Adriana Lisboa. Um beijo de Colombina. Rio de Janeiro:
Rocco, 2003.
A história de um professor de latim que se envolve com uma
escritora tem um sabor agradável. Fala de vidas comuns, desenrolando-se em
bairros populares, de gente simples e bem real. Inclui também uma mulher
singular, que começa a fazer sucesso com seu trabalho literário, discreta em
relação a si mesma e seus pequenos segredos. Fala do Rio de Janeiro, de
carnaval, andanças por bairros conhecidos, ruas bem cariocas: Vila Isabel, a
Lapa, Santa Tereza, bares e restaurantes, o centro da cidade com seus sobrados tombados
quase tombando. Fala de uma casa de praia alugada em Mangaratiba, das cores
daquele mar, enfim, desse estado que nos cansa pela desorganização, mas consola
pelo visual gratuito e tão envolvente que nos prende por aqui. Assim como
prendeu Teresa, a primeira protagonista, e seu amante, o professor que ela
acolhe em sua casa, e que a partir de uma vida bem simples manifesta o desejo de "desentranhar a poesia deste mundo".
Adriana Lisboa é uma romancista criativa, que extrai
originalidades dos pensamentos mais secretos, das vidas de personagens sem
muitos recursos, e isso tem um lado bem atraente para o leitor. É uma escrita
leve, às vezes cúmplice, sempre fácil e boa de ler. Paralelamente, explora o
trabalho admirável de Manuel Bandeira, o grande inspirador de Teresa, que o
professor vai redescobrindo durante os oito meses em que vivem juntos. Até a
morte da escritora, tudo fazendo crer que afogada no mar de Mangaratiba.
As coisas acontecem sem dramas, sem desespero, embora essa
morte tenha acarretado sofrimento para o heroi, que narra a história na
primeira pessoa. O fato suscita ainda algumas suposições que não se sabe aonde
irão dar. Até que um dia ressurge Marisa, um caso antigo do professor, que
depois de um período meio sem rumo para ele acaba por levá-lo também para sua
casa, no bairro da Lapa. Enquanto tudo isso acontece, um mistério vai tomando
vulto, quando encontram na geladeira da casa de Mangaratiba um papel com o
poema de Bandeira que diz Nas ondas da
praia, nas ondas do mar, quero ser feliz, quero me afogar. Com
naturalidade, sem peso, sem pender para o romance policial, o mistério vai se
espalhando como uma nuvem que tomasse conta de uma parte do livro.
Surpresas esperam o leitor, à medida que o texto avança, sem
perder o interesse e o caráter um tantinho improvável pelos rumos desse heroi,
talvez um pouco casual demais, para alguém que tomou um caminho definido, mas
se contenta em vagar de acordo com a maré.