sábado, 15 de setembro de 2012

A GUERRA DO TUM-TUM-TUM

Por Claudia Lopes Borio*



Foto Google

Atualmente está na moda falar em barulho, em poluição sonora, mas geralmente não damos muita bola para isso, a não ser quem tem “ouvido de tuberculoso”, como diz meu pai, expressão muito usada antigamente. Não sei por que motivo os tuberculosos ouviriam melhor do que os outros, mas aparentemente eles tinham uma grande sensibilidade para ruídos, Talvez fosse devido à doença, ao sofrimento da falta de ar. Eu, como não sou tuberculosa, mas sou asmática, também tenho ouvido fino e gosto de dizer que ouço o “click” das folhas de grama, quando me deito no jardim para olhar a lua, e o “tic-tic” dos cupins que lentamente roem meu sofá de vime favorito.

No entanto, a poluição sonora é a única que cessa imediatamente, quando se desliga a sua fonte, ao contrário de outras poluições. Ou seja, o som não permanece no ambiente, quando aquilo que o produzia é desligado. Assim, desligou a tevê, o barulho acabou na hora. Isso nos dá a impressão de que som não é poluição, e de que não faz mal. É um engano bem grave.
Relatos existem de misteriosos barulhos ou zumbidos que perturbam populações inteiras, e eu já escrevi até um conto sobre isso. 

 Na Inglaterra foi documentado “The Hum”, o zumbido que afligiu várias pessoas numa determinada região. Em outros países, antenas, turbinas eólicas, geradores, fábricas, todos produziram “The Hum” ou zumbidos misteriosos, causando cansaço, perturbando o sono, deixando as pessoas nervosas, amedrontadas ou simplesmente irritadas.

No Novo México há até uma cidade, Taos, onde se diz que existe um Zumbido residente, e que é comum ouvi-lo. No Havaí, um vulcão produz também um zumbido poderoso.

Mas a poluição sonora que mais aparece, e da qual mais nos queixamos, é composta de barulhos altos, súbitos, capazes de provocar sobressalto – um escapamento de caminhão, o freio de um ônibus, uma buzinada. 

Entra aqui o que eu queria abordar, os rapazes novos – sim, geralmente são homens, os casos que observei eram 100% rapazes, que possuem carros, não luxuosos nem de primeira linha, equipados com poderosas e imensas caixas de som, onde eles ouvem música de um tipo que só posso definir como TUM-TUM-TUM. 
Não é música sertaneja, nem brasileira, embora possa eventualmente ser o “breganojo” ou “sertanejo universitário, mas sim música eletrônica, eminentemente repetitiva, composta de poucos compassos e poucas notas, geralmente numa mesma amplitude de notas musicais – é interessante notar como todas as músicas parecem ter sido escritas numa mesma parte da escala musical.




É como se estivéssemos em frente a um piano e tampássemos uma boa parte das teclas, ficando somente com umas dez ou doze bem no meio dele, desprezando todas as outras. Música simples, pobre de harmonias e de enredos, e muito repetitiva. 
E o que mais se destaca são as percussões fortíssimas, conseguidas a base de recursos eletrônicos, que ecoam pelas paredes dos edifícios, fazem vibrar até o chão e de longe se ouve tais carros que se aproximam. Dentro, geralmente um ou dois rapazes, óculos escuros, camiseta, bermuda com nomes de marcas de surfe (alguns dos carros que eu observei tinham adesivos da Oakley, uma fornecedora de óculos escuros para surfistas), tomando uma cervejinha impunemente. 

Horário de funcionamento do TUM-TUM-TUM? Começa às 10 da manhã e... bem, não tem horário para terminar. Local preferencial? Desfilando lentamente pelas avenidas à beira mar, ou próximas da beira do mar, indo ocasionalmente se reabastecer em alguma distribuidora de bebidas.

