre Ambrósio.

A letra contava uma história absurda, afirmando que, se Zé Limeira sambasse maracatu, o macaco teria juízo, jumentos tocariam corneta e cem anjos pernetas celebrariam um casamento. Fui pesquisar essa personagem capaz de criar tanta novidade. E foi assim que eu cheguei no livro Zé Limeira, o Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo.

Descrição afinada de uma época distante: o começo do século XX nos sertões do Nordeste. Zé Limeira criava seus versos surrealistas e ganhava fama pelas cidades, fazendas e povoados, ganhando desafios com raciocínio rápido e um repertório inigualável.

"Zé Limeira onde canta, todo mundo
Vai olhá bem de perto a sua orige,
Já cantei no sertão, no Céu da Virge
Sou doutô de meisinha, furibundo.
Viva o Reis, o Juiz, Pedro Segundo.
Sou a cobra que o boi nunca lambeu,
Sou tijolo da casa de Pompeu,
Peripércia da filha do Prefeito...
Hoje você me paga o que tem feito
Com poetas mais fracos do que eu!"

Rei dos versos decassílabos, soberano do martelo-alagoano... Zé Limeira não tinha par no Sertão. E era um homem rude e pobre, sem estudo, que encantava doutores, juízes, jornalistas, da mesma maneira que enchia as fazendas que visitava com o povo humilde a ouvir e decorrar seus repentes. Orgulhoso de seu ofício, não poupava elogios à sua arte:

"Zé Limeira quando canta
Estremece o Cariri,
As estrelas trinca os dentes
Leão chupa abacaxi
Com trinta dias depois
Estoura a guerra civi!"

Tudo se mistura, se combina, se rearranja e recria nos versos do poeta. É surrealismo avant-la-lettre:

"Napoleão Bonaparte
Saiu de dentro da grota,
Veio contar anedota
Prá seu Pedro Malasarte.
Dom Pedro teve um enfarte,
Tomou um chá de jumento
Vomitou, botou prá dentro,
Tornou goipar outra vez
Ás, dama, valete e reis,
Diz o novo testamento!"

Certa vez, ao se aproximar da igreja, numa noite sem lua, Zé Limeira foi avistado pelo vigário, que, assustado, perguntou: "Quem vem lá? É de paz?"

"Quem vem lá é Zé Limeira,
Cantor de força vulcânica,
Prodologicadamente
Cantor sem nenhuma pânica
Só não pode apreciá-lo
Pessoa semvergonhânica!"

Em outra ocasião, o escritor Manoel Otaviano anotou estes versos de Zé Limeira:

"Se tu for na minha casa,
tem capim pro seu cavalo.
Se chegar um filósofo
Eu mando fotoigafá-lo
Se chegar um fotóigafo,
Eu mando filosofá-lo"

Meu apreço pelo poeta só não é maior que minha ignorância :)
Não sei fazer artigo nos conformes das universidades, minha bibliografia é um livro só. Para demonstrar o caráter singular das palavras de Zé Limeira, segue um trecho do desafio feito a Antônio Barbosa, na fazenda Paraíso:

Zé Limeira:

"Eu canto no Paraíso,
A dezenove do mês
A castrapole da noite
E do saci pererês,
Vocês vão me desculpando,
Que eu sou poeta francês!"

Antônio Barbosa
"É esta a primeira vez
Que eu canto no Paraíso
Para Severino Ramos
Homem de muito juízo,
Por isso, bonitos versos
Improvisar eu preciso!"

Zé Limeira
"Peço licença ao truliso
Dos olbús das periférias
Dos chuás das pontilíneas
Dos chomotós das matérias
Das grotas dos veluais
Das mimosas deletérias!"

Depois da saudação aos donos da casa, os cantadores recebem um mote* para inspirar sua glosa*.

"Quer saber quanto custa uma saudade?
Tenha amor, queira bem e viva ausente!"

 *Glosa é uma forma de poema utilizada pelos poetas do Nordeste do Brasil, principalmente os cantadores, em forma de uma ou mais décimas (estrofe de 10 versos) que respondem a um desafio, expresso em forma de mote.
O mote é, geralmente, um dístico, ou seja, composto por dois versos, normalmente usado no final da glosa. (fonte: Wikipedia)

Antônio Barbosa:
"Saudade é uma palavra tão mimosa
Que só cabe nos cânticos de amor...
Quando a gente se torna um sonhador
Pronuncia saudade em cada glosa,
É tão bela que a lira de Barbosa
Decantá-la tentou inutilmente...
É um espinho que fura a alma da gente
Deixando o coração pela metade...
Quer saber quanto custa uma saudade?
Tenha amor, queira bem e viva ausente!"

Zé Limeira
"No sereno sertão da Palestina
Eu cantava num Dia de Finado
Uma vaca pastava no cercado,
Um macaco comia uma menina,
Um sargento chegava numa usina
Um moleque zarôi vendia pente,
Um cavalo chinês trincava os dente,
Uma zebra corria atrás dum frade...
Quer saber quanto custa uma saudade?
Tenha amor, queira bem e viva ausente!"

