domingo, 1 de janeiro de 2012

SENHORA DO TEMPO - OUTROS REVEILLONS

Telinha Cavalcanti


Minhas primeiras lembranças de festa de ano novo trazem papai, de pijama, no quintal de casa, dando tiros para cima com seu .38, para "matar o ano velho". Isso foi lá no século passado, quando ele era promotor e tinha porte de arma, e eu era menina. Diz a lenda da família que, aos quatro ou cinco anos, animada com os fogos de artifício, gritei "Viva São João!" em pleno 31 de dezembro.

Não me lembro com certeza se ele gostava do Natal e não gostava do Ano-Novo ou era o contrário. Sei que gostava de uma festa e a outra o entristecia.

Lá em casa, a mesa era farta. Como já falei numa Quitanda da Vida, sempre tinha sarrabulho, a farofa com os miúdos do peru. Nunca ligamos para roupa nova, roupa branca, comer uvas, dar pulinhos. Minha irmã, sim, fazia todas as simpatias. E já começava o ano reclamando do nosso desleixo: eu e papai de pijama, mamãe de vestido simples. "Não pode isso! Não pode aquilo! Tem que fazer não sei o quê! Vamos gritar DEZ! DEZ! DEZ! na passagem do ano para atrair prosperidade!" Eu olhava para papai, papai me olhava, como quem diz "é melhor não contrariar, fica quieta."

Para minha irmã, era o tempo de grandes expectativas. A roupa certa, o lugar certo para ir - com as pessoas certas, claro. Ela deixava as meninas conosco e, depois da meia noite, saía com o marido para as festas mais badaladas.

Passamos os anos da doença de papai em Natais tensos e reveillons complicados. Nada mais era como antes, no entanto os rituais sobreviveram: a ceia, os presentes, os amigos-secretos com os enfermeiros do meu pai. A vida andou para frente, as crianças cresceram.

Meu reveillon mais feliz foi o de 1999/2000 - o meu primeiro casada com Amado Marido. Não sei bem o motivo, não fizemos nenhum cardápio especial. A virada do milênio nos encontrou tomando champanhe barata, comendo pizza de calabresa e assistindo desenho animado do Pernalonga. Os dois com roupinha normal, uns pisca-piscas na sala, o gato do nosso lado. Fomos para a janela ver os fogos - morávamos no Humaitá, com vista para o Cristo - e depois fomos dormir.

Eu não sabia na época, mas essa noite pautaria todos os nossos natais e reveillons. Nunca desejei ir para Copacabana na virada do ano. Não fazemos questão de festa; é uma noite só nossa, com boa comida, champanhe barata, nossos gatos, beijos e risadas. Fazemos alguns planos para o ano novo, sorrimos, vamos dormir felizes. Não precisamos de mais nada - e, no dia seguinte, almoçamos na casa do pai dele, voltamos carregados de tapoés e, assim, mais um ano se inicia.