segunda-feira, 20 de junho de 2011

VIVA NOSSA LITERATURA

Por Dade Amorim

João Ubaldo Ribeiro. Viva o povo brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. 700 p.


Um país que conta com autores do quilate do itaparicano João Ubaldo Ribeiro não precisa se preocupar com seu lugar no mundo das letras. Assim como um povo que inspira um livro como Viva o povo brasileiro pode ter certeza de que, mesmo injustiçado, mal servido de líderes políticos, usurpado e vilipendiado como tem sido pelos séculos afora, tem tido ao menos grandes e solidários analistas: Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Antonio Callado e João Ubaldo, por exemplo. Gente capaz de encarnar num livro as dores e atrocidades, a incompreensão e a injustiça de um regime social que, a serviço da crueldade, tornou impossível ou simplesmente extinguiu a vida de tantas pessoas.

Tem havido vários outros, eu sei; mas aqui falo de Ubaldo e sua obra antológica e – como diz Geraldo Carneiro em seu prefácio – fundadora. Fundamental, digo eu, para que se compreenda e se aprofunde o conhecimento histórico e antropológico do Brasil e da formação de sua gente. 

A existência de autores como João Ubaldo não serve de consolo nem corrige de imediato todas as iniquidades. A idéia porém não é essa. Se ninguém levantasse a voz – e com tal potência – nem deixasse documentos assim; se tanta miséria, covardia e crueldade ficassem sem outro registro que os dados oficiais, omissos, obscuros, impessoais, como esperar alguma resposta, mesmo lenta? O que acontece tem que deixar ecos, porque sem eles tudo se esquece no silêncio da história. E até para falar da beleza e das qualidades desse povo incrível, de suas crenças, da pureza que ainda marca os hábitos cotidianos, para entender seus valores, é preciso conhecer os episódios e a crueza do processo de sua formação.  

Depois de muitos anos, reli Viva o povo, e novamente me espantei diante da riqueza barroca de seu estilo, da linguagem a um tempo esfuziante e precisa com que nos transporta a tempos e lugares estranhos para nós. É um livro cheio de vida, de uma visão irônica e dolorida de um tempo que se estende sobre séculos. São personagens cujas vozes ouvimos ainda, que nos cercam em seus alpendres, nas salas dos ricaços, em clareiras no mato, em quartos e senzalas; são fatos que ainda repercutem em nossa carne de agora, e que explicam tanta coisa sobre as dores persistentes de nosso tempo.

Viva o povo brasileiro não é apenas uma obra-prima literária. É também uma obra-prima de brasilidade, além de uma demonstração irrefutável da teoria da pedrinha na água e seus atavismos.