Antônio Barbosa
"Eu comparo a saudade com um barquinho
Solitário, perdido no alto mar
Sob os raios de prata do luar
Entre as ondas que fazem seu caminho
Mesmo assim, sem roteiro e tão sozinho
É o poeta que canta, e chora e sente...
Quanto mais a saudade mata a gente
Mais a gente se inspira de verdade...
Quer saber quanto custa uma saudade?
Tenha amor, queira bem e viva ausente!"

Zé Limeira, para deleite dos presentes, encerra o desafio de forma genial

"Zé Limeiera é meu nome do amor santo
Pinga fogo, caboco do Tauá
Papagaio, cantiga de imbuá
Papavento, cristão por todo canto
Casamento, tacaca, salamanto,
Carnaval, muçambê e Tiradente,
Um macaco, um Prefeito e dois Tenente
Quatro bode, um fuzil, mais a metade...
Quer saber quanto custa uma saudade?
Tenha amor, queira bem e viva ausente!"

Depois de uma boa noite de cantoria, Antônio Barbosa se recolhe, derrotado. E Zé Limeira não deixou a festa acabar:

"Tem nada não, pessoal. Enquanto Mestre Barbosa geme e toma meizinha, eu canto no seu lugar. É por isso que eu digo: cantador prá cantar com este negro velho é preciso ter fôlego de sete gato!"

Em 1954, morreu vitimado por um enfarte, após cantar a terrível história da Pavoa Devoradora, causa das desgraças da terra, dos vulcões e do dílúvio. Morreu sabendo que ia morrer, pois quebrou a tradição que o proibia de dizer estes versos antes da meia-noite - mas, pressionado pelo dono da casa onde se apresentava, não pôde negar o pedido. Mesmo ressaltando que cantar a história da pavoa antes da hora era proibido pelo Alcorão, rezou para Padre Cícero e enfrentou seu destino.

Morreu no caminho de volta para casa, fulminado no lombo do cavalo, com sua viola a tiracolo.


"Sou um caboclo moderno, foi-não-foi eu tou pensando..."

É de Zé Limeira o meu verso preferido, um primor de contradição e doçura:

"No dia em que eu me zangar
Mato você de carinho!"

No youtube:
Se Zé Limeira Sambasse Maracatu - Mestre Ambrósio
Uma homenagem do grupo ao cantador

Zé Limeiriando - Zé Ramalho e Beto Brito
Versos de Zé Limeira musicados por Beto Brito

Bibliografia:
Zé Limeira, Poeta do Absurdo
Orlando Tejo
Cia. Pacífica, 1997

quarta-feira, 29 de junho de 2011

SUPERUNIVERSIDADE DE CAXAMBU: OS CAMINHOS

                           Imagem google

O deputado federal Reginaldo Lopes, juntamente com o reitor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) Paulo Marcio Faria, se reuniram ontem, 27, em Belo Horizonte, com o superintendente do Patrimônio da União, Rogério Veiga Aranha, para discutir a cessão do espaço onde será implantada a multiuniversidade em Caxambu.
O parlamentar foi responsável pela articulação política que resultou na criação de um consórcio inédito entre sete Instituições Federais de Ensino Superior (UFLA, UNIFAL, UFOP, UNIFEI, UFSJ, UFJF e UFV). A ideia é que a escola desocupada Venceslau Brás em Caxambu seja sede da multiuniversidade. De acordo com Lopes, a nova instituição já recebeu um investimento do Governo Federal de R$ 20 milhões para a reforma do prédio e a presidente Dilma Rousseff acaba de liberar os professores.
“Caxambu foi escolhida para sediar por se encontrar no meio do caminho de todas as outras Universidades, além disso, tem um potencial hidromineral que está completamente subaproveitado. Queremos criar uma rede de ensino superior e um centro de pesquisa com aplicabilidade no desenvolvimento da região”, explicou o deputado.
Rogério Aranha afirmou que é possível fazer um termo de cessão de espaço por 30 anos renováveis, mas que é preciso uma solicitação formal assinada pelas sete Universidades. O reitor Paulo Márcio contou que até agora quatro instituições já aprovaram a entrada no consórcio. “Acredito que em até 30 dias os demais conselhos universitários restantes tenham aprovado a participação e apresentaremos a solicitação formal”, disse o reitor.
“Para nós é uma satisfação saber que aquele imóvel grandioso terá essa utilidade importantíssima”, acrescentou Aranha.


Hoje a Escola de Música da Prefeitura funciona na Escola Venceslau Brás para onde virá o Consórcio de Universidades


este é o pátio interno da Escola Venceslau Brás

terça-feira, 28 de junho de 2011

QUITANDA DA VIDA XXXIII

Por Telinha Cavalcanti

Gente, pelamor, que frio é esse? Nessas horas o nosso buchinho pede um bolo bem gostoso, com cara de junho, para aquecer o coração...

Bolo de macaxeira com coco (ou aipim, mandioca...)


