terça-feira, 27 de agosto de 2013

HELLO, DOLLY! QUERERES POSSÍVEIS




Dorothy Coutinho


Achar que a inscrição “querer é poder” é possível, me levou a sonhar, sonhar, mas me tornei apenas a pessoa que podia ser. Se tudo dependesse do “querer” como parecia nas minhas ilusões de menina, eu teria passado boa parte do meu tempo olhando pela janela, não para ver as árvores ou as nuvens como fico hoje, mas bocejando na prisão da busca pela excessiva coerência.

Queria ser uma daquelas princesas dos contos de fadas, lindas, com seus namorados guerreiros fantásticos, todos morando em castelos encantados.
Mas, li anos depois em algum livro que as jovens medievais ficavam muito cedo desdentadas, os guerreiros morriam ainda adolescentes de doenças ou na guerra, que não se tomava banho, e que as donzelas faziam xixi em pé. Para isso, bastava levantar um pouco as longas saias.

Queria me tornar uma mulher adulta segura de mim, sem carência afetiva, dona do meu nariz, linda, rica e poderosa. Me via deitada num sofá, comendo chocolates, com dúzias de servas, mucamas e lindos e formosos eunucos para me atender.
Na contrapartida do “querer” da inscrição, vivi isto sim, a história do trabalho, dos horários, dos compromissos, das contas para pagar, das doenças, dos fracassos, das frustrações, o escambau!

Mesmo nessa perseguição dos meus “quereres” não precisei me encolher, mentir, nem me afastar para me deixar matar.
Na tentativa de ser boa mãe não precisei ser a mãe-mártir para despertar culpa ou causar aflição.
Para ter bons amigos não precisei fingir, vigiar nem agradar o tempo todo.
Para ser boa amante não precisei me anular, afinal carinho não é servilismo.
Para ser inteira não precisei erguer barreiras à minha volta.
Para me tornar mais humana não precisei exigir de mim o que é próprio dos deuses.

E para continuar vivendo bem, eventualmente penso e vislumbro a morte, não como um susto, mas, como um estímulo ao “querer” o melhor no fim.

A inscrição acerta quando eu penso que se não posso corrigir os males do mundo, eu posso “querer” não colaborar para que ele se torne mais violento, mais mesquinho e mais cruel.

Aí, sim, o “querer é poder”.