Claudia Lopes Borio
O Escritor e professor Anibal Bragança com o pintor Israel Pedrosa e a professora Hagar Espanha Gomes durante lançamento de Impresso no Brasil, na Livraria Icaraí, em Niterói.
Anibal Bragança, Coordenador-Geral de Pesquisa e Editoração da Fundação Biblioteca Nacional , autor de " Impresso no Brasil" , Prêmio Jabuti 2011 de melhor livro do ano (Comunicação) , edição da Unesp e Fundação Biblioteca Nacional, que autografará seu livro em Caxambu, município no sul de Minas Gerais, dia 14 a partir das 17 horas no Centro Cultural Kaleidoscópio, com entrada no Calçadão de Caxambu em entrevista a Claudia Lopes Borio, que colabora também com o Primeira Fonte.
"Aníbal Bragança, historiador, livreiro, editor, professor,
pesquisador da Universidade Federal Fluminense, acaba de lançar,
juntamente com Márcia Abreu, da USP, a obra “Impresso no Brasil –
Dois Séculos de Livros Brasileiros” (com outros co-autores), que
ganhou o Prêmio Jabuti. Atualmente, reside em Niterói e é diretor de
pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional.
Aníbal Bragança foi entrevistado para o Jornal Primeira Fonte por
Claudia Borio, bibliófila, leitora e escritora de Curitiba, Paraná."
CLB- Anibal, você é “português com direitos equivalentes” aqui no Brasil. Como você se sente com relação a isso, você acha que Portugal fica cada vez mais distante do Brasil, cultural e até linguisticamente, ou continua sendo a nossa pátria-mãe?
Anibal- Uma das matrizes culturais mais importantes na formação do Brasil é indubitavelmente a cultura portuguesa. Sinto-me muito bem, como português, que seja assim. Afinal há muito de positivo nisso. Certamente a miscigenação, a abertura para o outro, o acolhimento presentes na cultura brasileira tem muito a ver com a dos nossos colonizadores. E o chamado “estatuto de igualdade” recíproca entre Brasil e Portugal decorre dessa história comum entre os dois países. Mas o Brasil tem uma cultura muito rica e diversificada, o que a faz singular em relação à herança portuguesa.
CLB- Você trabalhou por um bom tempo num programa do governo brasileiro, destinado ao incentivo à leitura, o Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler). Você acha que esse programa teve bom resultado, e o que acha que deveria ser feito para que se incentive ainda mais a leitura nas escolas?
Anibal- Infelizmente fiquei poucos meses na coordenação nacional do Proler, mas o tempo suficiente para conhecer uma enormidade de agentes de leitura espalhados pelo Brasil, com uma dedicação desinteressada à causa da leitura, que muito fazem para a promover e, em especial, para formar novos agentes de leitura. Isso tem dado bons resultados, mas é necessário mais. Não só a escola deve ser um lugar de formação de leitores, e o é quando os professores são leitores, mas as famílias são o espaço mais determinante para a formação do leitor (quando os pais o são). É na primeira infância que as crianças devem ter contato com os livros, antes da escola. A escolarização da leitura muitas vezes afasta a criança do livro. É necessário associar a leitura a prazer, a viagens imaginárias, a conhecimentos de novos mundos, novas personagens, novos conhecimentos, o que toda criança adora.
CLB- Eu creio que “Impresso no Brasil” veio preencher uma lacuna na nossa história, contando um pouco da aventura que era produzir livros aqui nos nossos primórdios. Você não acha que os nossos primeiros editores, com suas prensas à la Gutenberg, pouquíssimos recursos e quase nada de dinheiro, foram uns verdadeiros heróis.... sem falar dos casos em que sofreram ataques ou boicotes por causa de governos estaduais ou das províncias.... pode falar um pouco sobre isso?
Anibal- O livro Impresso no Brasil – Dois séculos de livros brasileiros, que organizei com Márcia Abreu, publicado pela Edunesp e que ganhou o prêmio Jabuti 2011 de melhor livro da área de Comunicação, é uma obra que fala da história do livro e da leitura em nosso país, mas também aponta para os desafios atuais que enfrentamos, incluindo a concentração nas áreas editoriais e livreiras, a presença de editores estrangeiros em nosso mercado, o papel das editoras universitárias, os desafios para os pequenos e médios editores e mesmo a questão dos e-books e a cultura digital. Acho que toda a “aventura editorial” é um tanto heróica, especialmente nos seus primórdios. Mas é também um campo que se profissionaliza cada vez mais e que gira com muitos investimentos.
CLB- O período da ditadura, especialmente após o fechamento do Congresso Nacional e o Ai-5, foi dificílimo para a imprensa nacional, tanto de livros como especialmente de jornais e revistas.... você acha que sobrevivemos galhardamente e saímos amadurecidos, ou perdemos muito nesse período... como você viveu esse período.... conte um pouco das suas experiências pessoais...
