sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

NATAL DOS SONHOS EM FLORIANÓPOLIS

Ensaio fotográfico de Esther Lucio Bittencourt

Colaboraram Amanda Borges, de 20 anos, que se apresenta como manezinha, com muito Menezinho da Ilha na Wikipédia e Raquel Bittencourt.




A festa começa dom apresentação do coral de alunas das escolas secundárias de Florianópolis nas janelas do Palácio Cruz e Souza, Museu Histórico de Santa Catarina

Abre o desfile a Banda de Papai Noel

Os trajes remetem aos colonizadores da Ilha


A árbore da vida lembra o filme Avatar

Anjos no alto da Catedral simulam voos enquanto os sinos tocam encerrando a festa.

PRESÉPIO TRADICIONAL DE FLORIANÓPOLIS





Por Esther Lucio Bittencourt





Este presépio , com imagens de tamanho natural, é apresentado todos os anos na Praca XV de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina e foi reconhecido em 2004 como o mais original do mundo. Foi criado por Franklin Cascaes e montado inicialmente no Museu da Universidade Federal de Santa Catarina.

Franklin Joaquim Cascaes, pesquisador da cultura açoriana -A ilha de Florianópolis é considerada a ilha do arquipélado dos Açores, tantos são os habitantes de Florianópolis que de lá vieram-
folclorista, ceramista, estudou as lendas e superstições da cidade e utilizou uma linguagem fonética para retratar a fala cotidiana do povo.
Em 2008, centenário de seu nascimento, foi publicado o livro Treze Cascaes, coletânea de contos de diversos autores, organizado por Salim Miguel e Flávio José Cardozo, com ilustrações de Tércio da Gama para resgatar a cultura local.



As imagens tem tamanho natural


Chegada dos Reis Magos




Um conto do livro Treze Cascaes sobre o Presépio. Está disponível para download em http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAUYoAI/resumo-livro-treze-cascaes

"– O PRESÉPIO –

Adolfo Boos Jr.


Tema central: O conflito entre as tradições ilhoas e o seu apagamento sob o excesso de urbanidade no presépio de Cascaes que é estranhamente dessacralizado.

Lentamente chega o caminhão, que carrega um idoso condutor e três homens. Chegam perto da figueira e descarregam, peça por peça, o presépio.
Começa a montagem e os passantes começam a atrapalhar o trabalho e o moço da montagem pede aos seguranças que tirassem o povo dali.
O jovem deveria montar o presépio de acordo com a fotografia do ano anterior, mas deu um toque pessoal, mudando a posição de um dos carneiros, “estética, meu amigo, estética”.
ordena que tudo volte ao lugar de origem, “ São José foi apeado do camelo e
Quando chega a noite, o jovem decide mudar tudo de posição, afinal ficaria muito melhor, mas para seu espanto, no outro dia de manhã, todas as peças voltaram ao lugar correto. Estética New age e o moço insiste nas modificações, não adianta o povo reclamar. Surge o encarregado do museu que fica horrorizado com a situação porque Baltazar largou a mão de Maria, deixou de ameaçá-lo com o cajado, tiraram a camisa do Avaí de Gaspar, recolocaram a capa nos ombros de Melchior que, por sua vez, desistiu de tourear a vaquinha.”
Professor Cascaes fosse vivo...ai deles
Um velhinho sai andando, feliz, dizendo “Eu sabia!”
O moço reclama que todos os dias colocava Jesus sobre uma árvore e de manhã ele estava novamente na manjedoura e alguém lembra que se o A montagem de O Presépio, de Adolfo Boos Jr., em tempos natalinos, sob a figueira da Praça, apresenta o processo mais importante do que o processado, talvez exatamente porque está ausente a figura de Cascaes. Distante modelo original perdido, o criador sempre em renovação, todos exigem seu direito de opinião “estética”, como em futebol todos se julgam técnicos.
É o implícito que clama!"



NATAL: QUE SIGNIFICADO TEM PARA VOCÊ?!

Por Ana Laura Diniz e Flávia Pereira

Parque do Ibirapuera, São Paulo, em dezembro de 2011
Google Images
As ruas, repletas de luzes, ganharam há dias um cenário mais alegre, colorido. E as pessoas que as transitam parecem carregar um semblante mais sereno e harmonioso, afinal, é tempo de Natal!


Mas será que é sempre assim? “Depende. Essa ideia que a sociedade alimenta de que as pessoas são mais felizes com as festas do final de ano nem sempre espelha a realidade. Em geral, essas datas servem para aumentar as disparidades sociais – entre aqueles que têm e os que nada têm. Toda essa obrigatoriedade imposta (in)diretamente pelo comércio, pela mídia e pelas pessoas de que não importa o que tenha acontecido durante o ano que finda, Natal é Natal e o Ano Novo trará apenas dádivas, é falsa. Ah, mas é preciso ter esperanças de dias melhores? Claro! Mas isso é sempre, e não é o Natal que deve fazer a diferença. A gente é o que é, independente de presente, dia, hora, local. É importante não confundir as estações”, diz o administrador de empresas, Rômulo Gonçalves, de 38 anos. “Apesar disso, veja bem, não passarei a data em branco, pois reunirei a família e os amigos... mas Natal, hoje em dia, existe como sinônimo de lucro mercadológico”, acrescenta.

