domingo, 11 de setembro de 2011

SENHORA DO TEMPO - O MAIS CARINHOSO PARA PIXINGUINHA


Um cavalo que era ídolo na Móoca foi o inspirador de uma das mais famosas peças da Música Popular Brasileira


Por Maurício Ielo
in memorian


O maestro Pixinguinha sabia viver a vida. Como muitos dos maiores músicos de todo o mundo nos anos 10 e 20, começou tocando, como Patápio Silva e Ernesto Nazareth, dois outros gênios da música brasileira, piano nos cabarés e nos cinemas que exibiam filmes mudos. No seu Rio de Janeiro, entre uma audição e outra, Pixinguinha - que se estivesse vivo estaria comemorando exatos 100 anos - gostava mesmo era frequentar as uisquerias do bairro da Lapa e os dois prados locais da época, o São Francisco Xavier e o Derby Club. Quando surgiu o imponente Jockey Club Brasileiro, com seu hipódromo às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, Pixinguinha fazia de tudo para comparecer às corridas, hábito que adquiriu em nada menos que do que Paris, numa das excursões dos Oito Batutas, seu conjunto. E mais, nos finais de semana não tocava nas matinês. As corridas tinham prioridade.


Já nos anos 30, turfista veterano e músico famoso, Pixinguinha vinha cada vez mais para São Paulo. As rádios exigiam sua presença. E o músico, obviamente, descobriu o caminho do pradinho da Móoca. Quando em São Paulo, não havia outro endereço para encontrá-lo: o último quarteirão da rua Bresser.

Não era apenas nos dias de corrida que Pixinguinha ia ao prado. Era um coruja. Cronômetro em punho, ia marcar os tempos dos trabalhos, logicamente para descobrir as barbadas. E voltava no final da tarde para conhecer mais novidades. E, da mesma forma que já acontecera no Rio de Janeiro, tornou-se amigo de muitos treinadores e jóqueis. Nas cocheiras das ruas Taquari, Marcial e Catarina Braida tinha acesso livre. Muitas vezes pegava um violão e tocava para os profissionais.

Em 1953 apareceu na Móoca um potro muito simpático. Chamava-se oficialmente Tomate devido à pelagem rosilha, mas na cocheira era chamado por Carinhoso. O potro, muito bonito, havia sido campeão da Exposição de Produtos. E poderia ter ficado famoso apenas por ser um dos primeiros animais a correr um Derby Paulista tendo um nacional como pai. Mas a história foi muito além.

O potro pertencia ao Comendador Constantino Pinto Coelho e era de criação do Coronel Antenor de Lara Campos. E era venerado pelo público da Móoca que o chamava pelo apelido da cocheira, Carinhoso, ao invés do singelo Tomate que aparecia impresso no programa. E Pixinguinha, obviamente, era um desses tantos fãs. E Carinhoso passou à história, assim como quem o eternizou.

Pixinguinha sempre foi um turfista de primeira,
de não perder reunião no Rio ou em São Paulo
O trabalho de Carinhoso uma semana antes do Derby, diziam, foi um assombro. E como era do feitio da época, alguém nunca identificado, mas certamente de stud adversário, invadiu, altas horas, o box em que estava Carinhoso, e tentou cortar sua jugular. Não conseguiu, mas o cavalo ficara marcado por um estilete que produziu um corte de quase 25 centímetros. E obviamente perdeu estado. Para surpresa geral, uma vez que estava inscrito no Derby, acabou sendo apresentado apenas uma semana depois do atentado. E se já era simpático ao público, ficou ainda mais ainda pela heróica presença na prova. 

Lógico que, naquele estado, Carinhoso não venceu. Quem ganhou foi Organdy, das cocheiras de Erasmo & Antonio Asumpção. Mesmo assim, Carinhoso chegou em quinto lugar, à frente de potros criados pelo Coronel Rodolpho de Lara Campos e por Lineu de Paula Machado. Mas na sequência, levantou várias provas clássicas e foi levado ao Rio de Janeiro em 1936, para correr o GP Brasil vencido pelo matungo Cullingham, com animais como a própria Organdy, Sargento e Formasterus no campo da prova.

Carinhoso chegou apenas na nona colocação, à frente de Formasterus e mais cinco competidores, mas naquela mesma semana do GP Brasil, Pixinguinha lançava um 78 rpm, apenas orquestrado, sem letra. O título do lado A era "Carinhoso", que somente alguns anos depois João de Barro colocaria a letra.
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Maurício Ielo, jornalista e inesquecível.
Filho de Luciano Otello Ielo (in memorian) e Carla Castelli Ielo, 82 anos.
Irmão de Simonetta Ielo. 
Pai de Diana Ielo e Marina Ielo. 
Avô de Pablo Ielo.
Companheiro de Betsy Neila Honorato. 
Amigo na melhor definição da palavra.


* Esse artigo foi originalmente publicado na revista PURO SANGUE INGLÊS da Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo de Corrida - ANO 4 - MARÇO/ABRIL 1996.