segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

FANTE JOGA A REDE

Por Dade Amorim

John Fante. Pergunte ao pó. 6 ed. Trad. Roberto Muggiati. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. 206p.

Quem começa a ler a história do jovem escritor em começo de carreira num quarto de hotel barato em Los Angeles pode pensar que se trata de uma história sem maiores novidades. Bem escrita, com certeza (embora a tradução deixe um pouco a desejar), falando de apertos financeiros, esperanças, pequenas vitórias sem muita expressão, indispensáveis para alimentar a vontade de chegar lá.
Mas a obra de Fante se desenvolve num crescendo, e logo fica impossível largar o livro sem que graves motivos de ordem prática nos obriguem. Mesmo o desencontro amoroso do tipo “João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém”* vai sendo revelado de um jeito ardiloso, que lentamente envolve o leitor numa rede irresistível.
Ao fim de uns tantos capítulos, você não está mais lendo uma história, mas vivendo as agruras de Bandini, que encarna um tipo com o qual a gente se identifica facilmente. Quem não se reconhece em suas certezas inabaláveis de dez minutos, no amor agridoce, tecido de ódio e êxtase, nas lutas interiores e nas culpas de cada dia, nas reações desproporcionais? Mutatis mutandis, Arturo Bandini é uma versão menos heavy do Philip Carey de Maugham – embora também inesquecível.
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*C. D. de Andrade, em “Quadrilha”.


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ESCREVER É UM QUESTIONAMENTO


Safran Foer, Jonathan. Extremamente alto & incrivelmente perto.  Trad. Daniel Galera Rio de Janeiro: Rocco. 2006. 360 p.

Jonathan Safran Foer, um jovem vencedor, autor de Extremamente alto & incrivelmente perto, seu segundo romance, escrito em 2006, declara que, mais ou menos como acontecia com o inglês W. H. Auden, escreve para descobrir o que pensa. Enfim, mais um escritor que se anima a dizer que escreve, não por uma estranha compulsão, uma vocação irreprimível, mas por uma espécie de curiosidade intelectual.
Menos um candidato congênito a virar estátua. Nada contra quem vira. Nada contra fardões, academias e lauréis, quando expressam o reconhecimento da sociedade ao trabalho de um escritor. Mas tudo contra menininhos(as) que já começam a carreira com pose de predestinados à glória. Desmistificar a escrita (assim como qualquer trabalho de criação) me parece uma virtude e uma necessidade.
Aliás, nem é a pose que torna um autor consagrado. No caso de Froer, parece que o rapaz tem tudo para se tornar um desses. Seu primeiro livro, Tudo se ilumina, abriu caminho à promessa de uma obra memorável, em que o humor sarcástico e uma narrativa muito sintonizada com seu tempo tecem um texto excelente em torno do 11 de setembro.
 O enredo envolve segredos da família de Oskar Schell, um menino de sensibilidade excepcional e grande auto-suficiência que ficara órfão de pai ainda criança durante o atentado ao World Trade Center. Tais segredos são rodeados de narrativas sobre fatos do passado.
A obra mostra um autor ainda mais afinado, de texto consistente, tingido de seu conhecido humor e traços de melancolia, que o tornam mais balanceado, onde Foer descreve com propriedade e talento a solidão do garoto e sua relação intensa com o pai morto, e com a mãe, menos próxima e de parcas afinidades com o filho. Descreve também as atividades variadas a que ele se entrega – dando aulas, enviando cartas frequentes a Stephen Hawking e dando asas à criatividade de muitas formas, algumas extremamente surpreendentes. Os interesses de Oskar e o arrojo com que os movimenta fazem do livro um prato cheio, ao qual não falta uma boa dose de aventura. O que o menino realiza é uma espécie de resgate, algo que mantenha em alguma medida a presença do pai atenue a dor por sua perda. Mas a narrativa de Foer não tem nada de banal, e o leitor dificilmente se cansaria de segui-la passo a passo. Há ainda vertentes alternativas da saga familiar, como o trecho narrado por seu avô, de quem ele se sente mais próximo.
As diferenças de linguagem entre os personagens de Tudo se Ilumina se repetem, assim como as gráficas, em que são utilizadas imagens em forma de fotos e desenhos, diálogos tratados de forma original e outras surpresas.
           Jonathan Safran Foer é um autor pós-moderno sem truques ou exploração de contrastes supostamente reveladores. Ao contrário, ele trata da história de seu país e da mentalidade americana de seus personagens, um tanto confusa na era de Bush.