Luan: "Eu só gosto dele (Papai Noel)
porque é ele quem me traz brinquedos.
Se ele não trouxer, paro de gostar."
Para o pequeno Luan Miguel de Souza Ferreira, de 7 anos, a religiosidade do Natal não existe “porque a igreja é totalmente diferente do Papai Noel. Eu acredito em Deus e acho que deve ser muito bonito, até porque deu a vida por nós. Mas eu não acredito que Jesus tenha nascido no Natal, não mesmo”.

PF: E você por acaso conhece o papai Noel?
Eu nunca o vi, mas acho que ele é um homem que se fantasia, por isso eu não sei se ele realmente existe. Eu só gosto dele porque é ele quem me traz brinquedos; se ele não trouxer, paro de gostar. Esse ano eu ainda não sei se ele vai passar na minha casa, até porque eu não tenho uma chaminé.

Mas para garantir o tão indispensável presente, como de costume, Luan irá para Aparecida do Norte comprá-los com um tio, e depois jantará em casa com toda a família. “O presente pelo presente nada significa”, diz o advogado Carlos Almeida, de 41 anos. Ateu, garante que a data é um dia a mais no calendário, mas aceitou convite para um suntuoso jantar. “Gosto apenas de estar com os amigos, pois não vejo sentido algum em todo esse agito. Não resta dúvida de que a cidade fica muito mais bonita, mas ir ao cinema – por exemplo – é complicado, pois é inimaginável pensar em tirar o carro da garagem rumo a qualquer shopping. A não ser que se queira ficar irritado”, acrescenta. “E tem mais. As pessoas andam muito perdidas. Elas cometem mil atrocidades o ano inteiro e porque é Natal e 2012 se aproxima, acham que simplesmente isso as redimem de todo possível mal. Não vejo senso nesse raciocínio”, complementa o advogado.
Kelvin: Com os anos,
o Natal ganhou sentido

No entanto, há os que sentem a data de outra maneira. “Essa é uma época de união entre as pessoas. Pra mim, significa felicidade”, diz a pré-adolescente de 12 anos, Yasmin Pereira Baldi Da Silva. “No passado eu achava que Natal só servia pra ganhar presentes, o que não acontece atualmente, porque eu creio que além disso, o mais importante é ter a família por perto”, diz. “Além disso”, acrescenta Kelvin De Souza Castro, de 20 anos, “o Natal é quando paramos para lembrar do nascimento de Jesus. Quanto mais maduro eu fico, mais forte é o sentido disso para mim. Até uma certa etapa da minha vida, significava apenas o nascimento de um menino, contudo, atualmente, representa o nascimento do meu salvador”, enfatiza.

Giselle Ribeiro Santos, de 41 anos, pensa de maneira parecida. “O Natal é paz, união, confraternização entre povos... Como sou católica, para mim também simboliza o nascimento de Jesus”. E conta: “quando eu era criança, todos esperávamos ansiosamente a hora de abrir os presentes e logo depois jantar com toda a família. Depois que perdi o meu pai, a família se desestruturou um pouco, entretanto, ainda comemoramos a data. Mas naquele tempo eu era criança e acreditava em toda magia do Natal, e hoje eu posso espalhar esse espírito natalino para outras crianças”, diz. “Sem dizer que as missas eram celebradas em latim: o padre ficava de costas para os fiéis, não tinham folhetos”, acrescenta Carmen Silva Pereira, de 69 anos. “Mas veja, muita coisa mudou: antes, os filhos obedeciam aos pais, o que hoje acontece raramente. Na minha casa, quando eu era criança, não havia comemoração, contudo, atualmente, eu, meus filhos, meus netos, todos comemoramos juntos”.

É verdade. “No final, basta o pretexto de estarmos juntos àqueles a quem desejamos. E se existe a tal magia do Natal, eles certamente estão nos encontros, nos abraços, no convívio, e principalmente, na lembrança daqueles que amamos, mas raramente estão perto da maneira como desejávamos. É isso! Eis o verdadeiro milagre de todas essas festas: sabermos transpor a matéria para estarmos verdadeiramente com quem amamos”, finaliza Maria Fernanda Biribebe, de 57 anos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

DIÁRIO DE UMA ADOLESCENTE. ENTÃO É NATAL...

Por Bianca Monteiro

O natal, data do calendário cristão, simboliza o nascimento de Jesus, mas principalmente, é uma data comercial. É quando as lojas ficam cheias (de gente) e, simultaneamente, vazias (nos estoques). Os panetones tomam conta das prateleiras do supermercado, a propaganda do Especial Roberto Carlos começa a passar, vermelho, verde e branco estão presentes em todas as decorações, acompanhados sempre da árvore com bolas coloridas e uma estrela na ponta, além das luzes piscando nas casas (que na verdade, é a parte que mais gosto), os filmes na televisão, e as canções típicas (tendo como minha favorita “All I Want For Christmas Is You”, no vídeo, com a versão do My Chemical Romance, e “I Wish It Was Christmas Today”, do Julian Casablancas). Na minha visão, é o que torna mais óbvio que o fim do ano está próximo, até mais do que o próprio reveillon.


