quarta-feira, 15 de agosto de 2012

MEDITAR E COÇAR: É SÓ COMEÇAR!



*Marco Antonio Santos Leite





Introdução

A cada dia, cresce, no Ocidente, o interesse pelas práticas meditativas, tanto nas pessoas em geral, como nos cientistas das mais variadas áreas de conhecimento. Esses últimos têm buscado compreender os efeitos da meditação, seja sobre o psiquismo humano, seja sobre as estruturas cerebrais. As primeiras empreendem tais práticas com os mais diversos objetivos, entre eles, a facilitação de conquistas materiais, a recuperação ou a melhoria da saúde física ou mental, a busca do equilíbrio e da serenidade, o crescimento espiritual, só para mencionar os mais freqüentes.
            
Algum tipo de meditação é, normalmente, preconizado pelas religiões. Entretanto, ela desperta a atenção, não só dos fiéis, mas, também, de não crentes, comprometidos com o cultivo de alguma forma de espiritualidade. Diante dessas realidades, não é de se admirar que surjam as mais diversas formas e métodos de práticas meditativas. Nesse contexto, abarcar todas elas num artigo, ou mesmo, num livro, seria correr o risco de ser incompleto ou parcial.

Outra atitude, essa completamente equivocada, seria apontar a melhor forma ou o método mais correto. A cada um, em cada fase da vida, uma meditação. Por isso escolhi escrever sobre aquela que pratico há alguns anos: o Zazen.

O Zazen (Estilo Zen-budista de meditação)
             
A palavra zen originou-se nas línguas faladas, na Índia, há cerca de 2 600 anos. Era “Dhyana” ou “Jhana”. Passou para a China como “Chan” e chegou ao Japão como “Zen”. Refere-se à prática de yogues, vedantas e religiosos budistas. Historicamente, o Zen budismo teria tido sua fonte no próprio Buda Xaquiamuni, em ocasiões em que ele se conectou, de modo direto, mente a mente, com alguns de seus discípulos, especialmente com Mahakashiapa: significava, então, uma conexão mente a mente, além das palavras e dos conceitos. Em japonês, “zá” significa sentar-se. Daí, “zazen” poderia significar “sentar-se em zen”.
“Meditação” não é uma tradução muito exata para “zazen”. Meditar é um verbo transitivo, exige um objeto: meditar em algo ou sobre algo. Não é assim que as coisas se passam no zazen. Não há um “em que” ou “sobre o que”.

Para Começar

1. Escolha um lugar e um horário


O lugar deve ser tranqüilo, não muito quente nem muito frio. Não deve ser muito barulhento, nem muito quieto - com o tempo, você vai perceber que os barulhos “de dentro”, como o tagarelar da mente, incomodam muito mais que os barulhos de fora. É importante que haja alguma iluminação: praticar no escuro induz ao sono e dá asas à imaginação.  É interessante sentar-se virado para uma parede, a mais ou menos um metro e meio ou dois metros dela. A parede não deve conter algo que possa chamar sua atenção.

É fundamental que você escolha um horário. Com o tempo, o corpo se acostuma e, quando chega o momento do zazen, ele já se vai preparando. Se, em algum dia, não der para fazer na hora escolhida, tudo bem: faça quando for possível- melhor que não fazer.  Na escolha, experimente até encontrar a parte do dia que lhe for mais cômoda. Bem cedinho, por exemplo, o telefone não toca e a visita não chega. Então, a probabilidade de você ser interrompido costuma ser menor.

Se você vai praticar sozinho, marque o tempo por meio de um despertador ou algo semelhante. Assim, não se preocupará com a hora de terminar. Não cederá também às armadilhas do tempo psicológico: 20 minutos, por exemplo, às vezes passam como se fossem 5, às vezes, como se fossem 60.

Para iniciar, 15 ou 20 minutos por dia serão suficientes. O importante é que você se sinta confortável com o período de tempo que escolher. Quando se acostumar, poderá aumentar o tempo de zazen, gradativamente, para 30, 40 ou 50 minutos. Mas, atenção: não se trata de bater recordes e, muito menos, de fazer penitência. Só aumente o tempo no limite de seu conforto.
               
 2. Sente-se.

 Existem várias posições de se sentar. Você poderá utilizar uma almofada redonda, tradicional - chamada zafu, em japonês - com, aproximadamente 20 centímetros de altura, com um enchimento não muito macio. Poderá também usar um banquinho tradicional de meditação. Vale ainda um banco ou uma cadeira comuns, desde que eles não tenham braços, nem possuam assento excessivamente macio. O objetivo de o assento ser firme é dar mais estabilidade ao praticante.

