quarta-feira, 4 de setembro de 2013

UMA ARTE ENTRE DOIS MUNDOS: ELIZABETH BISHOP



Por Esther Lucio Bittencourt
fotos de Ana Laura Diniz


Neste momento do lançamento do filme Flores Raras, sobre o livro de Carmem Oliveira, Flores Raras e Banalíssimas, que fala da relação entre a a poeta Elizabeth Bishop e a inventora de Jardins, Lota Macedo Soares, nada melhor do que relembrar u8ma série de matérias que foram feitas a partir da visita à casa de Elizabeth, em Ouro Preto, Minas Gerais.

“Continuo achando a minha casa a mais bonita do mundo, e a cidade é linda também, do ponto de vista arquitetônico – mas isto não basta. Você não tem nenhum paciente milionário, ligeiramente excêntrico, que se interesse por arquitetura barroca, ou história da América do Sul, ou psicologia – que estaria interessado em comprá-la? Juntamente com uma boa quantidade de bons móveis do século XVIII e início do XIX?”
.......

Este é o trecho de uma carta escrita pela poeta Elizabeth Bishop para a doutora Anny Baumann, em dezembro de 1969, sobre sua casa na cidade mineira de Ouro Preto, quando desejava vendê-la por desesperar-se com a mão-de-obra sempre incapaz e cara da cidade.

Rubrica de Elizabeth Bishop em bilhete/poema para Manuel Bandeira
Do livro “Uma Arte”, editado pela Companhia das Letras, foi extraído este texto. Estive em sua casa em Ouro Preto com Ana Laura Diniz, que fez as fotografias.


Elizabeth Bishop(google)
Sentei em sua cadeira de balanço, respirei o sentimento da casa, pois é certo que todas as casas guardam nas paredes a vida e as emoções dos que nela viveram. Pela janela vi a pequena cachoeira seca, com algumas samambaias nativas crescendo na sombra entre as pedras. Talvez, em seu tempo, pela ladeira de pedra seca talvez rolassem águas encrespadas, principalmente, no tempo da chuva. Lembranças, quem sabe da serra de Petrópolis, no Estado do Rio, da Fazenda Alcobaça, em Samambaia, onde vivia com Lota de Macedo Soares.











A DONA DA CASA
Fotos de Ana Laura Diniz

Foto da foto: Linda Nemer há alguns anos atrás.
Reprodução da foto que está presa por um simples adesivo na parede
 da sala-de-estar da casa "Mariana".
Linda Nemer, 74 anos, professora aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) de Ciências Econômicas e Sociologia Política, comprou a casa de Elizabeth Bishop, em Ouro Preto, de sua herdeira Alice Helen Methfessel, que viveu durante anos como secretária e amiga íntima da poeta.

“Meu irmão, o artista plástico José Alberto Nemer, conheceu Elizabeth na casa do pintor Scliar, em Ouro Preto,” conta Linda, “e ficaram amigos. Na década de 50 ela começou a reforma da casa que comprara em Ouro Preto. Lota ainda era viva e as duas vinham muito à cidade e ficavam hospedadas no Pouso Chico Rey de Lili Correa de Araújo. Eu a conheci no hospital, em Minas Gerais, quando esteve internada devido ao seu problema com a asma.


Da primeira sala da casa, a vista para o jardim.







Sou de Ouro Preto, mas morava, trabalhava e estudava em Belo Horizonte. Por várias vezes estive hospedada na casa de Elizabeth, em Ouro Preto, e ela, muitas vezes, ficava em minha casa, em Belo Horizonte, para tratamento médico. Quando ela voltava aos Estados Unidos meu irmão e eu tomávamos conta da casa dela.

Quando eu viajava para a Europa ou para os Estados Unidos nos encontrávamos. Uma vez, em Boston, fomos ao cais do porto ver um Loft que um arquiteto de vanguarda construíra e ela pretendia comprá-lo. Perguntei se pretendia deixar Ouro Preto. Ela olhou-me firme e respondeu: Jamais deixarei Ouro Preto, pois foi a primeira vez na vida que tive uma casa só minha, sem ser hóspede em casa alheia.”