O tal “espírito natalino” consiste na solidariedade, na intenção de ajudar e distribuir presentes, assim como faria “o bom velhinho”, representante desta data. As pessoas tentam reproduzí-lo na troca de presentes à meia-noite do dia 24, após a ceia, ou como nos Estados Unidos, na manhã do dia 25, deixando-os apenas embaixo da árvore.
Na minha casa, o natal é apenas uma desculpa para unir a família (grande, por sinal). Prefiro que todos venham passar conosco, já que é complicado viajar na véspera, o trânsito de fim de ano é o pior imaginável. E também na casa dos familiares não tem como realizar meu hábito anual de, como boa fã de Tim Burton, passar este dia assistindo O Estranho Mundo de Jack.
Sou fascinada por luzes, olhá-las durante a noite num ponto alto da cidade… E no natal, como ficam ainda mais exuberantes, são o que mais gosto, como já mencionei. O que menos gosto é a programação da tv, que se torna insuportável por causa da quantidade de filmes (alguns sobre o natal em si, mas a maioria sobre o nascimento de Jesus e outras histórias que estamos cansados de saber), na insistência dos comerciais de lojas que pretendem faturar muito, dos programas já existentes que fazem versões especiais natalinas com supostos “Papais Noéis” iludindo crianças… E tudo de apelativo que fazem em nome da data comemorativa.
Por causa da música do inspirador John Lennon (Happy Xmas [War Is Over], no vídeo abaixo), sempre ao chegar essa data tenho a reflexão “do que tenho feito”… E que na verdade, não me faz chegar à conclusão alguma. Só faz com que eu espere ansiosamente o ano em que eu tenha uma, e em que “o mundo não esteja tão errado”.
 
Meus sinceros votos de feliz natal para todos! (:

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

OSTRAS EM FAZENDAS MARINHAS: FLORIANÓPOLIS

Por Esther Lucio Bittencourt e Raquel Bittencourt




                                           Fazenda Marinha em Ribeirão da Ilha, Florianópolis

Adécio Romalino, maricultor


Adécio Romalino da Cunha, Manezinho da Ilha, como se intitula, 59 anos, é pequeno produtor de ostras em Florianópolis. “Aqui é uma fazenda marinha -diz ele- com cerca de 600 mil ostras. Em janeiro a Universidade Federal de Santa Catarina fornece as sementes das ostras, pequenos moluscos, que colocamos na água em redes de malhas finas, os berçários, até que cresçam. Aí elas são mudadas para outras “lanternas”, com tamanho variado de malhas até atingir idade para consumo, que varia entre 8 e 9 meses. A UFSC é a única que fornece sementes de ostras para todos os maricultores”.

Lanternas onde são colocadas as ostras e, após, levadas para o mar.

As primeiras sementes de ostras a UFSC trouxe do Canadá e estudou, através de pequenos maricultores a adaptação e crescimento de ostras no litoral de Santa Catarina. O projeto deu certo, prosperou e hoje a cidade exporta para o mundo inteiro. Até o ano passado o milheiro da ostra era vendido por R$12,00. Cinquenta por cento do milheiro é perdido desde as sementes até o uso para venda, na faixa de R$ 4,00 a dúzia, direto do produtor e entre R$ 20,00 e R$ 40,00 reais nos restaurantes do Ribeirão da Ilha, bairro onde encontramos alguns produtores.

Adécio Romalino da Cunha conta sobre os problemas que os maricultores enfrentam: desde as marés vermelhas, que vem do alto mar, causada pela destruição de algas e que intoxicam as ostras e quem as come, até o calor do verão, principalmente nos meses de janeiro e fevereiro. “No ano passado, disse ele, perdemos quase 100 por cento do que produzimos o ano inteiro, devido ao aquecimento da água do mar. Este mês de novembro mesmo morreram muitas mas agora a água está mais fresca. E não há o que fazer, não podemos resfriar a água do mar, e nem pensar em levar para mais longe do litoral é um processo caríssimo. Tirar o miolo para industrialização é impossível pois não temos métodos para isto, temos é que vender na alta temporada aos turistas porque os nativos da ilha não tem o hábito de se alimentar de ostra que tem sais minerais, vitaminas A,B e D, fósforo e zinco dentre outras coisas”.
                   Trabalhador trazendo barcaça com lanternas onde ostras maiores são colocadas
A empresa de Adécio

Após sabermos que a UFSC analisa diariamente a água do mar onde são criadas as ostras e as próprias ostras, inclusive por necessidades de exportaqção eu e Raquel, minha nora, fomos almoçar no restaurante do local, Armazém das ostras. Comemos ostra em natura e ao bafo, além de um belo peixe com pirão.

