Passou o dia da Independência e eu me lembrei das
paradas a que todas as crianças dos vizinhos assistiam e algumas até imitavam,
das quais eu nem queria ouvir falar. Achava até bonitas algumas daquelas marchas
militares e o auriverde-pendão-da-minha-terra, mas isso não seria suficiente
para ficar lá no sol a pino, olhando aquele interminável desfile de sujeitos
assustadores, de cara fechada, batendo os pés no chão, vestidos com uma roupa
que me parecia de cimento-armado.
A bandeira me comovia de qualquer mastro onde a pendurassem.
Dava o vento e ela ondulava, ficava flexível, me parecia doce, e não sei por
que na minha cabeça a imagem ficou ligada ao mar de Caymmi.
Minha bandeira nunca foi propriamente só símbolo da pátria. Mais
pra símbolo da mátria, minha bandeira ficou feita de retalhos da infância,
adolesceu e amadureceu comigo, começa a esgarçar e a cada fase de minha vida
vai ficando mais parecida com uma obra de Bispo do Rosário. Nela cabem todas as
vidas e todas as mortes, bandeira inclusiva, com muito mais cores que as
tradicionais. Tem franjas no losango, estrelas profundas no círculo azul que
sorri no centro com um fio de pérolas, remendos de lamê do carnaval e chita de
um bumba-meu-boi. O retângulo verde está todo brotado de orvalho, cristal e
flores coloridas.
Minha bandeira dança de liberdade em ritmos marcados por
atabaques, canções caboclas, violões de bossa-nova, buzinas enlouquecidas. E às
vezes emudece durante um minuto diante do mundo em guerras desvairadas, da
insensibilidade das pessoas, da crueldade de que é capaz o ser humano. Mas logo
volta a tremular e se colorir do apesar-de-tudo em que a gente ainda vive nesta
terra.