VIDA CIGANA

Foto da foto: Linda e Bishop no verão de 1972,
em Massachusetts, EUA.
Elizabeth Bishop perdeu os pais ainda jovem e morava na casa de avós. Depois viajou pelo mundo até que chegou ao Rio de Janeiro onde hospedou-se no apartamento da arquiteta e paisagista Lota Macedo Soares, com a qual viveu um romance intenso. Lota, que morava no Leme, foi a responsável pela construção do Aterro do Flamengo, no Rio, no Governo Carlos Lacerda.

No Brasil, Elizabeth viveu 15 anos. Após o suicídio de Lota, seu grande amor, ela fixou-se em Ouro Preto, dividindo seu tempo entre aulas em faculdades norte-americanas, viagens pela Europa e a cidade mineira.

“Já recebi propostas para vender esta casa que seria transformada em Museu Elizabeth Bishop, da Universidade de Vassar, onde ela estudou, e da Fundação Ford, que comprou a casa de seus avós no Canadá e construiu um Centro Cultural.

Elizabeth era uma pessoa finíssima, delicadíssima, requintada. Recebia amigos com honras de chefe de estado. Ela adoecia, passava mal, ia para Belo Horizonte e ficava em nossa casa. Sempre grata, delicada, reconhecida.

Era tão delicada na convivência que pedia licença para respirar. Era um peso pluma. Em sua casa de Ouro Preto promovia serestas, encontros de músicos e gostava muito de ouvir Gal, Bethânia, Caetano, Bossa Nova e Vinícius de Moraes, de quem era muito amiga. Gostava de coisas simples. Por exemplo, se conhecia na cidade vizinha, Mariana, um saxofonista, o apresentava para os amigos em sua casa, em noite de festa. Aliás, sua casa chamava Vila Mariana em homenagem à poeta amiga norte-americana Marianne Moore.

Sabe aquela música do Caetano Veloso, ‘Não Identificado’? Ela desejava muito vertê-la para o Inglês. Mas esbarrou no disco voador porque em inglês a palavra ficava como pires voador.” A música é esta:

NÃO IDENTIFICADO
(Caetano Veloso)




“Falava muito mal o português, mas conhecia a língua e as suas nuances. Apreciava muito também este poema de Carlos Drummond de Andrade:

RETRATO DE FAMÍLIA


Fez uma antologia de poetas brasileiros e publicou nos Estados Unidos. Gostava de João Cabral de Melo Netto, do poeta engenheiro Joaquim Cardozo, Manuel Bandeira. Verteu o livro de Helena Morley, Minha Vida de Menina, para o inglês. Conhecia e amava o Brasil. Dizia que os músicos brasileiros eram os verdadeiros poetas”, continuou Linda.

Elizabeth Bishop (1911-1979), prêmio Pulitzer de Poesia em 1956, morou quinze anos no Brasil (de 1952 a 1967). “Seu olhar sobre a política do Brasil era de Lota, uma burguesa conservadora, que falava somente o inglês junto com seus amigos. A voz do Brasil era de Lota e somente após a morte desta é que Elizabeth começou a perceber como era o país, econômica e politicamente falando. Aqui em Ouro Preto ela passou a conviver com a realidade do Brasil. Reclamava muito dos trabalhadores que, por ela ser americana, sempre as coisas lhe saíam mais caras. Aqui, um trecho do grande poema que ela fez : “Manuelzinho”.

"E um dia berrei tão alto
que era para você ir correndo
e me trazer aquelas batatas
que seu chapéu voou e você saltou dos tamancos
deixando três objetos dispostos
em triângulo aos meus pés,
como se o tempo todo você tivesse sido um jardineiro de conto de fadas
e à palavra 'batatas'
sumisse para retomar as atividades
de príncipe encantado em outro lugar".


Ouça aqui o poema Armadillo, dito pela poeta Elizabeth Bishop: http://www.poets.org/viewmedia.php/prmMID/15214