                                                       Ostra em natura, com limão

Ostra preparada no bafo
                         A festa das garças na praia ao lado do restaurante (Foto Raquel Bittencourt)
Artesanato com Ostras

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

QUITANDA DA VIDA 56 - FATIA DE PARIDA

Telinha Cavalcanti

Fatia-de-parida. Fatias douradas. Rabanada.
Em cada canto, um nome, em todos os cantos o mesmo sabor.

Lá em casa, era assim:

Rabanada

pão francês dormido
leite
açúcar
ovos
canela
óleo.

Molha-se o pão francês dormido no leite com açúcar - pão fresco não serve, tem que ser pão do dia anterior - e a seguir, passa-se nos ovos batidos (não precisa ser em neve, é só para misturar gemas e claras). Imediatamente, coloca-se na frigideira com pouco óleo, para que doure dos dois lados.
Retirando da frigideira, colocar em papel absorvente, para escorrer o óleo. Depois é só polvilhar com açúcar misturado com canela.

Já vi muita receita chique de rabanada. Mas nenhuma é melhor do que essa. :)

imagem: Receitablog

domingo, 18 de dezembro de 2011

SENHORA DO TEMPO - NATAIS E NATAIS

Vera Guimarães

Dezembro, clube, bar do tênis. De surpresa, chegam pessoas uniformizadas e vão se alinhando perto das mesas onde os atletas descansam das partidas do domingo. O maestro se posiciona, pede o tom a cada naipe e rege o grupo, que entoa conhecida canção, a nos evocar poéticos natais brancos.



Comovidos, pedimos outra, depois outra. E nos demos conta de que é Natal.
Aliás, nas lojas, na televisão e nas revistas já é Natal desde setembro, apelando às compras, ao consumo exagerado de tudo.   

Na minha mais remota infância, década de 1940, o que se entendia por Natal era um período de festas, cerimônias, preparações, cantos, danças, confecção de presépios, tudo com forte conotação religiosa.
Para mim, o que mais caracterizava a época do Natal eram os presépios, alguns enormes, ocupando um ou vários cômodos de uma casa. Começava-se por preparar os panos, geralmente sacos de aniagem, embebidos em uma espécie de cola, provavelmente grude feito com farinha. Quando aquele tecido ficava duro, era pintado para simular terra e vegetação. Depois era moldado para formar estradas, morros, arruamentos, grutas, cidades, depressões para lagos e cursos d’água e quantos mais acidentes geográficos houvesse. Para fazer a vegetação, era plantado arroz que, ao brotar, dava a ideia perfeita de grama, ou capim, ou taboa. ...  Lagos eram feitos de espelhos e lá nadavam patos e flutuava canoa com seu remador. 
Algumas famílias faziam presépios memoráveis. E nós, verdadeira romaria para visitá-los. Em cada um deles nos maravilhávamos com as figuras, com as luzes, com as raridades, com as bizarrices. No mesmo espaço conviviam aviões, bonecos de celuloide, animais pré-históricos, cataventos, mobília de brinquedo, um anacrônico telefone, velocípede, vasilhinhas variadas, bijuterias brilhantes, galinhas, um violãozinho de madeira, cada objeto numa escala, proporção nenhuma entre eles. 
No centro de tudo, as figuras natalinas: Maria, José, os pastores, a vaca, o burrinho, as ovelhas, galo e galinhas. Se fizéssemos nossa visita antes do dia 25, veríamos os três reis magos ainda a caminho, pelos morros e ruas, e a manjedoura ainda vazia. A cada dia, os reis magos se aproximavam um pouco mais da gruta. No dia de Natal eles já estavam em volta do Menino Jesus na manjedoura.

Há algum tempo, visitamos, amiga e eu, a magnífica exposição PRESÉPIOS DO MUNDO TODO, parte do Museu  de Arte Sacra de São Paulo. 

Voltando à memória da família, eram assim os Natais passados na nossa casa, na visão da minha sobrinha mais velha, filha da Zila:

Dos Natais guardo recordações especialíssimas: eram solenes e respeitavam todo um ritual de fé e alegria, que começava com a colocação de nossas listas de presentes desejados, nas portas dos tantos quartos do grande corredor central. Isso ainda em novembro, e era ótimo todos os dias verificar na lista o que estava riscado, num sinal de que já podíamos contar com o presente. No dia 24 de dezembro à tardinha, chegávamos ao “Castelo” e os preparativos da ceia e procissão que fazíamos à noite nos distraiam da expectativa da abertura dos presentes. A ceia era mais cedo, para liberar os adultos para a Missa do Galo e não atrapalhar o sono das crianças. Depois dela, era hora da solene procissão, carregada de simbologia: a manjedoura forrada de flores que nós íamos colocando, sinal de boas ações, durante o mês: o trigo, a uva, e o Menino Jesus sendo levado, à luz de velas, com a Princesa-Tia Verinha ao violão e todos nós cantando “Noite Feliz”. Uma breve oração e a entrega dos tantos presentes, que ocupavam os pés da árvore de Natal e se espalhavam pelo chão (naquela época, acho, ainda não haviam inventado a “recessão”!...). A euforia durava até o sono não mais permitir, e a gente dormia abraçados àquelas simples “maravilhas”. Tudo naquele Castelo-Reino era motivo para comemoração e louvor (...) 

