quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

PINDORAMA 10° 0' 0" S / 55° 0' 0" W

Esta seção fará uma viagem pelo Brasil através dos olhos de seus habitantes... Caminhar pelas estradas, vicinais, atravessar pinguelas, mataburros, entrar nas cidades, conhecer suas intimidades e delas partilhar. Quem sabe, ousar em sugerir que, ao ler as descrições cada um possa sentir sabores e perfumes de Pindorama, esta terra extensa e larga onde todos são donos, mas ninguém assume responsabilidades.

Seguiremos hoje os passos de “Eva Miranda, que é mais amazonense do que brasileira, administradora e funcionária pública federal. Tem vinte e cinco anos de sonho, de sangue e de América do Sul. Além disso, todas as tardes ela estuda Teatro na Universidade do Estado do Amazonas, enquanto sonha com dias de 50 horas”.

Conheceremos seu cotidiano, e deitaremos na rede que ela nos oferece.
Boa viagem, nesta BR.
Hoje, MANAUS.
(ELB)
UM DIA PERFEITO EM MANAUS

Por Eva Miranda

Do alto, da janela do avião, visão do nascer
do sol, tendo como palco o Rio Amazonas.

Crédito: Lucia Barreiros da Silva.
Para se ter um dia perfeito em Manaus, você precisa começar pelo início: o nascer do sol. Assistir ao sol nascendo numa latitude tão baixa requer algum sacrifício: o sol normalmente aparece no horizonte às 05h30, ou antes.

Você precisa torcer para que não amanheça chovendo. Porque em Manaus, especialmente de novembro a março, todo dia é dia de chuva. E a chuva cai (ou melhor, despenca) às quatro da madrugada, à uma da tarde e, dependendo do dia, às sete e meia da noite. Mas também há os dias em que amanhece e anoitece chovendo, aquela chuva ininterrupta, céu branco, e os amazonenses tiram dos armários as blusas de manga comprida e se orgulham de tiritar de "frio". Eu, boa amazonense que sou, quando o termômetro marca 26 graus, estou a um passo hipotermia. Juro.

Mas caso não amanheça chovendo, estamos próximos de um dia perfeito em Manaus. O céu amanhecerá azul com bolinhas brancas. Ou, sendo mais justa, o céu estará gloriosamente azul rebordado de nuvens brancas, enquanto um sol de ouro inunda a cidade de luz.

Às sete da manhã (quando é mais fresquinho), você estará suando e sofrendo com uma temperatura de 29 graus. Excelente momento pra tomar um café regional.

Curiosamente, não se usa muito o termo culinária amazonense; o usual é culinária REGIONAL mesmo. Provavelmente, o amazonense se reconhece como parte de uma identidade amazônica, compartilhada generosamente com os outros Estados do Norte. São sete estados diferentes, mas com tempero semelhante.

Café Regional significa:

a)                  o desjejum com elementos da culinária local;

b)                  o lugar que oferece este tipo de refeição. Em Manaus, tomar café na rua, na calçada, é muito usual. Minhas colegas de trabalho chegam às oito da manhã, carregando dentro de saquinhos plásticos uma tapioquinha na mão direita, e um suco ou café com leite na mão esquerda. Fumegando, comprados na banquinha em frente à repartição.

Há também o hábito de tomar "café regional na estrada". A família acorda às sete da manhã, permanece em jejum, entra no carro, pega a estrada, e após uma hora na BR - 174, quase chegando em Presidente Figueiredo, chega a um Café Regional. Não sei qual o milagre que permite que ninguém desfaleça de fome no caminho, mas provavelmente os deuses da floresta amparam os gulosos. Aos domingos, é usual ver os estabelecimentos lotados - e há Cafés Regionais para todos os bolsos e exigências de higiene.

Um bom café regional vai te oferecer sucos deliciosos e (Deus existe!) gelados. Pode contar com a presença de sucos de cupuaçu, goiaba, maracujá, e, se o café for de responsa, graviola e caju. Também deve haver o indispensável café com leite.

X-Caboquinho: o sanduíche regional
Comece com um x-caboquinho: pão francês na chapa com queijo coalho e lascas de tucumã, uma fruta laranja, salobra e gordurosa, que, acreditem ou não no que eu digo, é boa. Depois do sanduíche, coma tapioquinha. Com tucumã, sem tucumã, com queijo coalho, com queijo normal, com castanha, com leite condensado, com margarina, derretendo, saindo fumaça, o amido levado às últimas consequências.

Ah, e frutas. Você certamente terá abacaxi gelado (e o abacaxi do Norte é doce, amarelinho, não é aquela coisa branca e corrosiva do Sul e Sudeste), melão regional gelado (e o melão daqui é rosado e doce, não é aquela coisa verdolenga e salobra do Sudeste), melancia gelada, manga gelada, pois realmente Deus existe e o ser humano inventou a geladeira.

Banana verde frita
Mas cuidado ao fartar-se de frutas, porque você deve reservar um lugarzinho para comer banana frita. E em Manaus, a banana frita atingiu seu nível de excelência, meus queridos. Você pode decidir entre a banana frita doce com calda, doce sem calda, salgada macia, salgada crocante (que a Elma Chips ainda não descobriu), bolinho de banana verde frita. Dizem que os esquimós têm onze palavras para neve; não entendo como o amazonense ainda não criou termos específicos para as inúmeras variedades de preparo da banana frita. Você ainda não teve uma congestão? Vai um bolo de macaxeira com erva-doce, ou um bolo de tapioca? Mingau de banana, de tapioca ou de milho branco - que você chamará de mungunzá?

Para fazer a digestão dessas delícias todas, bom mesmo era deitar numa rede, mas vamos fazer uma caminhada. Venha comigo, eu te levo pela mão. Em outro dia eu te mostro a cidade.

Eva contra onça