Ingredientes:

1 kg de macaxeira ralada grossa
500ml de leite de coco
3 ovos
2 colheres de sopa de manteiga
2 xícaras de açúcar
1 xícara de farinha de trigo
1 lata de leite condensado

Como fazer

Tire a casca e rale a macaxeira crua no ralo grosso - pode ser no processador de alimentos, claro, assim você protege seus dedinhos.
Bata todos os ingredientes no liquidificador e despeje numa forma untada e polvilhada com farinha de trigo. Leve ao forno médio pré-aquecido por no mínimo 45 min.


Mais fácil que isso? Só comer o bolo todo... :D

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Invenção de Jorge

Por Dade Amorim


Jorge de Lima. Invenção de Orfeu. São Paulo: Círculo do Livro, s.d. 382p.

“Biografia épica, biografia total
não uma simples descrição de viagem ou
de aventuras. Biografia com sondagens;
relativo, absoluto e uno.
Mesmo o maior canto é denominado –
Biografia.”

O texto acima é uma espécie de prólogo acrescentado à mão pelo autor, assim como as notas que a edição reproduz nas margens do texto. Jorge de Lima entregou seu original ao amigo Murilo Mendes para uma leitura preliminar. Murilo, autor da nota que abre a edição, teve uma espécie de choque ante esse poema grandioso e complexo, onde tudo cabe. Na verdade, a biografia épica e total é como a própria vida, só que revisitada por uma linguagem que dá conta da multiplicidade com grande beleza e harmonia. A performance do autor é ainda mais notável quando se leva em conta que existe aqui uma narrativa histórica registrada nas cores e imagens da fantasia, paralela a uma outra, intimista, que a leitura do poema dá a perceber.

Vida e calor transpiram dos versos de Jorge de Lima até os limites de um certo escândalo. Talvez pela visão múltipla, fantástica, às vezes de imagens delirantes. Ou pelas associações desconcertantes, pelas metáforas e figuras inesperadas que se justapõem, orquestradas pela música dos poemas, que nos dão a impressão de uma avalanche poética. O barroquismo com que Jorge encadeou seus temas, as expressões fortes dos versos, a vitalidade que permeia toda a obra têm alguma coisa de súbito, embora rigorosamente equilibrados no conjunto. Pela harmonia com que cada tema se associa ao seguinte, sem perder o valor intrínseco, Jorge de Lima nos deixou uma sinfonia em palavras.

Foi também providencial, para conseguir essa vitalidade, que ele abrisse mão das formas métricas parnasianas que predominavam em suas obras anteriores. O alento de saberes, fantasia e memórias servem-se da linguagem mais livre para produzir uma série em que a realidade se alia ao sonho. A leitura de Invenção de Orfeu deixa na boca um gosto de paraíso perdido, da decadência como traço significativo da arte e da vida, estreitamente unidas no poema. É essa a vertente dominante que garante a biografia total e suas sondagens, a reunião de relativo, absoluto e uno, como propõe o subtítulo do livro ou prólogo proposto pelo autor. Nada se subtraiu desse poema, onde se abriram trilhas para a vida na integralidade de sua beleza possível, na especificidade de suas agruras e gozos. O poeta não foge, não se furta a nada e não se poupa, mas se entrega todo inteiro em sua reinvenção pela palavra.

COLUNISTAS DA BANDNEWS FALAM SOBRE TEXTOS DE VERA GUIMARÃES NO PF

É o seguinte: recebemos email da Vera Guimarães que nos conta que sua filha Laura, que mantinha o blog motherncom Juliana Sampaio, que depois virou livro e uma série da GNT - e hoje, "a Laura, minha filha, alterna com a Juliana Sampaio, companheira dela no Mothern, uma coluna na rádio BANDNEWS BH", disse Vera, e nos passou o texto: depois vocês poderão acessar o link abaixo para ouvir o que a Laura Guimarães falou sobre a mãe, Vera. Aqui, o texto: "Há quase dez anos, quando nossas filhas ainda eram bem pequenas, Juliana Sampaio e eu criamos um blog para falar da vida de mãe. Foi muito bacana compartilhar a experiência da maternidade com várias outras mulheres, interessadas no mesmo assunto. O tema das conversas era, quase sempre, bebês e crianças. Meu filho comeu isso, minha filha fez aquilo. E todas as mães eram, quase sempre, muuuito corujas.

JULIANA LAURA
Laura Guimarães Corrêa e Juliana Sampaio
Foto: Rádio Band News BH 89,5
Mas hoje é dia de corujice ao contrário. É que, há alguns meses, minha mãe, Vera Guimarães, começou a escrever crônicas deliciosas num jornal online chamado primeira fonte. Num tom memorialista, mas não muito saudosista, ela escreve na coluna Senhora do Tempo sobre costuras, sobre comidas, sobre armazéns, sobre trens, sobre rádios, sobre museus, sobre o grupo escolar onde estudou, sobre a cidade em que nasceu. Os textos falam não só das suas lembranças, mas de um tempo, de um lugar e de modos de viver que vão mudando. Assim, no meio dessas crônicas, lendo sobre o passado, a gente aprende sobre história, economia, cultura, costumes.