(in PROSA NA VARANDA, de Zila Guimarães Lanza)

"Mudaria o Natal ou mudei eu?", como se perguntou Machado de Assis.

sábado, 17 de dezembro de 2011

FREDZILA - KOBE

Carlos Frederico Abreu

Nossa primeira parada foi no Kobe Emigration Center, a hospedaria onde as famílias que deixavam o Japão em direção ao Brasil permaneciam e eram preparadas para a viagem, recebendo instruções sobre seu destino.
Para ajudar na assimilação da longa viagem, o interior do prédio simula o interior de um navio.


O prédio estava em reforma, mas o pessoal gentilmente nos deixou entrar, para uma rápida visita. No jardim na frente do prédio, vemos os monumentos e homenagens a estes emigrantes.


Depois do Museu, fomos visitar o Porto de Kobe, o local de onde, em 1908, partiu o navio Kasato-maru, levando os primeiros 781 imigrantes japoneses com destino ao Brasil.




Este acontecimento está simbolizado por uma estátua, com o pai, a mãe e o filho. O filho aponta para o mar.

Uma estátua similar existe também em Santos, São Paulo, na Praia do Boqueirão. Nela, o pai aponta para o interior.


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A FLOR É EXIBIDA NA TV ESCOLA

Mariana com sua gata Bel



http://tvescola.mec.gov.br/index.php?option=com_zoo&view=item&item_id=9602#


Mariana Abraão, de 10 anos, com o poema "A Flor" foi uma das escolhidas a ter sua poesia falada no programa da TV Escola, Semana da Poesia, 8º edição. Para ouvi-la é só clicar no link acima, melhor visualizado no internet explorer.
Este programa fala sobre a poesia e sua essência, grande poetas, sobre a linguem da poesia infantil, chamados pelo programa de Pequenos Leitores, Futuros Poetas, com os vídeos autorais enviados por escolas de todo o Brasil. Mariana mora em Caxmbu e é filha de Sumaia e Celso Abraão. Sumaia leciona piano, canto e yoga.

A programação da Semana de Poesia ainda conta com reportagens feitas em escolas de todo o país, no quadro TV Escola na Estrada, além de documentários especiais, entrevistas, quiz e o Fique Sabendo, com curiosidades literárias também nos intervalos da programação.
Pode ser visto no Canal 112 da SKY; no Canal 694 da Telefônica TV Digital; e na Internet.

Mariana que se inscreveu pelo Colégio Franciscano Santo Inácio , de Baependi, sul de Minas Gerais, passou para o quinto ano e gosta de brincar de bonecas e com os gatos. Ela pega as bonecas,os gatos e monta sua brincadeira.

Eis os originais do Poema " A Flor" cuidadosamente colocado numa pasta cuja capa é um aplique de tecido em formato de flor:


TV ESCOLA

"A TV Escola é um canal de televisão do Ministério da Educação que capacita, aperfeiçoa e atualiza educadores da rede pública desde 1996. Sua programação exibe, nas 24 horas diárias, séries e documentários estrangeiros e produções próprias.

Os principais objetivos da TV Escola são o aperfeiçoamento e valorização dos professores da rede pública, o enriquecimento do processo de ensino-aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino."

O POEMA

A FLOR

Uma flor é meu amor;
É a paixão,
De todo cidadão.

Ela vem de Belém,
Que é em Jerusalém
A terra do além.
Ela não se contém,
De tanta beleza que ela tem.

Ela é amarela,
Por isso é tão Bela.
Zela por todos,
Até pelos que não acreditam nela.

Acenda uma vela
Toda noite,
Para rezar e falar:
Que Deus proteja o nosso lar
E este mar de pessoas
Que só andam bem na vida
Se são boas.

Assim que vai dormir,
Pensa:
Tenho que reagir
Sem agredir,
A todo esse mal que está por vir.

Esta flor,
Não gosta de maldade
E sim de bondade.

Se todos pensassem como ela,
Quem sabe,
A vida não seria mais bela e amarela?
Pense bem nela!

O amor,
Só vence por total a dor
Quando você supera esse medo,
E esse terror,
Desse seu coração de cidadão.

Pense então
No que você pode fazer
Que venha de sua mão
Sem peso no seu coração.

Mariana Abraão

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ÓPERA PELA MADRUGADA


Por Servio Tulio

O Zito Baptista Filho produzia o programa ÓPERA COMPLETA na Rádio MEC FM. Ele redigia e cuidava minuciosamente do texto relativo a cada ópera que seria apresentada em sua seleção. Era tudo tão bem cuidado, que este trabalho todo reunido acabou se transformando em 1987 num livro chamado A ÓPERA, um resumo dos enredos das 222 óperas mais encenadas nos teatros do mundo inteiro, traçando assim um panorama do gênero desde as origens até a contemporaneidade.

