sexta-feira, 27 de maio de 2011

COLE PORTER E SEUS AMORES

Por Ana Laura Diniz

Cole Porter e seus amores. Nunca separo uma coisa da outra quando penso nele... ou o escuto. Talvez porque apesar de todos os conflitos existenciais intrínsecos à forma dele levar a vida, maior fosse a sua devoção à música, aos seus rapazes e à sua esposa, Linda - que de maneira completamente especial o acompanhou até morrer de câncer - evidenciando as possibilidades de relações que um ser humano pode ter e assumir, e de ser feliz.Havia ali, aparentemente ao menos, uma complexidade simples (por mais que às vezes, sofrida: afinal, sentimentos são propícios a isso).


Tudo, sem tirar nem por, fez de Cole Porter um artista completo, popular, mas nunca vulgar, tampouco banal. Seu senso de humor, único. Sua música é ainda nos dias de hoje convite à dança,  à festa, à alegria – capaz de promover qualquer situação, incluindo também os romances.

Nascido em 09 de junho de 1891, em Indiana (EUA), desde criança foi obrigado pela mãe a estudar música. Rica e completamente obcecada, Kate Porter desejou transformar o filho em astro e conseguiu. Não mediu esforços para tanto: chegou a falsificar a certidão de nascimento dele para rotulá-lo de menino prodígio – aos 8 anos de idade, Porter seria então um magnífico pianista e violinista. Sua idade real? 12 anos, mas por ser magro demais, a todos convenciam.

E assim seguiu por toda década de 20, em plena adolescência. Nos anos 30, conquistou o seu lugar ao sol: tornou-se um músico de muito prestígio. Raros possuíram o seu talento – ao longo da carreira compôs mais de 800 canções, e pelo menos 100 delas permanecem eternizadas.

Boêmio sem conserto, passou a vida usufruindo o que nela houve de melhor - luxo, fama e muitos prazeres – em plena Era do Jazz. Vida agitada entre o piano, os teatros, os muitos copos de champanhe e charutos. Tempo de Ernest Hemingway, James Joyce, Coco Chanel, Greta Garbo, Fred Astaire e do cubismo de Picasso.

Sua música, assim como as outras americanas, eram para o teatro repleto de musicais. Quando para o cinema, ainda mudo. Escrevia para a Broadway e vendia partituras, pois o piano tornara-se moda nas requintadas festas. Anos e mais anos sob a mesma batuta. 


A partir dos idos de 50 é que sua música se popularizou na voz de intérpretes famosos. Cole Porter parecia ter asas: voava sem sair do chão. Não pertencia apenas ao teatro e ao cinema; estava em todos os lugares, nas ruas, na vida das pessoas.

Cena de De-Lovely
Mas nada foi à toa e ao acaso. Se jovenzinho a mãe já o estimulava, mais tarde, já casado, Linda – sua esposa, amiga e companheira fiel – exercia o mesmo papel. Graças ao apoio dela e ao seu talento, escreveu canções de cinema para musicais com Fred Astaire, Judy Garland, Gene Kelly, Frank Sinatra, Grace Kelly, Rita Hayworth e demais estrelas de Hollywood. Suas canções abrilhantavam a então conhecida Época de Ouro de Hollywood tornando-o conhecido mundialmente.

Sua vastíssima criação inclui clássicos como 'Night and day', 'Beguin the beguine' (gravado por Gal Costa), 'My heart belongs to daddy', ''Anything Goes'', 'Don't fence me in', ''I've Got You Under My Skin'', 'Get Out Of Town' (gravado por Caetano Veloso), 'I Get a Kick Out of You', 'Just One of Those Things', 'What Is This Thing Called Love?', 'Love for Sale', 'I Love Paris', entre outros. Entre os musicais da Broadway, destacam-se 'The New Yorkers' (1930), 'Gay Divorce' (1932), 'Anything Goes' (1934), 'Jubilee' (1935), 'Kiss me Kate' (1948).

Em 1937, ao cair de um cavalo, sua vida mudaria. O acidente que lhe quebrou as pernas causaria dores agudas pelo resto da vida. Submetido a mais de 30 cirurgias, mesmo a um humor vacilante e por vezes deveras depressivo, continuou compondo. Com a perna direita, por fim, amputada em 1958, Porter – já sozinho (nesse meio tempo, Linda faleceu) – abandona a vida social, distancia-se inclusive dos amigos mais próximos e abraça a depressão. Em decorrência, não mais compõe e toca... transforma-se num alcóolatra e cai em decadência. Morre na solidão, em 15 de outubro de 1964, num hospital da Califórnia.

Mas como sempre, morre o artista, não a obra. E Cole Porter é referência de música de qualidade, amorosa e divertida.

Em 2004, foi lançado mundialmente o filme De-Lovely – Vida e amores de Cole Porter – que deve ser comprado, pois certamente você, caro(a) leitor(a), quererá ver e rever e rever... dada a produção de altíssimo nível, enredo e interpretações impecáveis. 

E apesar de ser um tanto mais difícil de encontrar, é impossível não indicar também o CD feito por Carlos Rennó, “Canções Versões”, um trabalho de tradução também no plano musical com obras de Cole Porter e George Gershwin. O disco teve por objetivo transpor para uma linguagem de MPB moderna os elaborados clássicos dos dois gênios da música americana e mundial do passado. Cumpriu a missão, e ocupa lugar mais que especial em meu acervo musical. O álbum apresenta uma seleção de catorze músicas dos dois grandes compositores da era clássica da canção americana. Vertidas para o português, elas são interpretadas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Elza Soares, Rita Lee, Tom Zé, Zélia Duncan, Cássia Eller, Sandra de Sá, Ed Motta, Paula Toller, Carlos Fernando, Jussara Silveira, Mônica Salmaso e Jane Duboc.