Hoje as senhoras do tempo são minha mãe e minha irmã Zila, a que conta e a que anota, respectivamente, e elas falam de nossos passeios, de nossas viagens. Este relato e muitos outros são fruto de conversas sem fim que Zila teve com parentes e amigos e que resultaram no livro PROSA NA VARANDA, de 1991. As duas já partiram deste mundo, mas aqui estão.
[Vera Guimarães].
[Vera Guimarães].
“Mamãe relembra nossas andanças que já foram muitas vezes faladas aqui. Mesmo com a meninada pequena, tanto na roça como morando aqui, ela e Papai não perdiam as missas e festas por lá, os velórios, as obrigações sociais todas, não deixando nenhuma amizade esfriar nem morrer. O mesmo aconteceu em Sete Lagoas, onde fizeram muitos amigos e compadres e não era difícil saírem da cidade, a pé, para visitar esses amigos todos, no Gersão, no Sapé, Gineta, Boqueirão e em tantos outros lugares. Papai trabalhou no Bosque, perto da Sede, e “cortava” isso tudo a pé mesmo.
Antes de Conceição de tio Lulu casar, Mamãe deu vontade de rever os irmãos, os sobrinhos e os amigos, amanheceu lá no Guará e puseram o pé na estrada, as duas. Rodearam e foram chegar no Olhos d´Água, após ter o sol ainda queimando e Afonso teve pena delas, ele que era o rei da boa vontade, ficou à disposição para levá-las de carro até o ponto de partida. Isso foi repetido centenas de vezes, do ponto até no tio Lico, até no tio Osório, até no tio Rege, até no tio Pedro Celes, até no tio Lulu Campelo.” Zila Guimarães Lanza
Aqui entra Mamãe:
“Ô, pobreza feliz, viu? A gente não tinha carro, não, mas passeava muito, sem preguiça de nada. Quando tinha as festas, a gente enchia um caminhão, bem velho, que era o de preço mais barato, e lá ia aquele povão cantando pela estrada poeirenta ou barrenta de Jequitibá a Pirapama, essa que hoje é asfaltada. Mas ela era, em muitos trechos, em outro lugar (até Jequitibá), cheia de curvas, estreita, com pontes em cima do ribeirão e sempre, na chuva, com ele transbordando. Falo assim pensando na ponte velha, aquela do rio das Velhas que, no fim, balançava e era buraco só. A gente descia do caminhão velho, fazia “nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, amém” e passava, pisa aqui, pisa ali, os meninos chorando de medo, Diva empacada, que não ia nunca mais, chorando. Mas era só chegar outra data festiva, ó nós pegando o “trem” de novo”! Medo, fazia era medo mesmo! E,quando a viagem era pra diante do Lulu Campelo, que era o mais perto pra nossa “turnê”, melhor. Tinha o último dos irmãos, o Osório, mais perto de Pirapama, e aí era mais um tanto de estada cheia de curva, pontes fracas nos córregos que até “rodaram” um ônibus cheio de gente, o da Onça, cheio, e muitos perigos que enfrentamos, mas, graças a Deus e à “Nossa Santa Ignorância”, fomos, aos trancos e barrancos, arriscamos até nossas vidas, mas estamos aí. Agora que a gente vê que foi muita loucura, mas Deus segurou cada um de nós. Ele via que era o jeito da gente ir e não podia decepcionar tanta gente, inclusive nossa meninada, os que moravam conosco e os que já tinham mudado para cá. Não sei como a comunicação chegava para todos, a combinação era feita e na hora de sair era um tal de parar e entrar passageiros, como se fosse um caminhão de “miçanga”. (O clima era bem esse da foto do www.fotoscanastras.blogger.com.br).
Aí o tempo foi passando, uns já ganhando seu dinheiro, melhorando de vida e nós ficando até chiques... Já podíamos fretar um ônibus! Lotar era fácil, era todo mundo querendo ir e a gente ia mesmo. Foram comprando carros, uns levando quem não tinha condução, mas eu tem até pouco tempo que parei de andar de ônibus, descer nos pontos e chegar, longe, a pé onde era o destino. Cira comprou carro, dirige, Verinha, Geraldo, Alexandre, Artur, Paulo Henrique, todos, me põem no carro deles e vamos lá. Isso é nas fazendas, na do Paulito (já fui muito, a pé, do ponto até lá, ou direto, de caminhão), em outras, do nosso pessoal, até Nova Almeida, e ao redor desta cidade, que é meu pião. Já tenho uma sacola pronta e “não mudo a roupa”, de chegar por uma porta e sair por outra, nem! De avião, já andei que chega, já fui longe e acho que não falta nada para eu experimentar nessa vida. Umas dúzias, mais ou menos, de netos meus, de sobrinhos, os genros Tarcísio e Artur, já moraram, passearam, estudaram ou trabalharam em muitos países da Europa, e outros lá longe, que só sei ser no “estrangeiro”, como a gente usava falar. Nem era assim, era “na estranja” que os meninos falavam. Nossa família vai de avião, de navio, de trem, de ônibus, de caminhão de gado (a Zila, caroneira, que o diga), de carro velho, na carroceria de caminhão, de caminhonete, de jipe, de Rural, de cavalo, de carroça, de carro de boi, de “a pé”, mas o importante é ir, é chegar como todas as vezes, graças a Deus, nós chegamos até hoje. Gente, temos que rezar muitos terços, agradecer muito a Deus por tudo que fizemos, tudo que vivemos, que sofremos e, mais, que Ele nos deu de alegrias e felicidades. Nossa família, que agora vocês, mais novos, conhecem um pouco mais, é e sempre foi uma família feliz e honrada e tiveram, muitos, e ainda têm a sorte de uma vida longa, de poder colher os frutos do que plantaram. E valeu a pena lutar. Vocês, que estão aí com os mais velhos, amparando os passos que vão diminuindo cada vez mais, sabem que a vida é um dom de Deus e sabem valorizar cada passo que dão nos seus caminhos. Sou tão feliz por isso e por tudo. Geraldo, Lenir, Débora e Juarez vão voar amanhã para um passeio longe. Vão conhecer vários países que um punhado dos meus já conhece. Peçamos a Deus que eles sejam felizes como vocês (e os que estão lá) foram e são pela oportunidade de conhecer outro “mundo”. Vão com Deus! “ (Dona Didi, minha mãe).
Conservo de Mamãe esse gosto por sair passeando, encontrando amigos e parentes, vendo pessoas desconhecidas, novas paisagens. E da Zila, o prazer de contar. É por isso que de vez em quando registro o que vi e senti em viagens por “Oropa, França e Bahia”! Ou por “terras, Datas e Gouveia”! Enfim, por aqui e “na estranja”!