Quem costumava ver o Zito apenas como o homem culto que era, jornalista, radialista, profundo conhecedor do universo da música de concerto, ou mesmo vê-lo bem vestido carregando sua pastinha de couro recheada de discos e anotações valiosas em direção à emissora, nem imaginava a pessoa divertida, espirituosa, brincalhona e peralta que ele era.

Lembro-me que no início de cada mês, quando recebíamos nosso humilde salário, saíamos da rádio juntos para garimpar discos em lojas como a Modern Sound ou Arlequim, movidos pela idéia de encontrar novidades e mostrá-las aos ouvintes. Curiosamente, acabávamos gastando nosso salário mais com a rádio do que conosco mesmo. Como os cds importados eram muito caros, corríamos para um bar antes e tomávamos bastante... coragem.
Paga a conta das coragens, ou seja, zonzamente encorajados, nos dirigíamos irresponsáveis feito duas crianças que iriam aprontar alguma em direção à loja de discos.


Vez inesquecível foi quando encontramos a gravação da Lulu do Alban Berg finalmente editada em CD. Aquela mesma, a clássica e suculenta caixa azul da Teresa Stratas com a regência do Boulez. Como era cara! Me lembro que seguramos a caixa nas mãos e começamos a cantar -"Quanto è bella, quanto è cara " - e caíamos na gargalhada .
Seria necessário tomar muita coragem para comprar. Assim o fizemos e no fim dividimos o fardo. Pronto. Isso tudo, é claro, em meio a comentários sobre o mundo lírico, pontuados por acessos de riso.

Pois bem. Houve uma época, que a emissora também transmitia uma vez por semana uma ópera na madrugada. Era o tal “Ópera pela Madrugada”, que como diz o nome, começava às 2 da manhã e seguia até o final da peça. Começava às duas, porque imaginamos que uma ópera bem grande, teria em média quatro horas de duração, tomando Wagner como base. Isso dava tempo para que quando chegasse às 6 da manhã, a ópera já tivesse terminado, caso fosse uma dessas tamanho GG ou King size. É óbvio que apenas meia dúzia de 3 gatos pingados ouvia. Mas a verdade é que quem ouvia era assíduo e xiita. Às vezes, o Zito costumava ele mesmo debochar do título do programa incluindo reticências e um ponto de exclamação: “Ópera...Pela madrugada!”. Nós ríamos de cair.

-"E esta semana? O que teremos na madrugada?"
Nem pensamos duas vezes: LULU! Falamos juntos.
-"Mas não é muito esquisita?
- Ah, mas vai ser de madrugada, ninguém vai ouvir, só a gente e os fãs de ópera, que na madrugada tem a cabeça mais aberta para essas coisas. Não tem problema. Às 6 da manhã já acabou!
Então tá."
E desandamos a tomar coragem para programar a Lulu.

Dito e feito. Lulu já no estúdio. Estamos nós, cada um em sua casa esperando a serpente ruiva entrar em cena. Duas horas... e nada! 2 e meia... e nada! 3 horas... nem sinal de Lulu...
Zito aflito pegou o telefone e me ligou:

- “Pela Madrugada!!!”.
-"Ué...Liguei para lá. Deu pane no aparelho de cd e tiveram que trocar. Sugeri então que seguissem com a programação normal de seleção musical dos mds e paciência...Lulu fica prá outra..."

Obviamente que no meio da coisa, nós dois cochilamos com o rádio ligado, cada qual na santa paz de seu lar. Mas o inesperado aconteceu enquanto dormíamos. Atrasada, entrou Lulu triunfante e esbaforida lá pelas 4 da manhã, imagino...
Tocou o telefone lá em casa, sol quente, quase 8 da manhã inocente no relógio, o rádio ligado e o Zito rindo e gritando no telefone:
– “ÓPERA...PELA MADRUGADA!!!”....
Ao mesmo tempo, na rádio MEC rolava a cena final de Lulu gritando –“NEEEEIN! NEEEEINNNN! !” - sendo assassinada por Jack o Estripador...embaixo de pleno sol quente às 8 da manhã!

Acho que nunca rimos tanto... Se o Zito estiver lendo isso aqui agora, certamente estará dando cambalhotas nas nuvens de tanto rir e exclamando -"Pela Madrugada!!!".

Apenas uma lembrança em memória do meu divertido e genial amigo que deixou a Terra na segunda feira, 13 de dezembro de 2011.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DIÁRIO DE UMA ADOLESCENTE. AFINAL, O QUE É O AMOR?

Por Bianca Monteiro

Google Images
Demorei mais tempo para escrever essa coluna do que a das outras semanas. Na verdade, acho que foi porque finalmente achei que estava tranquila a respeito desse assunto, e eu estava errada mais uma vez. As pessoas evitam pensar em frustrações, e frequentemente, a maior é essa.

Eu não soube muito tempo o que era amor, como muitos, usava essa palavra em vão. Não tinha noção de muitas coisas, fazia promessas que sabia que nunca se tornariam reais, iludia sem querer. Era aquele balde de clichês, todas as vezes. Mas ao descobrir o que realmente é, todas aquelas coisas que eu dizia e que pareciam exageradas, pareceram tão pequenas e simples. Meu egoísmo se esvaiu e meus problemas se dissolveram, simplesmente. Admitir quem sou se tornou fácil. Aliás, admitir qualquer coisa se tornou fácil. A confiança surge de repente. O amor é algo que nos ajuda, nesse quesito. Até mesmo em relação a autoestima e afins.

