Paula Clarice Grazziotin de Jesus
Você está dirigindo pela cidade e um cachorro atravessa a rua. Você vê se consegue frear para evitar o atropelamento, pragueja e segue a vida. Essa cena poderia se passar em qualquer cidade. Eu nem sei onde você mora, mas aposto que ela acontece todos os dias na sua cidade. Você, que me lê, sabe do que estou falando. Se não foi no trânsito, foi algum cachorro que revirou lixo na calçada da tua casa, ou foi um gato que fez xixi na areia do parquinho onde seu filho brinca.
A gente convive com cães e gatos de rua, eles são parte da nossa vida. Mas são uma parte tão insignificante que dá para lidar com ela só assim: a gente xinga e segue a vida. Alguém devia fazer alguma coisa...
Porque cada animal solto na cidade representa potencialmente uma série de doenças perigosas para o ser humano – e que se tornam mais graves ainda no contexto precário da educação e saúde do Brasil – zoonoses, verminoses, parasitoses e mais um monte de –oses.
E fica ainda mais complexo se a gente pensar que eles se reproduzem e uma cadelinha solta hoje equivale a dezenas de novos cachorros de rua em um período muito curto. Mais doenças, mais risco para a saúde humana. E de quem é a responsabilidade?
Por se tratar de uma questão de saúde pública, o poder público em geral tem órgãos ligados às secretarias de saúde que controlam as zoonoses e gerenciam a população de animais não domiciliados. Mas é a saúde pública, é uma realidade que a gente conhece bem, e a questão dos cães e gatos de rua está longe de ser prioridade. Pense: diante da qualidade dos hospitais do nosso país, qual será a condição de vida dos animais nos abrigos públicos?
Daí surgem as entidades de proteção aos animais, que são a sociedade civil organizada para tentar contornar este problema – que atinge humanos, animais, o baile todo.
Protetores dos animais: essa gente que gosta de bicho
Quando se fala em associação protetora dos animais, nosso senso comum logo pensa na moça boazinha que recolhe vira-latas da rua. Não é bem por aí. O principal trabalho destas entidades é para diminuir a população de gatos e cachorros de rua da cidade. Bem além de recolher animais machucados (que também é um trabalho feito por eles e muito lindo), os protetores trabalham para a educação da população. Afinal, são as pessoas que soltam os animais nas ruas, pelos mais variados motivos, e que mantêm seus cães e gatos não castrados em regime semidomiciliado (ou seja, com liberdade para sair e se reproduzir). Educando as pessoas, podemos encolher esta população de animais de ruas em um período de poucos anos. E aí, quanto menos cachorros, menos cachorros.
O que eu posso fazer?
Apesar de ainda haver muita desinformação sobre este problema dos animais de rua, também existem pessoas com grande conhecimento da causa que mesmo assim não se sentem capazes de ajudar a solucioná-lo. Isso está ligado à ideia da moça boazinha, ou seja, ao nosso preconceito de que, para ser parte da solução, devemos abrir espaço em nossas casas para acolher animais de rua, oferecer tratamento. É muita responsabilidade! Mas existem algumas ações bem menos impactantes no seu cotidiano que podem fazer alguma diferença e é sobre elas que quero falar.
A principal delas é a posse responsável: se você tem um animal de estimação, deve providenciar a castração (pode-se conseguir este procedimento de graça informe-se na sua cidade) ou então mantê-lo em casa para que não se reproduza na rua.
Se você ainda não tem animal de estimação e pretende comprar ou adotar, procure o máximo de informações sobre as características dele, pondere se está disposto a dar todos os cuidados e adaptar-se a um animal em sua rotina. Pets dão muito trabalho, apesar de serem fofos e amorosos, e às vezes não estamos preparados para recebê-los em nossas vidas naquele momento.
Mas, se você se sentir à vontade, em vez de comprar, adote um animal resgatado pelos protetores. Você estará dando uma chance de ser feliz a um bichinho que, como vimos, é tão vítima deste abandono quanto todos nós. E não tem culpa nenhuma. E se for vira-lata ainda é peça única, pensa bem? Um cachorro exclusivo.
Eu e o Nestor, nosso cachorro exclusivo (em momento Felícia)
Além disso, você pode ser um apoiador do trabalho das entidades de muitas maneiras, mesmo sem acolher um animal em casa: divulgando informações; alertando as pessoas do seu bairro, da sua família e os amigos da internet sobre a questão da posse responsável; denunciando os casos maus tratos a animais (é crime, sabia?); fazendo doações em dinheiro ou produtos animais como ração; se envolvendo em ações de reivindicação junto ao poder público; e até ajudando nas questões operacionais da entidade (como a organização das feiras de doação de animais resgatados).
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Então quando você vir um cachorro atrapalhando o trânsito, em vez de xingar ou nada, apenas pense por um momento. Refletir sobre as coisas que consideramos banais sempre vale a pena.