Além dessas crônicas, ela ainda escreve na coluna 84, Charing Cross, sobre sentidos, impressões e reflexões sobre os lugares por onde anda hoje em dia.

Ela mora em outra cidade e eu, daqui, acho um privilégio ler dessa mulher aquilo que ela não teve tempo de me contar, nem eu tenho tido muito tempo pra ouvir. Eu sei que sou suspeita e coruja, mas mesmo assim recomendo a visita à dona Vera no primeira fonte ponto blogspot ponto com.

Eu sou Laura Guimarães Corrêa e você ouviu Tempos Modernos."

Ouça aqui:

E depois, disto só nos cabe recordar um Senhora do Tempo já postado para que possam, com a Laura e com todos nós, dizer Amém! ao texto da Vera Guimarães.


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Breve observação: Caro(a) leitor(a), caso queira ler todas as colunas, escreva no campo de pesquisa no lado esquerdo do jornal, no alto da página o nome de Vera Guimarães. Ou o nome das seções: Senhora do Tempo e/ou 84, Charing Cross. E boa viagem!


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SENHORA DO TEMPO. COSTUREIRAS E ARMARINHOS


Por Vera Guimarães

Lana Lobell Catalog - Summer 1964
Catálogo de Verão 1964
Imagem: Flickr
Instigada pela amiga Fal, comecei a pensar no assunto: como nos vestíamos em 1940, 1950, 1960?

No interior de Minas, onde eu vivi até meus 18 anos, completados em 1960, não existia roupa pronta para comprar. Nossas roupas eram feitas sob medida, por alguém de casa ou por costureiras, moças e senhoras habilidosas que viviam de transformar tecidos e linhas em nossos sonhos e desejos.  No meu caso, minha irmã mais velha, que já se foi deste mundo, era costureira profissional e também fazia nossas roupas, até ela se casar.

No geral, as costureiras faziam todo tipo de vestimenta, mas algumas se dedicavam a alguma especialidade: havia as que faziam roupa de festa, havia as camiseiras, as que faziam calças compridas (slacks), as que faziam roupa de cama...

Até nossas calcinhas e soutiens eram feitos por costureiras. Os soutiens eram feitos de algodão firme, pespontados para ficarem ainda mais firmes, acolchoados com algum material próprio e quase tão pontudos como os do Jean-Paul Gaultier consagrados por Madonna. As calcinhas eram abotoadas de lado, obrigando-nos a uma ginástica para entrar nelas e delas sair. Éramos jovens e flexíveis.

As modistas, outro nome para costureiras, geralmente trabalhavam em suas próprias casas. Nossa irmã costurava num cômodo separado da casa, um barracão ensolarado, de onde soava a cadência da velha máquina de costura PFAFF e de onde saía seu alegre cantar. Sempre achei uma delicia chegar a um desses lugares, cheios de cortes de tecidos, caixas de aviamentos, linhas coloridas, fitas métricas, moldes, vestidos alinhavados em manequins, fiapos pelo chão, e principalmente os figurinos, ah, os figurinos! Meus preferidos eram os Lana Lobell, americanos, que exibiam moças esguias, em vestidos rodadíssimos e cheios de graça, que tentávamos imitar.

Alceu Penna
Foto: Blog Zaz
Além dos figurinos, nossas fontes de inspiração ou cópia eram o cinema e a revista O CRUZEIRO, onde reinava soberano o imortal Alceu Penna, cujas garotas, encanto dos encantos, eram meu ideal de aparência e, principalmente, de atitude perante a vida: esportivas, bem humoradas, soltas, enturmadas, articuladas, tudo o que eu sonhava para mim.

Escolhido o modelo e o tecido adequado ao modelo, definida a metragem , a tarefa agora era ir às compras. Havia muitas, mas muitas mesmo, lojas de tecidos. Minha mãe tinha suas preferidas, fosse pela variedade, simpatia das vendedoras, preço bom, facilidade de pagamento. Eu adorava acompanhá-la nessas expedições de caça ao tesouro. Se a ocasião - uma formatura, um casamento - exigisse algo mais sofisticado, até se considerava a hipótese de uma ida a Belo Horizonte, onde nos maravilhávamos com o tamanho e o estoque da Casa da Sogra ou da Copacabana Tecidos. 

Comprar tecidos nos introduzia num mundo de vocabulário precioso: cetim, cetim de algodão, gorgurão, fustão, tricoline, tafetá, organza, organdi, laise, seda-pura, veludo, shantung, changeant, chiffon, mousseline, crêpe, cambraia, renda valenciana, renda marescot, renda guipure...

Definir com exatidão o que queríamos implicava o uso de um jargão e falávamos com propriedade sobre blusado, enviesado, nesga, manga japonesa, manga fofa, manga ¾, redingote, godet, evasé, plissé, chemisier, palavras que, ademais, nos familiarizavam com a língua francesa.