Como uma vez já mencionei, amor para mim é o resultado de diversos outros sentimentos. Respeito, confiança, admiração, companheirismo, carinho, afinidade... Naturalmente, com tantos fatores, não é algo instantâneo. Vem com o tempo, à medida que conhecemos melhor a pessoa. A convivência. Nada melhor para "decidir" o tamanho deste.

É uma força maior que nós. Interfere em nossas escolhas, nos tornamos suas marionetes. Infelizmente, faz com que nós sejamos dependentes de outras pessoas. Não tem como amar sozinho.

É por isso que nos alertam tanto a respeito dele: quando nós não podemos obedecer suas circunstâncias, como estar sempre ao lado da pessoa ou ser correspondido, sofremos, e muito. Dependendo da intensidade do amor, nós perdemos toda a força, até mesmo a vontade de viver. Mas, devemos aprender a dar a volta por cima. Esse é um dos maiores valores, e novamente, depende do tempo.

A timidez o atrapalha, às vezes. Acho que todos têm certa dificuldade em encontrar uma hora adequada para dizer. Mas não acho recomendável não fazê-lo, pois parto do princípio onde devemos deixar que as pessoas saibam como nos sentimos a respeito de tudo. De como nos sentimos a respeito delas. Às vezes as próprias palavras são inúteis, os sinais são muito mais fortes. Se a pessoa tiver uma boa percepção, talvez você nunca precise dizer nada. E ela apenas saberá.

Mas, para mim, os sinais são mais importantes do que esses conceitos gerais. Como sentimentos são abstratos, variam de pessoa para pessoa, a interpretação desses sinais também. Só que fica mais difícil serem tão diversos quanto os sentimentos em si.

É acreditar que vocês, mesmo sem o resto do mundo, estão completos apenas tendo um ao outro.
É mesmo tendo diversas opções e incertezas a caminho, escolher a pessoa sem pestanejar.
É ser sincero, acima de tudo.
É não ligar quando, no meio de um grupo de amigos, alguém te pega no colo e te leva embora.
É a pessoa aparecer com frequência nos seus sonhos, até mesmo quando ela não é a protagonista deles.
Esquecer o quanto está triste perto da pessoa, até mesmo quando ela é o motivo. E notar isso quando ela sair: os problemas parecem voltar à tona.
É mesmo quando você não quiser ver ninguém, a presença daquela pessoa não parecer um estorvo.
É ela te fazer esquecer do caos que te rodeia e te fazer lembrar que a felicidade existe, pelo menos um pouquinho, enquanto ela está por perto.
É ela te fazer querer chegar de viagem mais rápido só para dar tempo de vocês se encontrarem ainda naquele dia no horário que costumam fazê-lo.
É não precisar conhecer as músicas que ela gosta, pois você já o faz.
Não contar quantas dezenas de pedaços de pizza você comeu naquela noite por estar distraído demais cantando Beatles com ela.
É não entender por que Sid tinha Nancy, John tinha Yoko, Amelie tinha Nino, e até Sheldon tem Amy Farrah Fowler, se você não pode ter a pessoa.
Fazer você aceitar sair do jeito que está, por mais detonado que esteja, apenas para tentar a sorte de encontrá-la no lugar onde sabe que costuma estar no tal horário.
Mobilizar a população de uma festa inteira só para arranjar um momento perfeito para você dizer o que precisa a ela.
Esquecer como tudo era antes de ela aparecer.
Ir a locais que você normalmente não iria nem mesmo se a ocasião fosse sua, mas vai para prestigiá-la.
Superar por ela situações que você sabe que não conseguiria normalmente por outros.
Querer que cada beijo seja interminável.
É quando deve ir, querer ficar apenas para passar mais tempo com a pessoa.
É ver o rosto dela nas pessoas que passam ao seu lado na rua.
É sorrir sozinho enquanto sente o cheiro da pessoa vindo do nada.
Não é achar que nada mais existe quando a pessoa não está. É estar ciente que tudo ainda está lá, mas não tem a mesma graça.
É quando você por algum acaso não quer lembrar da pessoa, perceber que isso se torna inevitável, já que vocês têm muito em comum, gostam das mesmas coisas.
É se arrepender do que não fez, não disse, não demonstrou.
É não notar a beleza das pequenas coisas, até a pessoa aparecer.
Achar que barreiras e empecilhos são só detalhes.
Mesmo a pessoa não sendo sua primeira, seus sentimentos por ela aparentam ser tão novos que te fazem parecer estar vivendo tudo de novo, como se fosse a primeira vez.
Achar que encontra na pessoa coisas que nunca havia encontrado em outros.
Ficar sem graça e ao mesmo tempo concordar quando outros dizem que vocês deviam ficar juntos, que formam um bonito casal.
É passar mais tempo desenhando corações no caderno do que estudando para aquela prova chata de física.
Olhar nos olhos da pessoa e desejar poder ficar ali mesmo sempre.
É deixar sua timidez de lado e dizer tudo que gostaria.
É admirá-la independente da opinião alheia, e saber que não há outro alguém que seja como ela.
É temer o futuro, principalmente as manhãs do próximo ano sem seu abraço favorito presente nelas.
Querer ter a certeza de que, depois que tudo isso acabar, vocês se verão outras vezes.
É sentir saudade das ligações diárias, mesmo aquelas por motivos banais... E também das mensagens trocadas. Das brincadeiras e provocações bobas. As risadas juntos, as piadas que se tornam internas...
É você parar de ler seu livro favorito ou abandonar seu sono, suas redes sociais e suas obrigações por algum tempo só para escrever algo para a pessoa.
É não ligar para o resto, para a aparência, ocasião, para o socialmente aceitável. O que você precisa, só você mesmo pode definir, e não deixar que os outros o façam.
Mas, principalmente: amar é nunca desistir. Não importa a distância, ou o tempo que é necessário esperar. (Por você, toda paciência do mundo ainda parece pouca. Eu realmente queria que você soubesse disso.)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

