domingo, 13 de janeiro de 2013

SENHORA DO TEMPO: LIMPANDO

Vera Guimarães

Na lista de compras desta semana, lá no finzinho, um produto que ainda não tinha sido pedido aqui em casa. Quer dizer que não basta um produto que limpe, tem que limpar cerâmica? E não basta que limpe piso cerâmico, tem que ser específico para porcelanato? Até parece com algumas especialidades médicas: Dr. Fulano, especialista em  joelho esquerdo.

As auxiliares domésticas sempre me surpreendiam com pedidos de produtos, nunca era eu a descobridora de novidades. Uma delas nos pedia ZIÓ para limpar forno, que eu buscava inutilmente nas prateleiras.

Meu desinteresse pelas novidades talvez derive do fato de eu ser antiga, menina da década 1940, quando sabão era sabão, shampoo era xampu, abrasivo era areia. Verdade!

Na minha cidade do interior de Minas, ainda não totalmente urbanizada, ainda meio rural, conheci sabões artesanais, feitos com a matéria-prima que estivesse disponível. Como eu era muito pequena, não participava da fabricação do sabão preto, apenas via a movimentação e conheci a expressão dicuada, ou decoada, provavelmente significando “de (cinza) coada”. Hoje sei que aí se desenrolava uma clássica reação química, envolvendo ácido, base, potassa, saponificação. Aqui tem uma boa descrição do processo.

Na fazenda de algum dos tios, via mulheres lidando com a cinza, a gordura (animal ou vegetal), os tachos fumegantes. A massa daí resultante era posta a secar, em bolas ou blocos luzidios de sabão preto, que depois eram envolvidos em palha seca e armazenados nos jiraus. E pronto, era com ele que se lavavam as vasilhas, os pisos, a roupa, e até mesmo o usávamos no banho, pois nem sempre havia sabonete.

As vasilhas eram lavadas em regos que passavam perto das casas, ou até mesmo por dentro de alguma varanda coberta, contígua à cozinha, cúmulo do conforto.  Além do citado sabão preto, usávamos areia fininha para arear as panelas.

Nas fazendas, a roupa era lavada em córregos, regos, poços, de preferência onde houvesse pedras ou lajedos, nos quais a roupa era posta a quarar e a secar. Era um serviço pesado sair carregando à cabeça bacias de roupa, balaios com sabão e lanche, às vezes um bebê, aí atravessar pastos e lavouras até chegar à água, então esfregar, estender e recolher a roupa lavada... Eu, muito tempo depois,  já adulta, trabalhava em uma fundação dedicada a projetos de capacitação profissional para mulheres carentes. Um desses projetos era o de lavanderias comunitárias, que seriam construções simples em algum ponto do lugarejo, com água canalizada, tanques e pontos de energia para passação das roupas. Muito justo: acabavam o desconforto, as longas distâncias, os corpos dentro da água, as posições sacrificantes para a coluna. Era o que pensávamos, nós, as burocratas urbanoides. E não é que ouvimos de algumas comunidades que não, muito agradecidas, não queremos lavanderia. Em pesquisa posterior, descobrimos que as mulheres prezavam demais aquele espaço de tempo longe de tudo e de todos, apenas tendo a companhia das amigas mais chegadas, quando podiam cantar, falar o que quisessem, se soltar... Jamais imaginávamos que, mais que o desconforto, importava a elas a libertação, ainda que temporária, da rotina doméstica solitária.

Lavávamos os cabelos com sabão de coco e eles ficavam limpos e sedosos. Na minha adolescência apareceu o xampu Halo, alguém se lembra? Eu juntava trocados para comprar o meu. E também para comprar o Sabão em Flocos LUX, que vinha em pequenas lâminas em forma de losangos, próprio para lavar as primeiras roupas de malha compradas prontas.

Hoje as sortidas prateleiras dos supermercados me enlouquecem. São detergentes verdes, azuis, vermelhos, roxos, rosas, azuis. Não sei por qual birra, só tolero material de limpeza transparente, castanho ou verde. Vai entender!

Os xampus de hoje têm variedade desconcertante: para cabelos tingidos, lisos, para quem quer lhes dar volume, colorir, amaciar. Até parece! Xampus são apenas detergentes. E tome produtos para repor o que os detergentes tiraram. São os condicionadores, cremes de pentear, relaxantes, gloss, silicone, mousse para ativar cachos.

Também tenho solene antipatia de cosméticos com cheiro, cor e forma de comida. Existe uma rede internacional de perfumaria cujas lojas se assemelham a mercearias, e os produtos - sabonetes, esfoliantes, sais de banho, xampu em barra, hidratantes -, parecem queijos, frutas, legumes, gelatinas, pudins. Eca! Não gosto!

Estou muito implicante hoje. Sei que a vida anda pra frente, que o setor de produtos de limpeza movimenta bilhões de reais, que gera milhares de empregos. Fico por aqui, pois!

Ah, e o ZIÓ? Ora, EASY OFF! Que mania de inglês! Fica o mote para outra crônica mal humorada. 

Fig. 1 – foto da cronista
Fig. 2 -   Propaganda antiga de Sabão em Flocos