Anibal- Eu era estudante de Economia na UFF e tinha fundado uma livraria-editora em Niterói, em 1966. Era um espaço de ação cultural e política. Logo após o AI-5 fui detido e levado para o DOPS. A livraria Diálogo foi fechada e tivemos muitos constrangimentos. Éramos jovens, eu e meus sócios, e continuamos na luta. Entretanto, ficamos baqueados, e acabamos tendo que vender a empresa. Voltei mais tarde a criar a Livraria Pasárgada e retomei o sonho de fazer uma livraria moderna que fosse ao mesmo tempo um centro cultural. Conseguimos por um bom tempo. Mas a censura à difusão de idéias e à circulação de livros e notícias é um ambiente muito hostil ao desenvolvimento das práticas culturais. Uns de nós se perderam, uns foram assassinados, outros sobreviveram e continuam. A vida é assim.
CLB- Como você vê a literatura atual no Brasil, acredita que temos autores maduros e interessantes para os jovens leitores, ou ainda nos prendemos a uma produção literária de tradição muito romântica ou do tipo “arte pode ser esquisita e não precisa ser entendida”... você acha que temos futuro, ou que a indústria do livro atualmente ainda se sustenta muito pelas compras que o governo faz de livros didáticos e não pela produção literária propriamente dita?
Anibal- Para o mercado do livro no Brasil é muito importante o programa do governo de fornecer as obras didáticas aos estudantes de escolas públicas. Mas há áreas da indústria editorial que sobrevivem sem essas compras. Entretanto, á área está enfrentando um processo de transformação muito acelerado, provocado pelas novas tecnologias que oferecem oportunidades nunca vistas antes para acesso a informação e cultura, criando uma nova realidade para as práticas de leitura e a circulação de textos. A Internet tem oferecido possibilidades para surgimento de novos autores e novos leitores, mas essas práticas são muito diferentes das da cultura do impresso. A literatura enfrenta esses mesmos desafios e oportunidades. Claro que temos muitos bons autores que fortalecem a tradição literária brasileira.
CLB- Você realizou uma grande pesquisa nos arquivos da Livraria Francisco Alves, a casa editora mais antiga do Brasil, e antes disso pesquisou os arquivos para escrever a história de como foi editada essa obra-prima da literatura (e da história) brasileira, Os Sertões de Euclides da Cunha. Você acha que podem existir outros acervos históricos pelo Brasil afora que estão em perigo de se perder, pelo tempo e deterioração, e que merecem ser preservados... o que você recomendaria para os governantes e também para os pesquisadores que quisessem seguir esses passos?
Anibal- Não só no Brasil, mas em todo mundo, os editores não valorizam os seus arquivos como fontes importantes para a história da cultura letrada, mas eles são. Tivemos sorte de encontrar partes consideráveis dos arquivos da Francisco Alves ainda preservados, com documentação que vem desde o século XIX. Há algumas poucas editoras, como a Melhoramentos, a FTD, a Nacional, que têm preservado partes de seus arquivos. É importante que todos os editores preservem sua correspondência e contratos com autores. Estes, além de todos os outros documentos, como originais manuscritos que ainda possam existir devem ser preservados e oferecido acesso aos pesquisadores, inclusive para mostrar o papel dos editores de livros na formação cultural do país.
CLB- Você é fundador do LIHED (Núcleo de Pesquisa sobre o Livro e a História Editorial no Brasil). Gostaria que explicasse um pouco sobre esse núcleo, como foi fundado, qual seu objetivo principal. O núcleo se filia a alguma universidade, terá alguma revista científica que permita a pesquisadores nacionais participarem, publicarem seus trabalhos, enfim, como funciona?
Anibal- O LIHED está vinculado à Universidade Federal Fluminense, onde sou professor e pesquisador. O objetivo principal é criar um Centro de Memória Editorial no Brasil, com acervos de editores, livreiros e mesmo de autores. Temos um espaço físico na Biblioteca Central do Gragoatá, em Niterói, é um espaço virtual www.uff.br/lihed onde disponibilizamos textos e informações sobre a história do livro no Brasil.
CLB- Você diria que o futuro da literatura reside nos leitores, aqueles que desligam a televisão ou que lêem no trem, no metrô, no ônibus, alheios a tudo?
Anibal- A literatura ergue-se sobre um tripé composto por leitores, editores e autores, sem predominância de qualquer um deles sobre os demais. Todos são importantes e fundamentais para se construir a cultura letrada, que foi responsável pela construção do mundo moderno. Hoje o cenário cultural tem seu centro na cultura digital e audiovisual. Mas há lugar para todos, pois a diversidade oferece múltiplas possibilidades. Aqueles que conseguem participar plenamente do banquete cultural contemporâneo são privilegiados.