domingo, 29 de janeiro de 2012

SENHORA DO TEMPO- PISANDO EM BRASA

Por Jorge Carrano


Foto de Victor Brasil-Google


Melhor teria sido, no que me concerne, se o encontro fosse uma brisa que tornasse incandescente a adormecida brasa da camaradagem, gerando entusiasmo e excitação pelo reencontro.
No entanto, foi frio, formal e melancólico.

Eu caminhava pelo calçadão de Icaraí, como habitualmente. Ele vinha em sentido contrário, de tênis, camiseta e boné. O rosto com algumas marcas do tempo, mas as feições mantidas intactas. Impossível não reconhecer, já que estudamos juntos no Liceu, morávamos relativamente próximos e fizemos, junto com outros jovens idealistas, um programa radiofônico estudantil. Falo de Eugênio Lamy Filho.
Num ato reflexo pus-me diante dele e perguntei: posso desafiar sua memória? Eis a sequência do diálogo.

- Hummmm!
- Quero desafiar sua memória. Você lembra que há muitos anos, você escreveu uma crônica que falava de um negrinho vendedor de amendoim que morreu atropelado ao descer do estribo do bonde com sua lata de carvão e saquinhos de amendoins já torradinhos?
- Como você sabe disso?
- Ora,eu li esta crônica na rádio Federal.
- É... eu lembro do Carrano e de um outro que é dentista.
- Pois o Carrano sou eu, e o dentista é o Oswaldo. Mas éramos cinco; tinha ainda o Alódio e a Estherzinha. Lembra dela? Eu a localizei recentemente na internet. Está bem, tornou-se jornalista e poeta e, atualmente, aposentada, mora em Caxambu.
- Ahhh! Você tem boa memória.
- E você, como está?
- Me aposentei há dois meses, trabalhava para o estado, e agora tenho só um consultório particular.
- Legal. Agora vai só curtir a vida não é?
- Tenho dois filhos. Um é médico e está fazendo um pós na Universidade da Califónia. O mais novo, está com 29 anos, é advogado e está na Petrobrás.

A caminhada rendeu mais uns três minutos de conversa, até que chegamos à Praia da Flechas, ele ia retornar e despedimo-nos. Sem grandes emoções ou demonstração de alegria. Por fim, uma recomendação médica: você deve caminhar sempre porque estimula o cérebro. Bem, ele é psiquiatra.
Nem mesmo aquele célebre “me liga”, com o qual nos despedíamos de amigos não muito próximos que encontrávamos ocasionalmente.

Nos três minutos aos quais me referi, antes da despedida, fiquei sabendo que não ele não está e nem frequenta a rede, não tem site ou blog, e acabou de ler o livro do Ricardo Amaral, “um empreendedor” segundo qualificou.