segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Pela janela cintila o mar

Dade Amorim escreveu



Acho que nunca tirei umas férias por assim dizer tão convictas como as de janeiro deste ano. Fiquei de férias mesmo, em toda a extensão da palavra. Até aqui, os períodos de descanso foram sempre mesclados de dias e horas marcadas, compromissos impossíveis de adiar. Mandei tudo pro espaço dessa vez.
 A sensação de estar longe do mundo tomou conta da numerosa família e a gente esqueceu de tudo à vista da praia e do mar, o canto de muitos pássaros e aves noturnas. Tempo para ouvir música, conversar em sossego, ver um bom DVD, fazer um joguinho tranquilo – ou agitar à vontade e depois ter garantido um sono sem perturbações. Mas há outras vantagens.
 Uma das quais é o quanto esse isolamento torna aguda a percepção do que vai dentro da gente. “A dor e a delícia de ser quem se é” e o sentimento igualmente secreto, pessoal e íntimo da serenidade. Pois essa dor/delícia e a serenidade são irmãs gêmeas. Não se misturam, porque nesse caso deixariam de ser o que são. Mas os traços comuns ficam muito evidentes, como num retrato a nos olhar da estante. Conhecemos bem as diferenças entre ambas, e no entanto nos passam certo sentimento de univocidade – como dois conjuntos matemáticos com uma área em comum que de algum modo os define. São duas mas uma precisa da outra para existir inteira.
A gostosa dor de estar vivo e a serenidade formam uma santíssima dualidade. Santo quer dizer diferente, e nada é tão diferente como a dor/delícia de existir e ser quem se é. Por seu lado, a serenidade, um estado/sensação quase beatífica, embora nunca deixe de existir quando a conquistamos, dificilmente pode ser experimentada como merece nas horas em que o caos da vida urbana, as vitrines do shopping, o ambiente de trabalho com suas urgências ou a televisão dispersam nossa atenção.
Serenidade, eu acho, tem muito a ver com natureza. Precisa encontrar terreno propício no espírito, mas sua imagem e suas vozes estão soltas no ar, e ajuda muito mergulhar no silêncio de uma floresta, na imensidão sugerida pela visão do céu, do mar, do horizonte distante para perceber – e acolher, que são coisas diferentes.
Há outro ponto comum à dor de existir e à serenidade: ambas são o que os químicos chamam de elementos simples, irredutíveis, fundamentos da experiência humana de viver. Não se misturam. Convivem em harmonia e criam intervalos de prevalência, equilibram-se na gangorra dos dias, uma ajudando a definir e identificar a outra. Fertilizam a argila de que somos feitos como o adubo e a água fazem com a terra que recebe uma planta.
 Saio do verão convencida de que não dá para viver plenamente sem mergulhar nessas duas instâncias. Para isso servem as férias. E nem é preciso se isolar tão completamente num recanto de sossego total. Basta querer recriar a própria solidão como quem decora uma casa; cultivar uma vida interior, que é necessária para todas as horas – esteja você sozinho ou não, porque sem ela a convivência com os outros perde em intensidade e o amor rapidamente se desvanece.