sábado, 7 de setembro de 2013

GENTE HUMILDE.

Esta seção é destinada a contar a vida das pessoas como nós, que vivem longe dos holofotes, mas que têm suas histórias de vida, cotidiana, formando a consciência coletiva do mundo. Enfim, elas são o micro do macro. 

Hoje a conversa é com dona Maria Gomes da Silva, doméstica aposentada de Ouro Preto. As palavras, se coloquiais, se em gírias, serão respeitadas. Tudo faz parte do meio para se chegar ao fim.

(ALD e ELB)

A GUARDIÃ

Por Esther Lucio Bittencourt
colaboração de Ana Laura Diniz

Maria Gomes da Silva, de 75 anos, doméstica aposentada. Vive em Ouro Preto, Minas Gerais, e durante muitos anos trabalhou para Linda Nemer, proprietária atual da casa que era da poeta norte-americana Elizabeth Bishop.

Dona Maria, a Guardiã
“Na época em que Linda pegou essa casa, que era da Elizabeth Bishop, um amigo dela me disse que ela precisava de uma pessoa para tomar conta da residência. Era o Marcelo, dono da Padaria na Rua São José. Então a Linda mandou me chamar lá em casa, aí eu vim, nós conversamos e ela falou assim: ó dona Maria eu preciso de uma pessoa para cuidar desta casa, porque eu vou mandar reformar ela, arrumar.... a casa estava muito estragada.... e quero que a senhora cuide dela e a traga sempre muito limpa, arrumada, porque eu vou vim passar fim de semana aqui – a Linda é ouropretana , mas mora em Belo Horizonte- meus amigos virão, eu preciso de uma pessoa assim. A senhora aceita? Aceito, uai. Eu preciso trabalhar... Foi em 1985 e hoje minhas filhas continuam fazendo o meu trabalho. Mas sempre venho dar uma olhada para ver se está tudo bem.

A Elizabeth era amiga da Lili, parece que elas vieram para o Brasil na mesma época. As três irmãs, Lili, Nini e Jerry. Hoje só a Jerry está viva. Dona Lili morava na rua do Carmo.

Eu nunca trabalhei com a dona Elizabeth, mas a mulher que era empregada dela e chamava Vitória era amiga dessa vizinha aqui, dona Noquinha, e na época que Elizabeth adoeceu Vitória foi para Belo Hotizonte e lá ela casou e acho que ela ainda é viva ainda . Ela é comadre desta aqui, a dona Noquinha. Eu nem conheci a Vitória, mas conheço bem dona Noquinha.”

Estávamos numa sacada da copa da casa e desejei saber o que a poeta via da sacada, como era a cidade no tempo em que morava lá.

Dona Maria e Esther
Dona Maria me respondeu: "Ela devia ficar olhando aí tudo isto aqui que já existia na época dela, menos as casa lá por alto, àquela parte de lá , do outro lado assim, por volta, que lá não existia ainda, era tudo campo, que ali hoje é um bairro enorme que tem a Coperouro da Alcan. Na época em que a Elizabeth morava aqui não tinha isto, nem aquelas casinhas, que era também campo, igual a parte de lá. Há pouco tempo, assim, que a Prefeitura dá os lotes , aí as pessoas vão lá e falam : fora. E os que estão lá vão embora e eles constroem uma casa e lá em cima a Universidade fez a Escola de Minas. Lá em cima é a Universidade. Os jardins daqui foram feitos pela Linda. Estes cheios de copos-de-leite... Mas dizem que ela gostava de uns golinhos, né? A Elizabeth.

A divisa vai aqui desta árvore aqui . Para lá da árvore é da outra casa. Da árvore vai reto até lá em baixo, depois sobe e vai até perto do hotel Solar das Lajes que era da dona Lili, perto da casa grande que dona Lili comprou. Tem estas janelas que tem uma cor, né ? que cor é esta? Parece esverdeada... esta casa destas janelas era pequena . No que seu Pedro foi querer fazer hotel ele foi espichando para aqui , como fala? Fazendo bangalôs? E a casa de cima está fechada porque está muito estragada, tá quase caindo. Olha só... tá quase caindo.”

E assim dona Maria continua com suas histórias, e as casas, lugares, pessoas desfilam na sua fala como se fossem conhecidos de todos nós. De vez em quando ela dá uma olhada no serviço das filhas, comenta alguma coisa com a neta que está lá para ajudar.... e assim a vida corre na 546 da rua Conselheiro Quintilhiano onde morou a poeta Elizabeth Bishop. Uma casa de janelas que abrem para a calçada, apenas um banheiro e muito espaço para jardim e sonhos, os construtores dos poemas.