A confecção das roupas demandava no mínimo duas idas à costureira: tirar medidas e fazer a prova. Dependendo do grau de detalhismo da freguesa ou da profissional, essas provas viravam duas ou três. Finalmente, a emoção de sair da costureira carregando a preciosa carga envolvida em papel de embrulho – lembro-me direitinho dos tons de rosa, verde, amarelo ou azul desses papéis -, fechada nas laterais com alfinetes, por supuesto.

Lá pelo fim da década 1950, começaram a chegar à cidade as lojas de roupas prontas, as confecções, onde comprávamos principalmente roupas de malha, lingerie, as meias e os agasalhos para a escola. Nada muito sofisticado.

Mas, ah, sofisticado, comprado pronto e certamente importado foi o que uma de minhas irmãs ganhou dos patrões, num natal: um conjuntinho de ban-lon, malha macia como eu nunca havia tocado, num amarelinho pastel encantador, aquela coisa mais linda que só se via nas revistas e nem ao menos se podia copiar.  

Deve ter sido por aí que começou o domínio das confecções, que investiam no que não podia ser copiado, ao mesmo tempo em que valorizavam suas marcas, suas logomarcas, e assim deslocavam das salas das modistas para as novas lojas o objeto do nosso desejo.

Sei que aos poucos fomos abandonando as costureiras. Guardo delas, e de tudo que cercava seu ofício, lembranças carinhosas.  

Ah, os armarinhos do título? Ficam para uma próxima conversa.






domingo, 26 de junho de 2011

SENHORA DO TEMPO. POR CAUSA DE UMA ANTIGA FOTO, NAS VOLTAS QUE O TEMPO DÁ

Por Esther Lucio Bittencourt

Da esquerda para direita: Vera Lucio Bittencourt,
Terezinha Avellar Duarte e Esther Lucio Bittencourt

No início deste mês, estive no Rio de Janeiro e, minha irmã Vera, deixou-me fazer foto das fotos que ela guardava. E aqui estamos nós, após a II Guerra Mundial, a vida mais calma, sentadas no ressalto do muro da casa de nossa avó materna, América. Claro que durante duas gerações moças da família receberam o nome do continente que nos acatara, em agradecimento.

Estamos nesta foto, Vera, a de cachos louros e a maior de todas, apesar de ser a mais nova, Terezinha, filha de meu padrinho Gerson e de sua mulher Zita, e eu, com dois laçarotes na cabeça baixa, os pés tímidos, um desejando esconder o outro, a mais velha, com um ano, dois anos de diferença das duas.

Vera hoje está no hospital, fazendo pequena intervenção; eu, em casa, aguardo notícias e Terezinha, a última vez que soube dela foi na missa de sétimo dia de meu padrinho e tio Gerson. Estávamos prontos para a missa quando entra um batalhão de choque da polícia fluminense com metralhadoras e o que mais de direito. Em seguida, ela vem escoltada. Foi a pessoa que condenou o traficante Fernandinho Beira Mar e estava ameaçada de morte por todos os lados. O antigo nome dela eu sei; Maria Tereza Duarte de Avellar.

Enquanto Vera brincava, e hoje nos goza por isto, - Vera mantém contato com ela - nós duas estudávamos como desvairadas. Um pouco por amor, outro tanto, por obrigação. Hoje baixei as fotos que vieram na minha câmera e olhei para esta com cuidado, amor, saudades, encantada com as nossas sandálias iguais, as minha e as de Vera, e nossos vestidos, iguais, de bolero bordado, me parecem.

Devíamos ter que idade? Nem lembro, pois não fotografei as costas da fotografia onde papai anotava a data de cada uma delas, minuciosamente.


Minha mãe deu à luz, ao todo, a sete filhos. Zita, teve mais um; Vitor Cesar de Avellar Duarte, que é professor e pesquisador na área de matemática na UFF.

O tempo passou, e acabei de ter notícias de Vera. Ela está bem e a filha, Cristina, aguarda que o médico passe no quarto para lhe informar sobre o procedimento. O anestesista já esteve lá.

Martha, que não está nesta foto, pois não havia nascido ainda, e que operou a coluna no início deste mês, estava pela manhã sentada num banco de madeira verde, no Campo de São Bento, em Niterói, acompanhada dos netos e da filha Aline, tomando sol, e torcendo por Vera. Dentro de um mês estará em Portugal, onde  ficará até o fim do ano, com a filha que mora lá, a Bia, e conhecer o novo neto.

Devíamos ter, nesta foto, eu 4 anos, Vera 3 e Terezinha 2,5. Por aí.
O tempo passou...

sábado, 25 de junho de 2011

84, CHARING CROSS. EU E OS MUSEUS

Por Vera Guimarães

Ultimamente tenho tido uma gastura de museus de arte! Tenho gostado de conhecer e visitar outros tipos de museus, os museus de tecnologia, os museus-casa de alguém, os museus pequenos.



