A vida dilacera na alma que grita o que poucos têm a capacidade de ouvir e d’entender. É na veia que pulsa o pulso, na aliteração precária ou na explanação brilhante que a voz rascante de Alberta Hunter transforma qualquer ambiente em algo sempre melhor.
Pouco conhecida no Brasil, a jazzista nasceu no dia primeiro de abril de 1895, e aos 12 anos fugiu de Memphis, sua cidade natal, a caminho de Chicago para se tornar uma cantora de blues.
Passou por inúmeras dificuldades, inclusive pelo simples fato de ser negra. Mas realizou o seu sonho ao se consagrar como uma das mais populares cantoras afro-americanas dos anos 20. Começou profissionalmente em 1911 numa boate chamada "Dago Frank's", um bordel frequentado por criminosos e cafetões. Permaneceu por lá até 1919, quando o estabelecimento foi fechado após um assassinato. Então, mudou-se para uma boate menor e, meses depois conseguiu juntar dinheiro para trazer a mãe para morar com ela.
Acabou por casar, mas o matrimônio durou pouquíssimo tempo, já que nunca se consumiu de fato a união. Sua desculpa era a de que não teria relações sexuais na mesma casa em que a mãe morava, mas a verdade é que ela era homossexual. Seu marido então partiu para o Sul e, para sua felicidade, nunca mais se encontraram.
Alberta então conheceu Lottie Taylor, sobrinha do famoso cantor afro-americano Bert William. As duas começaram a namorar e ficaram juntas por muitos anos apesar de sua agenda cada vez mais lotada.
Hunter começou a cantar em uma boate chamada "Elite Cafe 1" (3030 South State Street), onde o pianista Tony Jackson, de New Orleans, já se apresentava. Diferente dela, Jackson era homossexual assumido, mas foi Alberta a responsável em popularizá-lo ao interpretar a sua música mais famosa, "Pretty Baby", escrita para o seu namorado.
Em 1915, Hunter conseguiu uma apresentação no "Panama Cafe", um lugar chique e frequentado somente por brancos. Neste momento, ela começou a se tornar uma estrela em Chicago apesar de uma nova reviravolta: o "Panama" também foi fechado depois de um assassinato no bar. Alberta seguiu então para o "De Luxe Cafe" (3503 South State Street), e depois para o "Dreamland Cafe" (3520 South State Street), onde a banda King Oliver's Creole Jazz Band costumava tocar.
Durante suas apresentações no "Dreamland", Alberta ficou muito amiga do pianista Lil Hardin, que também era de Memphis. Depois disso, ela se tornou uma estrela e foi considerada como a "queridinha do Dreamland".
Mas nem por isso ela se dava direito ao descanso. Tão logo terminava seu show na casa, pegava um trem para uma outra boate e cantava mais e mais e mais... até que uma certa noite, o pianista da banda de Alberta foi assassinado com um tiro enquanto eles estavam no palco. Claramente, os gângsters naquela época estavam em alta em Chicago.
Alberta mudou-se para Nova Iorque, em 1921, lançou sua carreira com a gravadora "Black Swan" junto a "Orquestra Fletcher Henderson's". Um ano depois foi para a "Paramount", onde Fletcher Henderson ainda a acompanhava com o piano. Ela fez belíssimas composições como "Down Hearted Blues", gravada pela primeira vez por Bessie Smith, em 1923.
Neste mesmo ano, Alberta se tornou a primeira cantora afro-americana a ter pessoas brancas na banda "Original Memphis Five", que a acompanhou em músicas como "Tain't Nobody's Biz-ness If I Do", "If You Want To Keep Your Daddy Home" e "Bleding Hearted Blues".
Em 1924, cantou nas sessões de música chamada Red Onion Jazz Babies, administrada por Clarance Williams, onde traziam Louis Armstrong e Sidney Bechet juntos pela primeira vez.
Enquanto estava
Vale lembrar que apesar de todo brilhantismo, na dificuldade de obter grandes contratos em várias gravadoras, Alberta Hunter fez uso de muitos pseudônimos durante os anos 20. Na gravadora Biltmore, ela era Alberta Prime. Ela também usou o nome May Alix, mas tinha uma May Alix verdadeira que gravou com a Orquestra Kimmie Noone's Apex e com a banda "Louis Armstronf and his Hot Five". Na Gennett, ela assinava Josephine Beatty (o nome de sua meia-irmã já falecida); e na Okeh, Vicor e Columbia, usava seu próprio nome.
Com o sucesso garantido, Alberta se mudou para a Europa em 1927. Mas antes, gravou algumas sessões com Fats Waller no órgão. No final daquele ano, se apresentou na Inglaterra e pelo continente com Paul Robeson. A essa altura, ela era um sucesso em Paris, e continuou a cantar pela Europa nos anos 30, como também na Rússia e no Oriente Médio.
Nada escapava de Alberta. Durante a II Guerra Mundial, Alberta fez parte do USO e cantava para as tropas na Ásia, nas ilhas no Pacífico do Sul e na Europa. Depois da Guerra, voltou para a América para cuidar de sua mãe já doente.
Aos 59 anos, tomou a decisão que poria fim a toda sua caminhada: inscreveu-se num curso de enfermagem e, nos correntes 20 anos, trabalhou no Hospital de Nova York, mesmo após a morte da mãe, em 1959. Mas no começo dos anos 60 ela gravou alguns discos, e, surpreendentemente, subiu ao palco mais uma vez em 1977, aos 82 anos, e continuou a cantar até o ano de sua morte, 1984, aos 89 anos.
Todas as canções são imperdíveis. De toda discografia, sugiro o excelente álbum AMTRAK BLUES, de 1978. Feche os olhos, relaxe e me diga.
É dito que os talentos de Alberta nunca foram capturados tão bem nos discos, e que ela cantava muito melhor ao vivo. Mas se ao escutá-la a emoção aflora, é quase inimaginável sentir que força seria a dela em cima do palco. Tudo ali já soa completo.
Acima, aos 83 anos, em uma das tantas apresentações.
Ela canta "Nobody knows you when you're down and out"
escrita originalmente por Jimmie Cox para Bessie Smith.