segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

TODOS POR UM

Por Dade Amorim

Mia Couto





Num tempo em que pensar parece coisa fora de moda, porque já existem modelos prontinhos pra ser usados, e as escolhas estão cada vez mais limitadas às ofertas consagradas pelo mercado, gostar de alguma coisa tornou-se meio que uma convenção. Sair dos padrões em uso é motivo de estranheza e má vontade por parte de certa massa de gente pré-fabricada, de cabeça feita pra encher os bolsos de uma indústria de espetáculos acelerados e barulhentos, que se dedica a impedir que seus consumidores possam pensar alguma coisa enquanto se agitam sem trégua. Essa educação pelo barulho liquida a capacidade de refletir e a liberdade de escolher o que realmente agrada a cada um. Barulho e agito demais prejudicam não só a audição como também criam calos na sensibilidade.

Por conta disso, boa parte de nossa gente perde a oportunidade de conhecer autores que nos enriquecem pela leitura, nos ajudam a desenvolver o senso crítico, estender o vocabulário e perceber certos mecanismos de nossa língua na sutileza de um bom texto.

No conto O espelho, de Machado de Assis, por exemplo, o autor expõe um ponto de vista segundo o qual as pessoas têm na verdade duas almas – uma interna, que olha o mundo de dentro para fora, e outra externa, que se vê de acordo com os olhos do mundo a sua volta. Em nosso caso – “Um mundo em que as pessoas costumam ser reduzidas a títulos, a contas correntes, a imagens na mídia, a currículos, a crachás. A ‘alma exterior’ dá as cartas num mundo que se define pela superfície e pela velocidade e que tem horror à profundidade e à lentidão –”* pode-se perceber o quanto o velho Machado é atual ainda hoje. E necessário.

É na capacidade de ser atual, mesmo fora de seu tempo, que reside uma das características do bom escritor, chame-se ele Machado, Poe ou Mia Couto.


* De uma palestra de José Castello, crítico literário.