A antiga  Cedro é uma pequena cidade no interior de Minas, vizinha da minha Sete Lagoas. Então eu cresci sabendo da existência da fábrica de tecidos, parentes meus lá trabalharam, comprávamos tecidos da Cedro-Cachoeira, eu cheguei a conhecer a linda vila onde moravam alguns funcionários.

Em Greenwich e seus museus (o Royal Greenwich Observatory e o National Maritime Museum) fico estupefata com o esforço e o engenho da humanidade e presto reverência a todos os homens e mulheres que se empenharam a desvendar os mistérios da medição do tempo e do espaço.

Os museus-casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo, e a Orchard House da familia March, em Concord, Massachusets, de que já falei, encheram de calor meu coração.

Digo pra mim mesma que não quero mais ir a nenhum museu de arte. Não sou especialista nem estudiosa de arte, não sei distinguir estilos, escolas, efeitos, técnicas. Acho cansativo o percurso das galerias, aquilo tudo num mesmo lugar é uma overdose de informação para minha pobre cultura artística. Se vou sozinha, sei que estou olhando sem ver. Se vou com guia, me canso, apesar de saber que são eles que me abrem a percepção. Os audioguides talvez sejam um meio-termo possível, mas nem sempre estão disponíveis.

Partindo de Helsinqui para São Petersburgo, enquanto esperávamos nosso trem, uma pessoa do grupo me disse que estava ansiosa para chegar ao Hermitage e que o objetivo dela era ver um único quadro, um determinado quadro. Achei aquilo tão pretensioso, me deu uma preguiça, mentalmente revirei os olhos com descrença. Uma das poucas pessoas que conheço que podem falar algo assim a respeito de alguma obra é a Fal. Como não conhecia a interlocutora direito, descri. E nem me lembrei mais da conversa. Até chegar diante do quadro, este aqui: 
  
Rembrandt Harmenszoon van Rijn
A volta do filho pródigo
c. 1662 (210 Kb); óleo sobre tela, 262 x 206 cm;  Hermitage, St. Petersburg
Olhei com estranheza para a tela, achei esquisita aquela cabeça do moço, aquele rosto está fora de lugar. Mas aos poucos fui sendo docemente conduzida para dentro da cena e deixei de ouvir o que a guia falava, parei de me incomodar com a multidão em torno, nem liguei para o detalhe de uma mão masculina e outra feminina, a luz em três pontos, nada disso importava, como não importava o tamanho da cabeça do moço, eu só via a inclinação da cabeça do pai e a linha do pescoço do filho. E isso bastava para definir o arrependimento e o perdão e eu chorei muito, chorei muito. E aí entendi o que acontece com a Fal quando ela sai correndo do Prado ao ver Guernica.

Nem depois disso fui com boa vontade para o Tretyakov, em Moscou. Posso até não ir com com boa vontade ao museu, mas também não desperdiço o ingresso: presto atenção a tudo, vejo tudo. E o que vi desmentiu minha gastura com museus, o que vi me encantou, me emocionou, me surpreendeu.

Pavel Tretyakov se dedicou a descobrir, incentivar e patrocinar unicamente artistas russos. Ele tinha um faro excepcional para pinçar entre os muitos artistas itinerantes - os melhores - aqueles que ficam. Reuniu uma fabulosa coleção de pinturas, desenhos e esculturas, que estão agora  nesse lindo palacete-galeria.

Se eu esperava, ao ouvir falar em arte russa, uma arte panfletária e pragmática, fui agradavelmente surpreendida. Eu não imaginava que pudesse ficar tão interessada nos retratos clássicos, que me pareceram até mais cheios de vida que os franceses da mesma época. As paisagens e as cenas de batalhas são maravilhosas. São comoventes os registros da vida comum, das diferenças de classe, da  miséria e das lutas que antecederam a revolução de outubro.

E ali, diante de Ivan, dito o Terrível, mas parece que não era bem assim, ou não era apenas assim, com seu filho ensangüentado, ferido pela ira do próprio pai, àquela hora inutilmente arrependido, chorei de novo.

Ilya Efimovich Repin, 1885
Ivan o Terrível e seu filho Ivan em 16 de Novembro de 1581
Óleo sobre tela, 199,5 x 254cm – Tretyakov Galeria, Moscou
E agora, o que que eu faço com minha gastura pelos museus de arte? Acho que me resta, como ao Alan, de Two and a Half Man, quando viu numa livraria todos aqueles livros que não havia lido nem nunca mais leria, ter um ataque. A mim igualmente não resta tempo.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A NÃO ÓPERA NA CAVERNA

Por Lilian Zaremba



Steve Reich



O que você faria se estivesse preso em uma caverna escura ?
Essa pergunta é antiga e adquire inúmeros significados com o passar dos séculos. No que pode ser a origem desta história, saída de um escrito de Platão, até chegar aos dias de hoje encaixadas no discurso sobre imagens virtuais e simulacros criados pelas novas tecnologias de comunicação, esta Caverna já dobrou milênios.
O compositor Steve Reich, está entre os artistas e pensadores contemporâneos inspirados pelo episódio descrito em texto na Bíblia e no Alcorão, criando em 1994 sua própria Caverna.