A almofada deverá ser colocada sobre uma superfície macia, como um colchonete, um tatami ou mesmo um cobertor dobrado, que será a base e irá apoiar e dar conforto aos joelhos e às pernas.

Usando a almofada, você pode tentar a posição de lotus completo: o pé direito apoiado sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo apoiado sobre a coxa direita. Pode, ainda, sentar-se em meio lotus: perna direita dobrada, o pé direito tocando a almofada, e o pé esquerdo sobre a coxa direita. Pode ainda usar a posição birmanesa: nesse caso, as pernas não ficam cruzadas mas repousam paralelas sobre o colchonete.

Em todos os casos, os joelhos ficam apoiados na base, formando, com as nádegas, um
triângulo de apoio que confere estabilidade à postura.

Usando a almofada, você pode também ajoelhar-se, colocar a almofada entre as pernas e apoiar as nádegas sobre ela.

Para utilizar o banquinho de meditação (shoggi), ajoelhe-se sobre a base e o coloque apoiando as nádegas.

Na cadeira sem braços, simplesmente se sente. Em qualquer caso, é de suma importância que a coluna fique bem reta, sem ficar tensa. Para conseguir isso, depois de sentar-se, faça, com a coluna, pequenos círculos, que vão se estreitando, até que você sinta que encontrou o centro. Mantendo a coluna cervical reta, em prolongamento à lombar, afunde ligeiramente o queixo, em direção ao pescoço. O nariz estará em linha com o umbigo, e as orelhas, com os ombros. Os braços ficam paralelos ao tronco. Imagine que você está segurando um ovo em cada axila. Se os braços se distanciarem muito do corpo, o ovo cai. Se se aproximarem em demasia, quebrarão o ovo.

As mãos farão o mudra cósmico: os quatro dedos da mão esquerda ficam sobre os da direita. Os polegares se tocando levemente, numa posição que forme, com os outros quatro dedos, uma bela elipse. Os antebraços se acomodarão para que os polegares fiquem, mais ou menos, na altura do umbigo. Os dedos mínimos e as respectivas faces de ambas as mãos poderão apoiar-se levemente no abdômen. Faça uma pequena rotação com os ombros para trás. Pode, então, apoiar o dorso da mão direita  sobre os pés ou sobre as coxas.

Posicione a língua no céu da boca, de forma que sua ponta toque, levemente, a raiz dos dentes superiores. A boca permanecerá, se possível, fechada, e a respiração será feita pelo nariz.

Ao terminar o tempo de zazen, faça, com a coluna, pequenos círculos, que vão ampliando seu raio. Faça de oito a dez círculos. Isso ajudará a normalizar a circulação, evitando câimbras ou dormências.

O lotus completo



O meio lotus

3. A respiração

O pulmão possui uma superfície interna de cerca de setenta metros, ao passo que a superfície da pele alcança cerca de dois metros e meio. Ele é, portanto, o grande órgão de contato. Ao inspirar, recebemos a vida. Abrimo-nos, então, às coisas, aceitando-as do jeito que elas são. Ao expirar, desapegamo-nos do ar, que enche nossos pulmões, e o devolvemos ao universo, para que o purifique e enriqueça, tornando-o, novamente, utilizável, para os propósitos vitais. Inspirar e expirar: aceitação e desapego. É esse movimento rítmico que nos mantém vivos.

Após colocar-se na postura escolhida, você vai se ocupar da respiração. O diafragma é o responsável pelo movimento de fole dos pulmões. Por isso, você vai se concentrar nele, num primeiro momento, tentando manter a respiração diafragmática. Na inspiração, o diafragma se estende, abrindo os pulmões e permitindo que o ar entre. Na expiração, ele se contrai, esvaziando-os. Conseguido o processo de respiração diafragmática, deixe que seu corpo tome conta dele.

Uma boa técnica, para quem está iniciando, é começar com a contagem das expirações. Conte suas expirações, mentalmente, até à décima. Recomece, então, a contagem no um e vá até o dez. Proceda assim, sucessivamente, até o fim do tempo que você escolheu para praticar.

4. Corpo sentado e mente sentada

Praticar o zazen não é esvaziar a mente de pensamentos, imagens, sentimentos, ou sensações.  É, antes de tudo, manter o desapego, em relação a eles. Deixe as duas portas da mente abertas: a de entrada e a de saída. Permita que quaisquer pensamentos, sentimentos e sensações entrem e saiam, à vontade: mesmo os mais horrorosos! Não evite nada, não se agarre a nada. Coloque-se como um espectador do fluxo de seus conteúdos mentais. Como alguém que, assentado à margem de um rio, vê os barcos passarem, sem, porém embarcar em nenhum deles, assim você se posicionará com respeito a esses conteúdos.