QUITANDA DA VIDA 55

Telinha Cavalcanti

Na minha família, ceia de Natal tem que ter sarrabulho. É uma farofa absurda, que eu comia como prato principal. Prá quê peru, tender, arroz a grega? Me dê um prato com uma quantidade vergonhosa de sarrabulho, uma coca cola gelada e eu sou a pessoa mais feliz da festa.

Não tem jeito, meu paladar é infantil. Infantil, imaturo e boboca. Passa o sarrabulho, por favor.

Sarrabulho


Ingredientes
Farinha de mandioca
Manteiga
Cebola
Alho
Miúdos do peru
Ameixa
Azeitona
Banana frita - cortada em rodelas
Ervilha
Passa preta, passa branca


Como fazer
Primeiro, corte e refogue bem os miúdos do peru. Reserve.
Corte as bananas em rodelas, frite na manteiga. Reserve.
Refogue alho e cebola na manteiga. Misture a farinha de mandioca e deixe tostar um pouco. Adicione os miúdos do peru e os demais ingredientes. Mexa para incorporar bem. Corrija o sal. Corra pro abraço, ho-ho-ho.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

DA URGÊNCIA DE VIVER

Por Dade Amorim



 

Em uma palestra proferida em 1987 para estudantes de cinema, Gilles Deleuze aponta nos personagens de Dostoiévski, filmados por Akiro Kurosawa em 1951, sob o título O Idiota, uma forma de agitação pela qual estão sempre vitimados pela urgência: “Tânia me espera, é preciso que eu vá”, ou “É um incêndio, é preciso que eu vá” – mas qualquer incidente ou encontro casual com alguém os leva a esquecer a pressa e o chamado. Isso acontece porque, ao mesmo tempo em que são presas dessa urgência, os personagens do autor russo “sabem que há uma questão ainda mais urgente, embora não saibam qual”. Essa noção de que há um problema mais profundo do que aquele da circunstância do momento paralisa os personagens e os desperta para alguma coisa que, embora não definida, é ainda mais urgente. O próprio Kurosawa tem em seus filmes essa marca dostoievskiana de criar personagens inquietos, que se metem em situações incríveis, mas nunca perdem o sentido dessa “coisa mais urgente” que está além de tudo e é a mais importante de todas.
Isso configura uma atitude basicamente filosófica diante da vida. Vamos dizer que os fatos do dia-a-dia são matéria de informação, e essa “coisa mais urgente” seja matéria de contra-informação efetiva, para usar as palavras de Deleuze, porque resiste aos fatos cotidianos e corriqueiros, vai mais além da opinião e da ação imediata.
A sociedade em seus mecanismos de controle não está além do cotidiano; muito ao contrário, dobra-se sobre o cotidiano para mantê-lo dentro de suas normas. O controle se exerce com objetivos pragmáticos, para conseguir resultados concretos. Por isso Deleuze define a arte como ato de resistência à sociedade de controle. Mas não é só isso. Ele se reporta a um conceito de André Malraux: a arte é a única coisa que resiste à morte. O exemplo que ele invoca é bem significativo: uma estatueta de 3 mil anos antes de Cristo ainda causa prazer por sua beleza, e no entanto passaram-se milênios de civilizações e culturas diferentes.
Considerando que a morte é um controle da vida, no sentido de uma limitação imposta, pode-se estender esse conceito até mesmo a gestos e símbolos de resistência que, se não são necessariamente obras ditas de arte, mantêm com elas uma afinidade de significação nos modos como se originam e como afetam a sensibilidade humana. Mas existe sempre, em toda obra de arte, um traço de resistência, de avanço em relação a sua época e de perenidade, no sentido em que ela vale para outro tempo muito além, talvez para sempre, o que é muito para se dizer. Por isso Paul Klee, o pintor, dizia que toda obra de arte faz apelo a um povo que ainda não existe.