sábado, 25 de junho de 2011

84, CHARING CROSS. EU E OS MUSEUS

Por Vera Guimarães

Ultimamente tenho tido uma gastura de museus de arte! Tenho gostado de conhecer e visitar outros tipos de museus, os museus de tecnologia, os museus-casa de alguém, os museus pequenos.



A antiga  Cedro é uma pequena cidade no interior de Minas, vizinha da minha Sete Lagoas. Então eu cresci sabendo da existência da fábrica de tecidos, parentes meus lá trabalharam, comprávamos tecidos da Cedro-Cachoeira, eu cheguei a conhecer a linda vila onde moravam alguns funcionários.

Em Greenwich e seus museus (o Royal Greenwich Observatory e o National Maritime Museum) fico estupefata com o esforço e o engenho da humanidade e presto reverência a todos os homens e mulheres que se empenharam a desvendar os mistérios da medição do tempo e do espaço.

Os museus-casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo, e a Orchard House da familia March, em Concord, Massachusets, de que já falei, encheram de calor meu coração.

Digo pra mim mesma que não quero mais ir a nenhum museu de arte. Não sou especialista nem estudiosa de arte, não sei distinguir estilos, escolas, efeitos, técnicas. Acho cansativo o percurso das galerias, aquilo tudo num mesmo lugar é uma overdose de informação para minha pobre cultura artística. Se vou sozinha, sei que estou olhando sem ver. Se vou com guia, me canso, apesar de saber que são eles que me abrem a percepção. Os audioguides talvez sejam um meio-termo possível, mas nem sempre estão disponíveis.

Partindo de Helsinqui para São Petersburgo, enquanto esperávamos nosso trem, uma pessoa do grupo me disse que estava ansiosa para chegar ao Hermitage e que o objetivo dela era ver um único quadro, um determinado quadro. Achei aquilo tão pretensioso, me deu uma preguiça, mentalmente revirei os olhos com descrença. Uma das poucas pessoas que conheço que podem falar algo assim a respeito de alguma obra é a Fal. Como não conhecia a interlocutora direito, descri. E nem me lembrei mais da conversa. Até chegar diante do quadro, este aqui: 
  
Rembrandt Harmenszoon van Rijn
A volta do filho pródigo
c. 1662 (210 Kb); óleo sobre tela, 262 x 206 cm;  Hermitage, St. Petersburg
Olhei com estranheza para a tela, achei esquisita aquela cabeça do moço, aquele rosto está fora de lugar. Mas aos poucos fui sendo docemente conduzida para dentro da cena e deixei de ouvir o que a guia falava, parei de me incomodar com a multidão em torno, nem liguei para o detalhe de uma mão masculina e outra feminina, a luz em três pontos, nada disso importava, como não importava o tamanho da cabeça do moço, eu só via a inclinação da cabeça do pai e a linha do pescoço do filho. E isso bastava para definir o arrependimento e o perdão e eu chorei muito, chorei muito. E aí entendi o que acontece com a Fal quando ela sai correndo do Prado ao ver Guernica.

Nem depois disso fui com boa vontade para o Tretyakov, em Moscou. Posso até não ir com com boa vontade ao museu, mas também não desperdiço o ingresso: presto atenção a tudo, vejo tudo. E o que vi desmentiu minha gastura com museus, o que vi me encantou, me emocionou, me surpreendeu.

Pavel Tretyakov se dedicou a descobrir, incentivar e patrocinar unicamente artistas russos. Ele tinha um faro excepcional para pinçar entre os muitos artistas itinerantes - os melhores - aqueles que ficam. Reuniu uma fabulosa coleção de pinturas, desenhos e esculturas, que estão agora  nesse lindo palacete-galeria.

Se eu esperava, ao ouvir falar em arte russa, uma arte panfletária e pragmática, fui agradavelmente surpreendida. Eu não imaginava que pudesse ficar tão interessada nos retratos clássicos, que me pareceram até mais cheios de vida que os franceses da mesma época. As paisagens e as cenas de batalhas são maravilhosas. São comoventes os registros da vida comum, das diferenças de classe, da  miséria e das lutas que antecederam a revolução de outubro.

E ali, diante de Ivan, dito o Terrível, mas parece que não era bem assim, ou não era apenas assim, com seu filho ensangüentado, ferido pela ira do próprio pai, àquela hora inutilmente arrependido, chorei de novo.

Ilya Efimovich Repin, 1885
Ivan o Terrível e seu filho Ivan em 16 de Novembro de 1581
Óleo sobre tela, 199,5 x 254cm – Tretyakov Galeria, Moscou
E agora, o que que eu faço com minha gastura pelos museus de arte? Acho que me resta, como ao Alan, de Two and a Half Man, quando viu numa livraria todos aqueles livros que não havia lido nem nunca mais leria, ter um ataque. A mim igualmente não resta tempo.