Na caverna com Steve



O norteamericano Steve Reich, considerado um dos principais compositores contemporâneos, reuniu-se em 1989 a Beryl Korot para começar a escrever sua obra “A Caverna”. Os dois levaram cerca de quatro anos para completar este trabalho que finalmente foi levado a cena em 1994, em Nova York.

O espetáculo, em três atos, reune quatro cantores solistas, quatro percussionistas três pianistas/tecladistas; violino, viola e violoncelo; e ainda flauta, oboé, corne inglês, clarineta e clarineta baixo. Ou seja, não se trata de uma orquestra de ópera tradicional.
A cena concebida por Reich e Korot também nada lembra a tradicional ópera: no palco semi- iluminado, a platéia distingue instrumentos e cinco telas com a projeção de texto e imagens em vídeo multi-canal, recurso que ainda era novidade na época em que foi concebido este trabalho.
Na verdade Beryl Korot, desde os anos 70 já vinha experimentando instalações em multi-canais com a tecnologia de filmes. No trabalho de “A Caverna”, segundo Korot ...
... depois que Steve me deu o áudio com a música, escolhi cinco telas, intercalando diferentes textos, mas mantendo uma unidade de forma que você pudesse ler tudo junto, como um só.

Ópera ou não ópera

Embora Steve Reich não mencione a palavra “ópera”, para classificar este seu trabalho, nas salas de concerto e nas estantes das lojas de música, está assim rotulada sua “A Caverna”.
Controvérsias existem.
Algumas dizem respeito a importância deste trabalho de Reich na cena contemporânea. Outras questionam a seleção deste trabalho como um dos mais representativos do autor ... mas todos parecem concordar que Steve Reich é hoje, na área da música de concerto, um dos compositores mais ouvidos, assistidos e , cultuados...e afinal, nesta nossa “caverna” plugada digitalmente tentamos entender este ganho de velocidade contemporânea que parece, segue nos colocando naquela outra caverna bíblica...

sugestão de escuta :

“A Caverna” , baseada neste episódio bíblico. Os dois primeiros atos formam compostos em 1989 e 1991, na cidade de Jerusalém. O terceiro ato, na verdade uma ampliação de certas passagens do I e II, foi finalizado em Nova York, 1992. A gravação realizada por Steve Reich Ensemble sob regencia de Paul Hillier.


A Cavarna Do Patriarca, em Israel









Mais sobre Steve Reich

Proverb

quinta-feira, 23 de junho de 2011

GENTE HUMILDE. JOÃO QUALQUER

Por Ana Laura Diniz

Moradores de rua no Centro de São Paulo
Foto: Google Images
O nome de cartório é João Bastos da Silva, “mas pouco importa”. Ele se denomina João Qualquer. Apesar da pinga diária, seus 57 anos parecem 45. “É a cor que ajuda, dona. Não dizem que nêgo quando tinta (o cabelo) tem 130? Mas pouco importa”.

Sim, para João Qualquer pouco importa se faz sol ou chuva, frio ou calor. “Sou um homem livre, e só isso importa.”

Há oito anos é “morador de rua, porque mendigo é outra coisa”. Conversador, ninguém acreditaria em tanto verbo um dia antes. Esticado no chão, João era observado por um varredor de rua. “Sempre olho pra ver se o sujeito tá vivo ou morto. Pior que às vezes vomita enquanto dorme e morre até engasgado”, disse Tobias, enquanto varria a calçada ocupada por João.

Pelos olhos e a fala arrastada, notava-se que Tobias também bebera. Talvez no mesmo bar de João, talvez em outro qualquer.

Negou-se a tirar foto porque garantiu que não tinha o melhor ângulo. “Vivo de costas para o mundo e para a vida, que é legal mesmo sendo um tormento”. Bebe até cair, porque aprendeu dessa forma espantar a dor. “Enquanto bebo, penso. Mas quando desmaio, nada mais incomoda, tudo se apaga e eu tenho momentos de paz”.

Ainda sóbrio e enrolado no cobertor que guarda durante o dia em bocas de lobo (bueiro), seu hálito à álcool pode ser sentido à distância, como que impregnado à pele. Tem sete dentes e a nicotina dança entre visíveis cáries. O cheiro de urina e de fezes denuncia dias e dias sem banho. Explica-se: a falta de banho é conduta normal na maioria das pessoas que vivem na rua por uma lógica simples — quanto maior a sujeira, menor o risco de abuso sexual.

Animado, João diz que gosta de ser brasileiro. “A gente apanha, mas pouco importa, a gente vai levando. Duro é passar fome. Pior ainda é se a pinga falta.” Durante o dia, pede esmola ou descola algum bico com os camelôs da Praça da Sé ou nos arredores do centro de São Paulo. É um homem sem RG, sem CPF, sem amor. Dinheiro não tem, embora registro na polícia colecione de montão. “Os caras fazem blitz e mandam todo mundo pro xilindró ou pro albergue, que dá no mesmo, porque só tem marginal”.