Procure fazer isso, sem se esforçar: muito esforço poderá trazer resultado contrário ao desejado: os pensamentos crescerão de tal forma que será muito difícil deixá-los, simplesmente, passar. Entretanto, às vezes, um pensamento, imagem, sentimento ou sensação vai pegar você de jeito, seduzi-lo (seduzi-la), levá-lo (levá-la) para longe. As indicações mais claras de que isso aconteceu são a perda da contagem ou da postura. Muitas vezes você perde a contagem no quatro ou até no três. Outras vezes, a coloca no automático e se percebe contando 16 ou 20.

Quando isso acontecer, nenhum drama: recomece a contagem no um.
 Pode ocorrer, também, a perda da postura: o mais comum é você inclinar o tronco para frente. Quando perceber isso, sem drama: Faça os pequenos círculos com a coluna, reencontre seu centro e continue a prática.
 Quantas vezes ocorrerem a perda da contagem ou da postura, durante um período de zazen, simplesmente, as retome, sem se preocupar muito com o fato. Na verdade, ele não quer dizer absolutamente nada.
 Haverá dias em que o fluxo de conteúdos mentais terá o aspecto de um rio cheio de corredeiras. Em outros, parecerá um riacho remansoso: nenhum problema. É só deixá-los entrar e deixá-los sair.

 5. Para uma viagem tranqüila
 5.1.Às vezes, as pessoas fazem o zazen com determinados objetivos. Alguns querem melhorar a saúde física, outros, a mental, outros, ainda, pretendem aprofundar a vivência de sua própria opção religiosa. Não há problema nenhum nisso, e, freqüentemente, elas obtém melhorias nesses setores.
 Entretanto, isso ainda não é a prática mais autêntica. Essa última não se propõe metas ou objetivos a serem alcançados: nela estamos diante da prática pela prática: é o sentar-se pelo sentar, simplesmente, porque não há coisa melhor a fazer. Isso é tudo o que temos: não há outro caminho.
 Fazer o zazen com determinado objetivo tem alguns inconvenientes.
  Em primeiro lugar, a ânsia por alcançar a meta gera tensão que compromete todo o trabalho. Veremos, em ação, a lei do esforço reverso: quanto mais se esforça em direção a determinado ponto, mais se distancia dele.
 Em segundo lugar, sentar-se dessa forma reforça o ego, fazendo com que ele se infle a cada dificuldade que pensamos ter vencido. Ego inflado, sofrimento duplicado: isso é, exatamente, o que não queremos.
5.2. Nunca avalie sua prática: você não tem condições de fazê-lo. Dizer que, em determinado dia, ela foi boa ou ruim, constitui uma tentação constante. Fuja dela: você sempre fez o melhor que poderia, dadas as condições presentes. Muito conteúdo mental, pouco conteúdo mental, perder a contagem muitas vezes, perder a contagem poucas vezes, ter que retomar a postura muitas vezes ou poucas, nada disso importa. Pior ainda é tentar comparar sua prática de hoje com a de ontem ou com a de dez anos atrás. Fazendo assim, você não obterá nenhuma informação confiável e, em acréscimo, ou colherá desestímulo para continuar no caminho, ou mais inflação de ego. A cada sentar-se você é um principiante.
5.3. No zazen, nada especial, nada sagrado, mérito nenhum. O tempo dedicado a ele é um pedaço comum de seu dia, e como tal, deve inserir-se entre as atividades diárias: todas elas são especiais e sagradas;  nenhuma delas é especial ou sagrada, inclusive o sentar-se.
 Da mesma forma, o praticante deve evitar a tentação de considerar-se especial: a mais comum das pessoas, sujeitas a tudo que um ser humano qualquer está sujeito, nem mais, nem menos, essa é uma descrição fiel do meditador.
                Fuja, sobretudo, da mentalidade aquisitiva, que preza a acumulação, o desempenho, os recordes, que busca a aprovação social.
5.4. Se você sente muito cansaço - não é um cansaçozinho qualquer - não se sente. Um bom sono lhe fará bem.
 Se você estiver com a cabeça cheia de preocupações, com raiva, com tristeza, ou outro sentimento que o incomode, sente-se assim mesmo. Pratique com tudo que você está sendo, em cada momento. O universo inteiro estará praticando junto com você.
 Se você tomou algum medicamento que altera seu estado de ânimo, ou ingeriu bebida alcoólica, deixe a prática para amanhã.
 Por último: preste atenção plena ao seu zazen de cada dia. O que resultará dessa atenção será mais instrutivo que ler dez mil páginas.



*Marco Antônio Santos Leite

Praticante de Zazen

Terapeuta Prânico