quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"A INTERNET ESTÁ EM RISCO: GRANDES GRUPOS ECONÔMICOS QUEREM TRANSFORMÁ-LA EM REDE DE TV A CABO", AFIRMA O DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA DA USP, SERGIO AMADEU DA SILVEIRA

Por Ana Laura Diniz

Sergio Amadeu da Silveira: de olho no Marco Civil da Internet
O sociólogo e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sergio Amadeu da Silveira, promoveu na tarde de ontem, no 35º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), um relevante debate sobre Ferramentas conceituais para a análise política nas sociedades informacionais e de controle. Dentre as questões abordadas, a sociedade informacional foi apresentada como sendo de controle, defendendo o uso da metodologia genealógica para observar protocolos e códigos como instrumentos de poder entre viventes nas sociedades em rede, necessariamente cibernéticas. “A importância do papel e das implicações das tecnologias da informação no debate sobre o poder, sobre a organização estatal e suas instituições democráticas precisa ser analisado a partir de ferramentas conceituais apropriadas”, afirmou Sergio.

Militante do Software Livre e autor de várias publicações, entre elas Exclusão Digital: a miséria na era da informação, ele afirmou que a internet permaneceu – ao longo de dez anos – como o maior exemplo de tecnologia aberta e livre porque ela não tem dono, não tem centro, não é apropriada por ninguém. E enfatiza: “Por enquanto!”

Sergio: "A internet é o maior exemplo de
tecnologia aberta e livre porque não tem dono"
É verdade. “Você pode criar um novo conteúdo, um novo site, um novo blog sem pedir autorização pra ninguém. Mas você também pode criar uma nova plataforma e uma nova tecnologia desde que se comunique com o que existe. Então ela continua aberta. E a liberdade e a abertura é a base da intensa criatividade que nós temos junto a ela”, disse. “Nesses dez anos essa criatividade ampliou, só que hoje ela está em risco porque os grandes grupos econômicos que são intermediários, que faziam da intermediação seus grandes lucros na sociedade industrial, eles adquiriram um posicionamento hoje que os permite a tentar contra essa liberdade na internet. Então no mundo inteiro nós estamos assistindo tentativas de mudança do jeito que a rede funciona sob diversas alegações: terrorismo num lugar, combate à pedofilia, e por aí vai, mas no fundo o que eles querem é transformar a internet numa grande rede de tv a cabo”, acrescentou.

Sergio disse que a internet continua um celeiro de comunicação importantíssimo pra todos, de liberdade, representando um ícone da chamada sociedade da informação. “As empresas que querem bloquear a rede são as operadoras de telefonia mundiais, todas elas quase em uníssono, e as industrias do copyright”.

Mas se tudo continuar da forma como está, a estimativa traçada pelo sociólogo é que daqui cinco, dez anos, esteja definitivamente aprovada o Marco Civil da Internet,
projeto de lei que define regras sobre direitos, deveres e princípios para uso da internet no Brasil. “Esse projeto foi feito colaborativamente a fim de garantir a liberdade que hoje existe e também firmar a neutralidade na rede para que consigamos – cada vez mais - continuar fazendo toda essa inventividade florescer mais ainda”, disse.

De acordo com Sergio, essa visão positiva se dá pelo fato de que os brasileiros agora é que estão entrando na rede, especialmente aqueles pertencentes às camadas mais populares. “As comunidades, acredito eu, daqui a cinco ou dez anos transformará a rede, e para melhor, porque a cultura brasileira é muito efervescente, e se essas comunidades se apropriarem dessas tecnologias para praticarem a sua cultura, vamos ter uma internet cada vez mais rica e com uma diversidade cultural muito além dessas práticas californianas de facebook, e redes sociais que são legais mas que são de um período de relacionamento. Com uma cultura diversa tal qual como ela, certamente essa parcela da população terá muito a contribuir na internet, e se a gente continuar assim, acho que vamos ter uma internet muito diferente, mas dentro da liberdade”, enfatizou.

Em mesa de debate, Sergio afirma: "tudo na
internet vira aquilo que os usuários querem."
E vale lembrar que por mais que boa parte das pessoas usem a internet por conta das redes de relacionamento, a pesquisa dentro dela deve ser ainda muito desenvolvida. “Os usos, na verdade, vão se mudando a cada tempo. No início, quantas pessoas diziam que internet era usada praticamente para pornografia e e-mail? E a internet é fantástica porque tem duas características da cultura digital que reforçam essa rede: uma está atrelada às práticas recombinantes - o tempo todo - e a outra, é a reconfiguração pelos usuários”. Para melhor explicar, “quando o orkut foi criado, ele passou a ser uma rede de networking, troca de cartões, de empresa, de currículo; mas caiu no Brasil e virou aquela coisa de o cara entrar lá de peito de fora para ganhar a gatinha; e a gatinha para arrumar um namorado... virou aquilo que os usuários querem. Logo, essas práticas recombinantes e a reconfiguração que caracteriza a cultura digital vai, quer queiram quer não, modelar a rede para os próximos anos”, finalizou Sergio.