Seu português sofre com a falta de concordância, mas não falha ao dizer que “o Brasil é o país dos desesperados”. E não troca “problema” por “poblema”, “plobema”, “plobrema”, “pobrema” ou coisa parecida. “O problema está na falta de vontade das pessoa, dos governante. Que adianta mandar a gente pra onde não tem nada?”

João conta que invadira um prédio desativado no bairro da Vila Mariana, zona Sul, com mais oito famílias. Eram 45 pessoas distribuídas em cinco cômodos. O buraco do elevador transformaram em depósito de lixo, onde também aproveitavam para fazer suas necessidades. Conclusão: depois de três meses a vizinhança conseguiu que a prefeitura tomasse alguma providência. Todos foram desalojados e deslocados para “depois da Freguesia do Ó”, na zona Norte da cidade. “Saímos nós e os ratos”. O caso ficou famoso no bairro. Os funcionários precisaram usar máscaras especiais porque o lixo tomara até o quarto andar do prédio.

Há dois anos no centro, ele se diz feliz. “Aqui tenho a liberdade de ir e vir. Se caio hoje, levanto amanhã. E se cair e não levantar... o único problema é que não terei mais pinga pra tomar... mas aí... ah, já pouco importa”.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

RESPONSABILIDADE SOCIAL COMEÇA EM CASA

Ilustração: Google Images 
Por Ana Manssour

Esse assunto anda me perseguindo por todos os lados. Para onde me viro, dá-lhe responsabilidade social. Como cidadã e como Relações Públicas, sempre achei que as organizações deviam envolver-se e comprometer-se com a sociedade, procurando apoiá-las e auxiliá-las no seu desenvolvimento, da mesma forma como sempre achei que devem estar profundamente envolvidas com a salvaguarda do meio-ambiente e do ecossistema.

E, têm-se visto por aí muitas iniciativas louváveis, das mais diversas empresas. Paradoxalmente, observa-se, também, que várias dessas empresas que tanto “fazem o bem” para a sociedade em geral, muitas vezes esquecem de coisas básicas relativas ao seu próprio público interno, os funcionários. Fico com a impressão – para não dizer certeza – de que estão apenas querendo aparentar, mostrar para os outros como são bons e bonitos, quando, na verdade, por dentro, estão mais para ruins e feios.

Isso me faz lembrar um velho ditado do tempo da minha avó: - por fora flores e rendas, por dentro forofofó. Voltamos ao básico. O que importa é o conteúdo e não a aparência. Vale a intenção, a vontade de acertar, e não, necessariamente o sucesso, até porque todos sabemos que muitos erros e fracassos são o começo de um caminho de acertos.

Fica-se com aquela sensação terrivelmente desconfortável de que as empresas estão agindo como certas pessoas, mostrando uma cara para consumo externo, e outra para consumo interno. Sabem aquelas pessoas que achamos amáveis, educadas, simpáticas por anos a fio, e que depois descobrimos que em casa, com a família, são grosseiras, impacientes, desagradáveis e agressivas ao extremo?

Aprendi desde pequena que a gente tem que começar de dentro para fora, de casa para a rua. Às vezes o começo do processo pode se dar por algum evento externo, é verdade. Mas se não melhorarmos a nós mesmos, a maneira como nos relacionamos com as pessoas que nos são mais caras, os mais próximos, de nada adianta ficar sendo bonzinho para os outros. Mais dia, menos dia, a máscara vai cair.

Além do mais, qualquer pessoa sensata e com um mínimo de compreensão “das coisas da vida” (e para isso não é preciso formação universitária...) sabe que os funcionários de uma empresa são os principais responsáveis pela manutenção da vida de uma organização. É como o sangue em nossas veias. Se não temos sangue, não temos vida!

Então, não seria bem mais fácil, muito mais barato e eficaz se as organizações começassem a exercer a sua responsabilidade social dentro de casa? Ou seja, dando atenção à realidade dos seus funcionários, especialmente para aqueles que ganham salários mais baixos, têm menor formação escolar, moram em condições menos favorecidas?

É claro que não estou dizendo para não se preocupar com a comunidade, com a sociedade como um todo. Mas entendo isso como um segundo passo, quando os “de casa” já estão devidamente estruturados e vivendo, com suas famílias, em condições mais dignas de vida. Dessa forma, seria possível, inclusive, contar com os próprios funcionários como multiplicadores dessa consciência social e até como voluntários - de verdade, e não por imposição – em campanhas sociais.

A sabedoria popular sempre pregou que educação começa em casa, através dos exemplos. Isso vale tanto para a criação dos nossos filhos, em família, quanto para a sensibilização e conscientização dos funcionários, na empresa.

Por exemplo: - o que vocês faz em termos de responsabilidade social na sua casa? Em relação ao zelador, à faxineira, ao porteiro? Vamos começar por aí!