Ansiosa para entender o que passa na cabeça desses seres humanos, submeto-me voluntariamente ao sacrifício e me exponho por alguns minutos ao TUM-TUM-TUM. Serão sensações delirantes de prazer, uma vontade inexprimível de dançar que soltarão meu corpo e farão de mim uma sílfide dançarina? Nada. Sinto vontade de sair correndo, com uma forte opressão na cabeça que literalmente faz vibrar meus ouvidos e minhas bochechas por dentro a cada TUM , meus ouvidos doem e a sensação que eu tenho é que o ritmo corresponde ao do meu coração, mas na forma de múltiplos – ou seja, se meu coração bate 60 vezes por minuto, o TUM-TUM-TUM ecoa 360, 720 vezes por minuto.
 Imediatamente, meu coração parece querer acompanhar o ritmo e bater em TUM-TUM-TUM também.

Sinto-me inquieta, desassossegada. Começo a sentir uma esquisita taquicardia e minha boca seca.A vontade de fugir do lugar aumenta mais a cada segundo, e começo a perceber que tudo ao meu redor está amortecido, anestesiado. Sinto dor, literalmente dor, nos ouvidos. A vibração se transmite à mandíbula, ao peito. Penso que posso morrer, ou desmaiar. Sem mais o que fazer, abandono o experimento o mais rápido que posso, e noto que estou suando frio. Foi como se passasse por alguma experiência causadora de pânico ou de forte adrenalina. Não achei nem um pouco agradável.

A atitude dos jovens impressiona: não é simpática, e não vejo como possa atrair ninguém. Ocasionalmente, já vi algumas garotas andando de passageiras em tais carros, junto com rapazes, mas não senti nelas nenhum entusiasmo, tanto que não vi moças com carros próprios e equipamentos de TUM-TUM-TUM, e nenhuma mulher passou dirigindo algum carro com som alto, em todos que observei.

De fato, a ciência já percebeu, há muito tempo, que a exposição a sons muito altos é capaz de destruir células nervosas do ouvido, transformando as pessoas em surdas. Ou seja, a cada hora de TUM-TUM-TUM, lá se vão algumas células, que não mais nascerão, pois não se renovam. O dano passa desapercebido, assim como ocorre com tantos jovens que ouvem seu rock’n’roll em casa com altofalantes potentes ou fones de ouvidos, jogam games, enfim, divertem-se com diversões eletrônicas e sonoras, bem como com operários, operadores de máquinas, DJs, e outras pessoas que se submetem a ruídos altos e prolongados. Aliás, a legislação trabalhista já contempla o uso obrigatório de abafadores de ruídos (tapaouvidos) para esses casos, bem como os períodos de repouso que compensam as horas trabalhadas com ruídos altos.

Mas o TUM-TUM-TUM dos carros de som, que não passa de uma diversão, de um “corso” ou desfile pela beira da praia, ritual de paquera ou exibição, parece atingir uma altura muito grande para mim, é inimaginável como as pessoas conseguem suportar isso, embora várias pessoas me assegurem que nas discotecas, festas e “raves” é facilmente possível de alcançar volumes ainda mais altos de TUM-TUM-TUM.

Em pesquisa junto a uma fornecedora de aparelhos de surdez para idosos, que preferiu permanecer anônima, tive a confirmação de que vêm atendendo também a jovens, sendo que nos últimos dias venderam um aparelho de surdez para um rapaz de 32 anos. Mas que são casos bastante difíceis de atender, pois muitas vezes a surdez dos jovens é diferente da dos idosos e não adianta usar aparelho, pois não há mais condução das ondas sonoras.

A ciência já comprovou também que o som alto, em ritmo rápido, pode causar taquicardia, convulsões, epilepsia, disritmia cardíaca e cerebral, derrame e até a morte. Interessante também ler que o som alto de qualquer natureza pode ter um efeito terrível sobre o sistema imunológico, ou seja, a pessoa submetida a uns três dias de TUM-TUM-TUM pode sair dali com uma pneumonia galopante ou morrer de leucemia , sei lá eu.

