domingo, 3 de março de 2013

SENHORA DO DESTINO: DIVIDINDO A CONTA

Vera Guimarães


Em meados da década de 1950, época do Plano de Metas de JK, em plena expansão econômica, da substituição de bens primários por industrialização, expandiram-se também os agentes financiadores, entre os quais o Banco do Brasil. Meu irmão mais velho foi trabalhar na agência do BB em cidade próxima a Sete Lagoas. Assim que a família se instalou, fomos visitá-los minha mãe, a sogra dele com dois filhos e eu.


Numa das tardes, nós, as crianças, por puro desfastio e alguma gula, decidimos fazer uma vaquinha para comprar uma lata de leite condensado, maravilha das maravilhas que não dava sopa nas despensas comuns.

O leite condensado foi criado para complementar a alimentação dos soldados nas guerras. Aqui está um pouco da sua história. Até hoje é dos produtos mais queridos da mesa brasileira. Eu, ligeiramente diabética, quando sinto precisão de furar a dieta, transgrido logo com leite condensado. Já que é pra fazer algo errado, que valha a pena! Alguém se lembra desta embalagem?

Aí as crianças, aquelas lá de cima, começaram a negociação. Quanto custa uma lata? Quanto você tem? Somos três, então... Um deles, o menor, quando viu o montante que lhe caberia, disse que não entraria no rateio. Nós ainda avisamos que, então, ele ficaria de fora da degustação. Ele não deve ter acreditado. Nem os adultos, que já se divertiam com a história.  Mas não cedemos ao choro do menino e comemos/bebemos/lambemos nosso leite condensado inteirinho.

A história faz agora parte do anedotário da família e eu fico encabulada quando alguém faz troça e se lembra dela, até os próprios protagonistas. Sinto-me uma desalmada, coração de pedra, uma pessoa rígida e radical. Sei que me perdoam levando tudo à conta de sermos crianças.

Pois dia desses soube do seguinte: amigos do clube, uma turma de rapazes com idades em torno dos 70 anos, costuma se reunir em cafés, bistrôs depois do esporte. Pedem as bebidas, os petiscos e ali passam uma boa parte da tarde. Se um deles diz que não vai querer comer nada, ao escolherem o petisco alguém já dá logo o aviso: “Se pegar UMA batatinha, divide a conta!”

Estou perdoada, não estou?    



Imagem: Make Basiko