Os americanos não deixaram de se valer dessas interessantes características das ondas sonoras para pesquisar formas de torturar presos, como ocorreu por exemplo no seu campo de concentração de Guantánamo, onde torturaram presos de origem islâmica com a repetição em volumes altos de músicas ocidentais (para tristeza de vários músicos, que ficaram consternados ao saber disso). Fala-se também de uma misteriosa arma sonora que poderia ser usada em guerras, destruindo a resistência física e mental dos inimigos. Não duvido que tal arma seja uma bateria de TUM-TUM-TUMs alinhados em fila. Poderíamos facilmente fornecer tal arma e... (ai! Espero que nunca seja usada, como todas as armas!!!).

Na lei brasileira, como tudo é previsto e maravilhoso, ah, se somente fosse aplicada, temos que a poluição sonora é prevista no artigo 42 da Lei de Contravenções Penais, podendo resultar do exercício de profissões ruidosas, gritaria ou algazarra, uso de instrumentos sonoros ou musicais ou ruídos produzidos por animais. Não é necessário medir o grau de decibéis para que o infrator seja enquadrado, basta a alegação de que está incomodando os outros, ou seja, ruído incômodo é todo aquele que perturbe o sossego ou o silêncio.

No litoral do Paraná, reino do TUM-TUM-TUM, já houve várias operações em prol do silêncio, inclusive com apreensão de equipamentos e multas, mas ultimamente só vi os carros da polícia passando rapidamente pelas principais rodovias, com ar muito atarefado, e pelo menos oito TUM-TUM-TUNS passaram por dia em frente ou próximos da casa onde estive hospedada no Sete de Setembro. As prefeituras locais também não tiveram a ideia de submeter os infratores a exames de audiometria, que poderiam comprovar rapidamente que se tornavam surdos, o que certamente seria um fator de desestímulo.

Como se não bastasse o desfile incólume de carros com o som “no último”, uma casa da esquina abrigava uma festa com volume sonoro elevadíssimo, e músicas da mesma (pobre) qualidade dançante, festa essa que começou na quinta feira e só parou no domingo, com pessoas bebendo pelas sacadas, sem interrupção. Só pode ter sido a base de drogas, pois não entendo como alguém possa ficar quatro dias acordado bebendo e ouvindo nosso querido TUM-TUM-TUM.

Além disso, no sábado presenciamos uma guerra sonora – nossa, os americanos deveriam ter vindo assistir e estudar isso! Realmente, deveriam ter enviado observadores internacionais! Foi impressionante! A casa roxa da esquina com seu TUM-TUM-TUM impávido, não sei o que houve que eles resolveram aumentar ainda mais o volume. Estava de desfolhar o pé de araçá. Foi quando de repente algum vizinho deve ter se queimado na parada, e a pensão da outra esquina resolveu contratacar com BREGANOJO. Foi uma disputa de derreter altofalante.

Nós só escapamos da perda total de nossas células auditivas porque fomos empinar pipas na praia, e depois descobrimos umas caixinhas de som na nossa casa e ficamos ouvindo um modesto sambinha, muito agradável, que teve o condão de apagar um bom tanto a guerra que se processava lá fora, pois como se sabe, os chamados “ruídos brancos” podem dissipar a sensação de estresse devida à poluição sonora. O resultado da guerra, para quem ficou curioso em saber, foi que o TUM-TUM-TUM da festa na casa roxa ganhou, pois o BREGANOJO estava sendo tocado de um carro e creio que deve ter acabado a bateria ou derretido o altofalante.

Meu único consolo, em toda a antipatia que nutro contra os guerreiros sonoros, é que logo estarão com seus sistemas imunológicos comprometidos e serão irremediavelmente surdos, e portanto nem Tum-tum-tum (baixinho, longe) ouvirão mais, terão que aprender a se comunicar usando LIBRAS, venderão tristes seus carros cheios de caixas de som imensas, pois não conseguirão mais renovar a carteira de habilitação e irão residir em comunidades só para surdos, onde sobreviverão fabricando vassouras de piaçava, pois embora pudessem ter estudado para ser surdos cultos e ter profissões ótimas, não estudaram, ficaram ouvindo somente seus... TUM-TUM-TUNS...

*Claudia Lopes Borio é escritora em Curitiba e detesta som alto.